Um Amor Diferente dos Iguais



     Muitas coisas passavam pela cabeça de Claytom naquele momento. Havia uma arma na sua mão apontada para dezenas de pessoas quais ele nunca havia visto na vida. Pessoas que não tinham nada com seus problemas, mas que estavam ali, na hora errada. Muitos do lado de fora queriam saber como um rapaz de boa educação e índole até então, poderia chegar Àquele momento, tomar aquela atitude. Claytom estava desesperado.
     Seis meses antes, Claytom se esbaldava em um churrasco na casa de seu amigo Cláudio, nas proximidades do Morro dos Macacos, em Vila Isabel. O quintal da casa enorme estava cheio de pessoas quais ele nunca havia visto na vida. Apesar de ter sido chamado para servir os convidados, Claytom se divertida tanto quanto eles, e ainda conseguiu levar sua namorada Shirley. Fazia tempo que os dois não iam à uma festa. A última fora a do batizado de Gustavo, primo mais novo dele. Ambos estavam planejando morar juntos, porém a falta de dinheiro não os deixava realizar este sonho.
     Depois de dois anos, Claytom voltara a estudar. Havia parado para poder trabalhar e sustentar sua família. Seu pai não trabalhava mais e tinha problema com bebidas. Às vezes sumia por três dias, deixando todos muito preocupados, inclusive seus filhos. A mãe de Claytom era seu maior tesouro. Já idosa, ele cuidava dela como se fosse uma criança. Tentava de todo modo ajudar sua mãe em casa, com o pouco dinheiro que conseguia fazendo trabalhos pela favela onde morava. Ela tinha um amor enorme por seu filho mais velho. Ela ainda tinha outros dois, Carolina e Vitor, de dezesseis e quinze anos respectivamente. A casa onde moravam era pequena. Um quarto, uma sala minúscula, um banheiro que mal cabia uma pessoa dentro e a cozinha, que era o lugar mais arejado da casa.mesmo com todas as dificuldades, mesmo com todos os problemas, eles viviam felizes ali. Às vezes faltava comida para o café da manhã, outras vezes para a janta, mas os cinco viviam bem, a não ser quando o pai alcoólatra chegava em casa bêbado e acabava com a calma deles.
     Após o churrasco, Claytom e a namorada foram para um shopping ali perto.
     -Vamos brincar de “podemos comprar tudo!”. –disse ele enquanto atravessavam a rua.
     Os dois caminharam pelo shopping inteiro. Olharam diversas vitrines, entraram em algumas lojas, e o que o incomodava era o olhar maravilhado de sua namorada para as vitrines. Queria poder dar tudo aquilo para ela. Ela sorria, colocava a mão nas coisas e parecia uma criança quando entra na loja brinquedos. Ele era apaixonado por ela porque, ao contrário de muitas da favela, ela não se importou com dinheiro ou poder. Ela se importou com o caráter dele. As outras que ele “ficou” no baile funk só queriam saber dos caras que tinha motocicletas ou uma arma nas mãos. Já Shirley se apaixonou por Claytom desde o primeiro momento que o viu na escola. Muito antes de ele abandonar os estudos para tentar ajudar a família.
     Resolveram entrar em uma loja de objetos domésticos e artefatos de enfeites. Ele não gostava de entrar nessas lojas, sentia que era mal visto pelos seguranças. E não estava enganado. Foi só os dois entrarem na loja para que os vendedores os encarassem com aquele olhar de desprezo quais já estavam acostumados. Um deles ficou mal disfarçadamente os seguindo para se certificar de que não roubariam nada. Era nessa hora que os dois resolviam aproveitar e pagar na mesma moeda. Pegavam as coisas, mexiam, apertavam, balançavam, e sentiam o desconforto dos demais. Claytom não entendia como, depois de tantos anos, tantas revoltas e revoluções, ainda havia o preconceito racial. Por que as pessoas ainda se sentiam incomodadas com a presença de um negro favelado dentro do ônibus. Porque quando ele entrava gratuitamente pela porta de trás do coletivo, as pessoas tentavam se sentar próximas uma das outras para que aquele menino-que-não-pagou–a-passagem pudesse se sentar sozinho. Era como se ele fosse isolado. Como se tivesse alguma doença. Como se não percebesse que aquelas pessoas não o queriam por perto pro que certamente ele as roubaria.  Certamente seqüestraria o ônibus.
