Mentiras sinceras

O pior da responsabilidade de ir às compras é servir de acompanhante e ir na contramão de todos os paradigmas da sociedade feminina: ir comprando e o marido empurrando o carrinho já abarrotado de coisas.

É certo que comigo acontece justamente o contrário, sempre fui uma pessoa que gosta de quebrar esses conceitos pré-estabelecidos do século retrasado, afinal, a sociedade diz que a mulher é quem deve ir ao mercado, e ainda ficam se gabando disso. As mulheres de hoje deviam empurrar o carrinho isso sim! Nada de listinhas na mão e cabeças concordantes de um marido entediado. As mulheres é que deveriam ficar entediadas empurrando carrinhos. Ficar comparando preços é coisa de macho.

Bom, o fato é que enquanto empurro o carrinho – e me orgulho disso - meu marido empunha heroicamente a lista de compras, eu fico esperando a abordagem repentina de algum conhecido que “acha” que sou eu que estou na dianteira das compras e me pergunta com cara de paisagem:

- Você viu como o pote de 250 gramas de azeitonas pretas subiu?

- Nooossa! Nem passe na seção de pães que de ontem para hoje aumentou 20%.

E eu com cara de comedora de azeitonas pretas, concordo com monossílabos e digo que NUNCA, JAMAIS sequer passarei perto da seção de pães. Digo então que esqueci de pegar um produto que está na prateleira do outro lado do mercado e saio carregando meu marido e sua listinha.

- Depois voltarei lá, agora eu quero vir por aqui!

Como ele me conhece, dá uma desculpa esfarrapada e sai para dar risada. Nem me pede se eu quero que ele empurre o carrinho. Agora é uma questão de honra!

Saí do estado caótico em que me encontrava, agucei meus sentidos e dali por diante meu dever era encontrar possíveis suspeitos de uma aproximação direta e escapar com o carrinho cheio sem ser vista. Parecia ser uma missão suicida já que todo mundo se conhece em cidade pequena. Tensa e preparada como uma raposa; saí pelos corredores afora num caminhar silencioso, se eu pudesse rastejar como fazem os milicos no exército eu rastejaria; pena que as rodinhas do carrinho estavam um pouco rangentes e então eu passaria por uma consumidora despercebida. Um verdadeiro fantasma do exército com olhos de raposa. Nada mal!!! Poderia até auto nomear-me “Ghost da gôndola”.

Eu acho que estava me comportando realmente como um, porque meu marido me perguntou se eu estava bem, e me apresentou um casal normal (mulher de listinha-homem de carrinho) que estavam morando na cidade há pouco tempo. Entabulamos uma conversação animada, eu e a mulher-de-listinha, até que acabou a conversa e começou o assunto que havia de mais abundante por ali: preços e produtos.

Eu tinha vontade de chorar. Como é triste quando a gente não conhece o assunto e a outra pessoa insiste em falar nele.

Eu não queria conversar com ninguém a respeito de produtos e preços.

Eu não sabia de nada!

Eu queria ser abduzida naquela hora.

Mas ela não tinha culpa, porque ela era uma autêntica mulher-de-listinha enquanto eu era a mulher-de-carrinho. Meu marido nem estava acreditando no que ouvia e embasbacado pediu para ir embora. Topei na hora.

Nem quis saber quantas gafes cometi. Fazer o que? Fugir para as montanhas? O pior de tudo mesmo foi olhar para a cara de deboche do meu marido, com aquele riso preso dentro do corpo, louco para sair. Ele que nem ousasse!

Leia Helena Frenzel em "Supermercado" é o máximo!

http://www.recantodasletras.com.br/cronicas/2169311

Michele CM
Enviado por Michele CM em 25/03/2010
Reeditado em 31/03/2010
Código do texto: T2159163
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