Dez passos

Ana era uma cidadã comum, dessas que trabalham oito horas, estudam quatro e utilizam cinco transportes coletivos por dia. Certa noite estava muito cansada para estudar a matéria da aula do dia seguinte e resolveu dormir. Noite dormida, dia posto, saiu para mais um dia de trabalho. Coletivo, comércio, comissão, coletivo, aula.

Era um dia comum, mas naquele dia comum algo realmente peculiar lhe aconteceu. Entre um cansativo dia de trabalho e mais uma daquelas intermináveis aulas, ao descer do coletivo, acompanhara, guardando o espaço de, aproximadamente, cinco passos, uma senhora na altura dos seus quarenta anos. Graças a esta pequena distância, Ana pode perceber quando um pequeno pacote branco caiu da bolsa de sua precedente.

Em uma ação involuntária, Ana abaixou-se lentamente e apanhou o pacote, tinha a intenção de devolvê-lo, uma vez que a proprietária do objeto estava a apenas seis passos dela, até que sentira, entre seus dedos, que havia no interior da pequena bolsa um volume cuja espessura indicava um maço de notas.

Dinheiro. Coletivos. Mulher bem vestida.

As imagens explodiam e se misturavam na cabeça de Ana em uma fração de segundos.

Foi neste mesmo sexto passo que ela sentiu diminuir sua velocidade.

A este, se seguiu o sétimo passo, onde seus pensamentos, já encontravam certa ordem e esta ordem lhe dizia que aquela mulher bem vestida não sentiria tanta falta daquele dinheiro.

No oitavo passo Ana abriu a pequena bolsa de couro e viu que haviam outros objetos em seu interior além do dinheiro, que só agora, pudera constatar, se tratava de uma razoável quantia.

Nono passo. Dinheiro, clipes, batom, uma cartela com pequenos comprimidos - que não aparentavam ser nenhum método contraceptivo, dinheiro. Deve ser algum medicamento contra náusea ou um antidepressivo, nada de que sua vida realmente dependa, pensou Ana rapidamente.

Estava a dez passos quando finalmente levantara a cabeça. Pela distância em que se achava da dona da bolsa, só agora se dava conta de quanta velocidade havia perdido nos últimos cinco passos. Aquela mulher, agora, parecia-lhe muito distante, disforme.

Recuperava a velocidade quando percebeu que a estranha, que a pouco perdera a bolsa, estava agora deitada no chão, a poucos passos de si. Dois estranhos tentavam ajudá-la. Esta, com dificuldades, tentava dizer-lhes que precisava tomar seu remédio, sofria de uma cardiopatia congênita, mas seus ajudadores não encontravam o tal remédio.

Três segundos se passaram enquanto Ana ultrapassava aquela triste cena dirigindo-se ao outro lado da rua. Iria para casa de carro hoje.