     Os dois voltaram para casa e ficaram de cima da laje, sentados em cadeiras de praia, olhando aquele sábado passar. Ficaram ali até o sol se pôr e nascer outra vez. E sabiam que entre os dois não havia preconceito.
     Dois meses depois, Alexi teve o maior susto de sua vida. No meio da madrugada, seu irmão o acordou aos berros, dizendo que sua mãe estava parecendo sufocar na cama. Imediatamente e ainda tonto de sono, ele se levantou e foi até a sala. Sua mãe dormia sozinha na sala, enquanto seus filhos se amontoavam no quartinho.  Eles queriam que ela tivesse o conforto que merecia.
     Ao chegar à sala, Claytom se desesperou. Dona Cida estava roxa e algo parecia a sufocar. O filho mais velho se ajoelhou ao lado dela e pressionou as mãos contra seus seios. Ela estava tento espasmos, e era como se algo estivesse preso em sua garganta. Parecia que ela queria dizer alguma coisa, porém não conseguia. Sua filha, muito assustada se aproximou e colocou seus ouvidos próximos a boca da mãe. Ela então ouviu um sussurro.
     -Está...Quei...está quei..mando!- disse antes de desmaiar.
     Carolina saiu pela favela pedindo ajuda. Os vizinhos imediatamente se aproximaram da casa. Em um instante, a casa estava cheia de pessoas, de certo que havia mais curiosos e crianças do que alguém que se prestasse à ajudar. Foi então que o dono da padaria entrou na casa e pediu ajuda a Alexi para carregar a mulher até fora da favela aonde tomariam um táxi. O rapaz seguiu as ordens e os dois, fazendo um imenso esforço, carregaram dona Cida até a avenida que passava transversal à favela.
     Muitos táxis passavam e nenhum parava. Desviavam ou simplesmente passavam direto como se não houvesse ninguém ali fazendo sinal. Aquilo estava deixando Claytom irritado. Sua mãe parecia estar morrendo, e ninguém queria ajudá-lo. Mais uma vez o preconceito tomando força contra ele. Mais uma vez os olhos cegos de quem moram nas casas confortáveis, não viam a necessidade daqueles menos favorecidos. Chegou a pensar que se tivesse uma arma imediatamente faria um carro parar. Mais não queria fazer isso. Sua mãe não o criara para a vida do crime. Sabia que se entrasse para o movimento do tráfico, os tempos difíceis passariam, mas sabia também que isso mataria dona Cida por dentro.
     Num surto de coragem, ao ver se aproximando um táxi, Claytom se jogou na frente dele. O motorista tentou frear, mas não conseguiu a tempo. O rapaz caiu rolando pelo chão e rolou até um pouco mais à frente. Todos pararam apreensivos.  Ele estava imóvel. De repente ele levantou a cabeça, furioso.
     -Estão esperando o quê? Entrem na droga do táxi! – gritou se levantando de espanando a terra do asfalto de sua roupa com as mãos.
     O dono da padaria colocou-a deitada no banco de trás enquanto o filho mais velho sentava próximo a ela e segurava sua cabeça. Após ver que ambos estavam sentados, ele entrou e sentou no banco da frente, pedindo em seguida, que o taxista os deixasse no hospital mais próximo. Ele seguiu as ordens, morrendo de medo daquelas pessoas, e com mais medo ainda que o rapaz quisesse o processar, afinal ele o atropelara. Seria outro processo em sua vida, o segundo, depois do que sua ex-esposa movia contra ele por não pagar pensão aos filhos.
     O hospital mais próximo realmente ficava próximo. Porém, eles se surpreenderam após uma das enfermeiras se negar a atendê-los pois dona Cida não possuía planos de saúde. Claytom gritou, xingou, deu soco na mesa, porém só os seguranças se comoveram com sua reação, os retirando educadamente do estabelecimento. O taxista ainda estava lá fora fumando um cigarro, e levou um susto quando os viu saindo do hospital alguns minutos após terem entrado.
     -De novo não!- pensou ele tentando entrar no carro e sair andando, porém sendo impedido por Claytom.
