Mirasul do Norte
Todos naquele lugar tinham a estranha sensação que algo estava pra ocorrer naquele dia... Mas o que? O que poderia de tão importante poderia acontecer num lugar tão pacato? Nesse lugar onde quase nada acontecia a população era formada principalmente por idosos, pois os jovens saiam em busca de oportunidades, aventuras... Em Mirasul do Norte as principais noticias eram com relação à saúde, ou a falta dela, dos moradores da redondeza. Todos conheciam e se importavam com todos.
Aquele dia parecia mesmo especial. Até o ar parecia diferente. Seu Onório, que tinha como ocupação cuidar de uma bodega, nesse dia não abriu o seu estabelecimento. Teve uma sensação estranha logo de manhã e decidiu que depois de 13 anos de atendimento ininterruptos, exceto domingo e feriados, naquele dia não iria haver atendimento na “Bodega do Onório”.
Mariana que tinha 16 anos, também faltou à escola. Simulou uma dor de barriga e convenceu seus pais que não estava em condições de ir à aula. Estava com muito medo. Isso, talvez, seja um sentimento comum a meninas dessa idade. Essa é mesmo uma fase de mudanças importantes no organismo que podem resultar em manifestações das mais diferentes sentimentos. Só não era um sentimento comum a Mariana que também não costumava faltar às aulas por gostar de estudar e também por preferir isso a ir trabalhar com sua família na lavoura.
A sensação estranha era generalizada. Não levou muito tempo para as pessoas começarem a comentar suas sensações e descobrirem que não estavam sozinhas. O que era apenas uma sensação diferente agora era uma certeza: algo estranho está para ocorrer. Depois de algum tempo começam a surgir os primeiros boatos. O radialista da única radio e do único programa da cidade disse ao vivo:
- Eu tive um sonho essa noite. Não sei descrever muito bem... Parecia com alienígenas ou meteoros na nossa cidade. Isso foi o suficiente. Estão dizendo por ai que vamos ser visitados por alienígenas, que irão cair meteoros em nossas casas. Diziam pelas ruas. Agora a população já não estava mais com medo. Estava em pânico! Como reagiremos? O que faremos? Quando chegarão? Mirasul será destruída? Essas eram as principais perguntas.
Eu acordei, já era meio dia. Fui até a bodega do Onório para comprar pão e me deparei com ela fechada. Fechada? Será que ele morreu ou está doente? Pensei. Resolvi ir até a outra bodega que era do outro lado da cidade, na verdade a uns 500 m. dali, no caminho vi algumas pessoas reunidas na praça, mais gente que o normal. Me aproximei pra ver o que estava acontecendo. Foi então que fiquei sabendo da “novidade”. Estranho é que eu me sentia normal, como um outro dia qualquer. Será que eu não sou nada sensitivo, ou meu inconsciente está desligado do consciente coletivo dessa cidade?
Mas tenho que confessar que fiquei entusiasmado. Será mesmo que teremos algo diferente por aqui? Mal conseguia esperar. Alguém no meio daquelas pessoas ergueu a voz e disse: “temos que ficar unidos, se alguma coisa vai acontecer o melhor mesmo é estarmos juntos”. Alguns chiaram, mas a maioria concordou que isso era o melhor a fazer.
Então, ficaram ali no meio da praça, e a cada hora que passava aumentavam as expectativas e também o número de pessoas. Estávamos no verão e o tempo estava bom, o céu limpo e o dia muito quente. Mas lá pelas 5 horas da tarde o tempo começou a mudar. Primeiro o vento, depois as nuvens e por ultimo as nuvens negras. A chuva... Veio forte e preocupou ainda mais o pessoal. Como podermos avistar algo que vier do céu? Será que foram os extraterrestres que promoveram essa virada de tempo? Todos se questionavam com mais medo agora.
Eu estava escondido debaixo de uma marquise para se proteger, não dos E T`s e muito menos de meteoros, já que uma simples marquise não seria suficiente, mas sim da chuva. Foi mesmo meio estranha aquela virada repentina de tempo, mas em situações normais ninguém se assustaria. A chuva durou menos que meia hora e foi embora do mesmo jeito que veio: repentinamente. Depois desse “sinal” (interpretação feita por muitos) o pessoal se organizou e começou a rezar juntos, de mãos dadas unindo suas forças contra o suposto mal.
Estava começando a escurecer, à parte do comércio que havia aberto suas portas começava a fechá-las. Há essa hora o pessoal da praça já apresentava os primeiros sinais de cansaço e logo alguns começaram a sair sobre o protesto de outros:
- Eu vou embora dormir, não vou ficar aqui igual um mané! Disse o homem.
- Não diga que não avisamos. Responderam.
Depois disso mais alguns foram embora, mas a grande maioria permanecia ali. Enquanto isso a prosa ia rolando... Alguns trouxeram chimarrão, outros violão, baralho, alguns contavam piadas e assim o tempo foi passando. Chegou um momento que já nem se lembravam mais do motivo pelo qual estavam ali, muitos velhos amigos conversavam empolgadamente, muitos cantavam e se divertiam. Parecia uma festa que não tinha hora pra acabar. De repente a fome bateu de forma generalizada. Assim sugeri que fizéssemos uma vaquinha para irmos na bodega para pegar carne e pão. Onório que estava por ali concordou e ainda disse que iria vender tudo pela metade do preço. Fazia tempo que não me divertia assim. Comentou o bodegueiro enquanto via as crianças felizes jogando bola.
Enquanto o churrasco comunitário comia solto o radialista da cidade subiu na base do monumento da praça e disse:
- Atenção pessoal! eu gostaria, antes de ir embora descansar, dizer-lhes algumas palavras...
- Que bom que nos reunimos aqui nesse dia e pudemos por um momento fazer um ao outro um pouco mais feliz. Quebramos nossa rotina, nossa mesmice de que tanto reclamos sem perceber que ninguém além de nós mesmos a produz e a reproduz todos os dias. Vocês talvez também não tenham percebido, mas já passam da meia noite e nada aconteceu, aliás, muita coisa aconteceu nesse dia. Hoje pudemos trazer um ao outro um pouco mais de alegria e fé. Fizemos um melhor dia e assim podemos fazer uma melhor semana ou até mesmo uma melhor vida. Agora posso ir pra minha casa certo que ajudei a fazer um belo dia, um dia especial que se aproximamos mais de nós mesmos e de Deus.