Um cão e eu Andavas e na dança de teus quadris os ossos provocavam um estranho e triste balanço... Lembravam a mãe balançando o berço do filho ausente... Teu porte era belo, mas o corpo esquelético perdia a vivacidade que deverias ter pela tua idade. Assemelhavas-te a um velho solto na tristeza dos momentos não vividos. Tua fome era transparente e fazia de teus olhos, faróis da miséria do mundo naquela calçada em que, esperançoso, procuravas com teu focinho, no chão seco e estéril, alguma coisa para saciar tua fome... Com a inocência e a pureza de uma criança teu olhar pousou sobre mim e fui invadida por uma estranha e forte sensação de amor, a alegria com que me fitavas transcendia teu corpo e exalava felicidade ao teu redor, e fiquei marcada pela doçura e cumplicidade deste teu olhar...Percebi tua fome e pensei em comprar-te um pastel, mas algo impediu-me deste ato. Só depois, do muito pensar sobre ti e sobre tua figura, é que percebi que na verdade, o que me impediu de dar alguma coisa para alimentar teu corpo foi estar tão faminto quanto tu estavas... Tinhas fome no corpo e eu tinha fome na alma...Tinhas fome de pão e eu tinha fome de amor... Mas cada um de nós, dentro da nossa realidade, estava igualmente carente, faminto e miserável. Neste instante pensei afinal, qual de nós dois era enfim, mais humano... Eu, que fui incapaz de dar-te o alimento para o corpo, ou tu que alimentastes minha alma apenas com um olhar... |