     Andaram mais um pouco. E chegaram ao hospital público mais próximo. Lá alguns enfermeiros se aproximaram e rapidamente a colocaram numa maca. Dona Cida parecia bem, porém aquela cena nunca iria sair da cabeça de Claytom. Sua mãe sufocando, roxa. O medo que sentiu, a raiva que sentiu. Seus pensamentos começaram a pipocar, enquanto esperava no saguão do hospital. Não via a hora de levar sua mãe para casa. Cuidar dela como sempre. Teria que faltar alguns dias na escola. Não queria, mas teria. Logo agora que estava se empenhando. Após parar de estudar várias vezes. Após trocar de escola várias vezes. Só sabia o que sabia, por que estudava em casa, lendo e relendo os livros que ganhara da escola para o ano letivo, tendo assim que devolver ao final dele. Porém nunca os devolveu. Ficava lendo-os na laje de sua casa. Abria a cadeira de praia e lá ficava estudando. Achava até mais tranqüilo que na escola. Lá era barulhento. Muitos iam apenas para jogar bola, conversar, ou até paquerar. Já ali, naquele conforto, eram somente Claytom e os livros e o silêncio da noite. Às vezes alguns tiros os tiravam a atenção, mas aí ele descia, e se acomodava entre os irmãos, continuando a ler.
     Mas tudo correu bem naquela noite no hospital. Dona Cida sofria de insuficiência respiratória, e teria que tratar com o auxílio de remédios doados pelo governo. Claytom levou-a de volta para a casa. Tivera um pouco menos de transtorno na volta, pois o taxista resolveu se fazer de bom amigo, para que não recebesse outro processo. Para se ter uma idéia ele cobrara apenas metade do preço da corrida. E todos chegaram bem em suas casas. Todos dormiram tranquilamente. O rapaz demorou um pouco. Ficou deitado ao lado de sua mãe a observando dormir. Nunca mais queria ter que passar por aquilo de novo. Não suportava o fato de ter que imaginar perdê-la novamente.
     Dois meses depois, e um mês antes de Claytom perder o controle, seu pai resolveu aparecer. Havia sumido durante um mês inteiro. Muitos na favela diziam que ele tinha outra família em algum lugar do Rio de Janeiro. Claytom e seus irmãos não ligavam e nem duvidavam da hipótese. Porém, o pai deles era praticamente um estranho, o laço afetivo com ele era quase zero. O respeitavam, até lhe pediam a benção, porém parava por aí. Quando o homem aparecera, somente dona Cida e Carolina estavam em casa. Ambas preparavam o almoço, enquanto Claytom e  Vítor jogavam bola no campinho de grama sintética, recém construído na favela.
     Muitos dos rapazes que jogavam junto a eles eram bandidos. Muitos até foram amigos de infância de Claytom. Como o Bola Preta e o índio, os dois traficantes e que ocupavam um posto alto na favela. Quando criança os dois eram duas crianças muito bem cuidada. Suas famílias eram pobres, porém possuíam algum tipo de comércio na comunidade. Com o tempo, as amizades dos rapazes foram os desvirtuando. Queriam dinheiro fácil, roupas caras e cordões de ouro. Viraram traficantes. E assim, Claytom se viu obrigado a se afastar deles. Os cumprimentava na rua, mas parava por aí. Nunca esqueceu o dia em que a polícia entrou na favela e, ao vê-lo junto de alguns bandidos, atiraram em sua direção. Por sorte a bala passou próximo a ele , mas não o acertou. Ali ele viu que os policiais atiram primeiro, matam e perguntam ao morto depois. Ali ele viu que nunca entraria para aquela vida.
     De repente, após fazer um gol, Claytom parou no meio de campo. Um de seus amigos, Felipe, se aproximou e o empurrou o chamando de volta para o jogo. Mas ele não atendeu. Olhou para seu irmão que o assistia da arquibancada do campo e avisou que estava indo para casa.
     -Que é que teu irmão tem, Vítor?-perguntou Jonas, amigo do menino.
     -Deve ser dor de barriga. Ele vive tendo essas coisas. Vive correndo pra casa!-respondeu o menino caindo na risada.
     O rapaz não estava com dor de barriga. Correu pela favela com uma pressa que o incomodava. Era como se pressentisse alguma coisa. O mais interessante era que não sabia porque corria, só sabia que tinha que correr. E o mais estranho ainda, era que enquanto ele corria, pensava em raiz quadradas, fatos históricos e de repente, pensou em sua mãe.
     Ao chegar em casa, ouviu Carolina gritar.
     Para, pai! Deixa a mamãe em paz!
     Ao ouvir isso, ele colocou ainda mais velocidade nas pernas e se espantou ao ver seu pai encurralando sua mãe na parede da sala, tentando levantar as saias dela.
     -É assim que me recebe?- gritava ele segurando-a pelos punhos.
     Claytom se aproximou e tentou puxá-lo educadamente. Ele resistiu. O filho então uniu forças e puxou-o com tanta força que o senhor já abatido pela bebida, caiu para trás. O homem se levantou enfurecido e pediu respeito. Partiu para cima de Alexi com um canivete que tirou do bolso de sua calça surrada e suja. Os dois começaram a lutar dentro da minúscula sala, quebrando os poucos móveis que ali estavam e por fim, caindo para fora do cômodo, na rua da favela. Todos estranharam. Claytom não era de briga. Era um garoto inteligente, educado e muito dedicado à as família. Se estava brigando, teria um motivo para isso.
     De repente ele se levantou, e assim que seu pai partiu para cima de sua mãe de novo. Claytom pulou para perto dele e acerto sua cabeça com um tijolo. Imediatamente o homem caiu desacordado e uma poça de sangue se formou próximo à cabeça dele. Ainda bufando de raiva e cansaço, o rapaz olhou para as pessoas em volta e viu seus olhares de medo e susto. Sentiu-se mal. Todos os encaravam como se um assassino fosse. Mas ele só queria proteger sua mãe.
O que mais o surpreendeu foi o fato de dona Cida se ajoelhar ao lado do homem desacordado, olhara para o seu rosto e lhe lançar um olhar recriminador.
     -Não precisava fazer isso, Claytom. Isso foi covardia. Ele estava bêbado.
     -Mas mãe, ele ia agredir a senhora.
     -Ele é meu marido, Claytom. Ele ao ia me agredir. Sabe que sua irmã faz escândalo por tudo. E agora você quebrou a cabeça dele. Onde você estava com a cabeça, garoto!-disse a mulher abraçando o marido.
     Claytom não sabia o que fazer. De repente todos os olhando, todos o encarando.  Sua mãe abraçada ao homem que ele tanto tinha nojo. Aquilo foi se amontoando em sua cabeça a ponto de parecer que ia explodir. Foi então que ele começou a correr.  E correu até a casa de Shirley.
     Chegando lá, explicou a namorada o ocorrido. Começou a chorar. Estava decepcionado com atitude de sua mãe. E queria sair de casa. Queria abandonar tudo. Mesmo sabendo que seus irmãos iriam precisar dele, mesmo sabendo que sua mãe logo brigaria com aquele homem e estaria sozinha novamente. Ele queria sair de casa. Queria procurar um emprego esse mudar da favela, se mudar e morar junto com Shirley.
     E nesse momento, as coisas ainda poderiam piorar. Pois a moça não tinha uma noticia muito boa para dar ao rapaz.
     -Não acho que seja uma boa idéia a gente continuar namorando, Clay.-disse a moça segurando as mãos do rapaz já esperando sua reação. – Eu estou um pouco confusa. Tantas coisas acontecendo em minha vida. Vou começar a trabalhar no shopping, ou seja, vai ser um emprego puxado, depois ainda vou juntar com a escola. Não vou ter tempo pra você, meu amor.
     -Como assim? É começo do que a gente esperava, Shirley! Você trabalhando já é o passo inicial. Já é o começo... Você junta dinheiro e...
     -Sou muito nova,Clay. Muito nova, muito mesmo. Tenho dezesseis anos. Já tive dois abortos. Não quero isso. Não quero vida de casada. Preciso aproveitar mais. Ir para os bailes, sair com as minhas amigas. Sem a preocupação de estar fazendo algo errado.
     -Mas eu nunca liguei.- contestou o rapaz sentindo um aperto no coração.
     -Eu sei. Mas eu já decidi. Não quero estragar seus planos.Você é incrível, é inteligente. E apesar de tantos problemas, você tem um futuro brilhante te esperando, tá ligado?
     O rapaz então se levantou. E saiu.
     Andou um pouco e se sentou na praça ali perto. Pode notar um casal de velhinhos se afastar quando ele se aproximou. Normal. Aquilo sempre acontecia.  Sua cor era sinônimo de violência. Certa vez chegou a pensar em que se baseava esse preconceito, afinal, na história do mundo, a maioria dos homens maus da história, como Hitler, Rasputin, Napoleão, eram brancos. Estava com fome e não tinha dinheiro para comer. E por um mês ele viveu assim, na rua. Até o dia em que se surpreendeu com seu irmão Vítor o acordando debaixo de uma marquise. E lhe informou que dona Cida estava internada em estado grave, e precisando de cuidados que custaria muito para eles.
 
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     Dona Filomena entrou no Banco do Estado calmamente naquela manhã agradável de novembro, numa segunda-feira. Era dia de receber o aluguel do casal que morava em apartamento. Aproximou-se do guichê de preferência para idosos e observou um rapaz negro, muito bonito se aproximar dela. Ele suava e aparentava estar nervoso. Sentindo que havia algo errado, dona Filomena fingiu ter esquecido algo no carro, e saiu do banco. Assim que passou pela porta giratória, pode ouvir um grito masculino anunciando um assalto.
     Poucos minutos depois, dezenas de carros de policia cercavam o local. Pouco se sabia, porém dona Filomena afirmava que se tratava de um jovem negro, e que parecia muito nervoso. Ela ainda havia dito a alguns repórteres que o rapaz não tinha cara de criminoso.
     Os jornalistas se amontoavam atrás do cordão de isolamento, loucos para saberem algo sobre o assalto que o delegado classificou como uma amadora tentativa de assalto. Policiais queriam saber quantos reféns havia e quais eram as intenções do tal rapaz.
     Lá dentro, Claytom apontava a arma para uma dúzia de pessoas incluindo alguns seguranças. Conseguira a arma com o seu amigo Bola Preta, líder no tráfico na favela e seu amigo de infância. Precisava fazer algo. Precisava de seis mil Reais para que sua mãe pudesse operar os pulmões. Ela estava com um problema sério, e sem a operação, não sobreviveria muito tempo.
     Estava muito nervoso e só queria pegar o dinheiro e ir embora. Porém com a chegada dos policiais, ele viu que as coisas iriam sair do controle. De modo algum ele mataria alguma daquelas pessoas. Sentou-se próximo à elas e chorou. Repetia insistentemente que só queria salvar sua mãe. Só queria ajudá-la. Mas não conseguia.
     Muitos ali sentiram pena daquele rapaz. Era evidente que nunca havia assaltado a um banco. Que nunca se quer havia usado uma arma. Era evidente que estava com medo. Na cabeça de Claytom ele pensava em como sair dali sem ser preso. Pensava em voltar para a escola, tentar reatar com Shirley. Explicar a ela que esperaria o tempo que fosse para morarem juntos. Mas como? Dali ele iria direto para a cadeia. Pensou em estar mais uma vez contribuindo para o preconceito. Com certeza alguém lá fora já havia soltado a frase mais violenta contra os negros: “Tinha que ser preto!”.
    Muitas coisas passavam pela cabeça de Claytom naquele momento. Havia uma arma na sua mão apontada para dezenas de pessoas quais ele nunca havia visto na vida. Pessoas que não tinham nada com seus problemas, mas que estavam ali, na hora errada. Muitos do lado de fora queriam saber como um rapaz de boa educação e índole até então, poderia chegar Àquele momento, tomar aquela atitude.
     Teve então a idéia de liberar um refém. Uma moça que trabalhava na limpeza da agência. Pediu a ela que passasse aos policiais todas as exigências dele. E ela assim fez. O que o surpreendeu , foi que a moça antes de sair, o abraçou e disse aos sussurros ao pé de seu ouvido:
     -Jesus está com você.
     Aquelas palavras confortaram o rapaz.
     A mulher saiu calmamente pela porta da frente da pequena agência que ficava à alguns metros da favela aonde Claytom morava. Saiu balançando as mãos tentando avisar que estava tudo bem, e repetindo que o rapaz era tranqüilo e que não queria machucar ninguém. Foi então que se ouviu um tiro vindo de dentro do banco.
     Tentando colocar a arma sobre uma mesa, a pistola disparou contra um dos vidros, causando pânico nos reféns. Muitos gritavam e aquilo foi causando certo desespero no rapaz.
     -Não gritem! Eles vão achar que machuquei vocês! Não me façam machucar vocês de verdade, caramba! Fiquem calmos, por favor, fiquem calmos!- gritava o rapaz apontando a arma para seus reféns sem perceber que isso os deixava ainda mais nervosos.
     Um dos policiais anotara as exigências descritas pela refém liberada. Um dos repórteres se aproximou e conseguiu ler algumas linhas. Pode ver que o rapaz só se entregaria na presença de um advogado, que queria pelo menos sete mil Reais para que a mãe pudesse ser operada, e, que uma moça chamada Shirley fosse até o local.
    Nesse mesmo instante, no hospital, o ancora de um jornal dava a noticia de que um seqüestro ocorria num banco. Dona Cida logo se interessou ao notar que o banco era o mesmo que ela tanto freqüentara quando trabalhava de doméstica. O repórter apareceu e informou que se tratava de um jovem negro da comunidade próxima e que além das exigências, queria a presença de uma moça chamadaShirley e sete mil Reais para o tratamento da mãe.
     Naquele instante ela soube que se tratava de seu filho, e pediu para que uma das enfermeiras imediatamente tentasse entrar em contato com a agência. Ela queria entender porque o filho mais inteligente dela estava fazendo aquilo.
     Já fazia doze horas. Muitas pessoas cercavam o banco. Dois advogados públicos se aproximavam da porta do banco carregando com eles três mil Reais cada um. Shirley acabava de chegar acompanhada de um taxista que estava pensando em se aposentar devido aos sustos que havia levado nos últimos meses naquela região. Estava muito nervosa e se aproximou pedindo para entrar. Assim, sendo contida por um policial.
     -Já estamos com todas suas exigências, Meu jovem...
     -O nome dele é Claytom!- disse Shirley se soltando dos braços do policial.
     -Claytom, temos o dinheiro, o advogado e sua namorada estão aqui! Por favor, solte os reféns!- dizia o negociador.
     Lá dentro Claytom se desesperava. Sabia que as chances de ser abatido por um tiro assim que saísse do banco eram enormes. E que a chance de morrer à caminho da delegacia eram maiores ainda. Com certeza no dia seguinte sairia no jornal “Jovem mantém reféns em banco e morre a caminho do hospital”. Quantos amigos seus, trabalhadores honestos já havia visto morrer a caminho do hospital. Já chegavam mortos, geralmente asfixiados. Assassinatos que passavam impunes.
     De repente, o telefone tocou.
     -Há alguém na linha querendo falar com você, Alexi. - disse o policial. - Atenda ao telefone, por favor.
     Trêmulo, o rapaz pegou o telefone sobre o balcão, e com a arma apontada para os reféns, ele sentiu uma enorme paz ao reconhecer a voz do outro lado da linha. Todos ficavam observando aquele momento. Os reféns estranhavam a atitude do seqüestrador. Em momento algum ele fora violento. Em momento algum machucou alguém. E ali, naquele momento, parecia indefeso. Parecia uma criança ao telefone. Chorava de soluçar e repetia diversas vezes a palavra desculpa. Aos poucos os reféns, aproveitando que ele estava distraído, foram saindo calmamente, sem pressa. E os policiais entraram.
     Ao ver que eles vinham em sua direção, enfurecidos, ele apenas aproximou o fone um pouco mais de sua boca e disse:
     -Mãe, eu vou me entregar. A senhora vai ficar bem. O dinheiro vai chegar aí, eles estão vindo com ele. Depois a senhora me visita na cadeia ta? Te amo!
     Um dos policiais se ajoelhou e apontou a arma para dentro do prédio. Muitas coisas passavam pela cabeça de Claytom naquele momento. Havia uma arma na sua mão apontada para dezenas de pessoas quais ele nunca havia visto na vida. Pessoas que não tinham nada com seus problemas, mas que estavam ali, na hora errada. Muitos do lado de fora queriam saber como um rapaz de boa educação e índole até então, poderia chegar Àquele momento, tomar aquela atitude. Claytom estava desesperado.
     Outros dois se aproximaram do rapaz gritando para que soltasse a pistola. Lá fora, Shirley ficava apreensiva com a situação. E no hospital, dona Cida rezava agarrada aos seus outros dois filhos.
 
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     Hoje ele trabalha como gari na cidade do Rio de Janeiro, e em breve será pai pela primeira vez.  Cumpre pena em liberdade e se mudou para a baixada fluminense, morando em uma casa bem maior do que a que cresceu. Sua mãe se recuperou bem da cirurgia e voltou a morar com seu ex-marido. Este finalmente decidiu se tratar e está tentando largar o álcool, e parece estar conseguindo. Claytom aprendeu a se esforçar, a lutar pelas coisas. E que acontecesse o que acontecer, agora sabia que certa vez tomou uma atitude errada para tentar fazer a diferença. Porém, aprendeu que acima de tudo, não se deve desistir.
 
 
                                                                                       Fim
 

 
 
 

Fael Velloso
Enviado por Fael Velloso em 20/03/2010
Reeditado em 12/11/2011
Código do texto: T2149002
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