CHEGOU A VEZ DO CORAÇÃO

CHEGOU A VEZ DO CORAÇÃO.

O poderoso empresário ao acordar percebeu estar atrasado, mesmo assim se levantou devagar e se dirigiu a sua suíte.

Tomou um banho extremamente demorado, estava sentido certa languidez que o levou a sair do usual, normalmente levantava todos os dias na mesma hora, se banhava e se vestia rapidamente, fazia o desjejum sozinho, pois raramente a esposa que dormia na suíte ao lado o acompanhava, somente os empregados enfileirados e em silencio o atendia.

Abriu as janelas o ar puro invadiu todo o aposento, abriu o imenso armario de roupas, mal olhou para os caríssimos ternos, vestiu apenas camiseta e jeans, calçou o tênis mais simples da sua coleção e desceu as escadas da mansão em direção a sala de jantar.

Joana veio em sua direção dizendo: _ Bom dia querido, você reparou como esta manhã o sol está magnífico... Ah!.. já sei, nem olhou pela janela. –

O abraçou pedindo; _ Vem comigo, vamos ver as nuvens. –

Ele a acompanhou e falou concordando; _ Tens razão o céu está maravilhoso, faz tempo que não vejo uma manhã tão bela, olha, aquela nuvem tem o seu rosto. –

Joana o beijou longamente e disse sorrindo;

_ Meu amor, chegou a vez do coração... Vem vamos tomar café. –

Severo dispensou o motorista e resolveu ele mesmo ir dirigindo para o trabalho, estranhamente ficou a olhar as casas e pessoas por onde passava, teve a impressão que via aquele caminho pela primeira vez.

Na empresa ficou apenas a folhear velho albun de familia, doeu a saudade do único filho que estudava no exterior, e pensou : "o que será que Joana quis dizer com a vez do coração"

A porta da sua sala estava aberta, mas Alberto (um dos seus diretores) parou no umbral e perguntou; _ Posso entrar? - Aguardou a autorização e depois entrou dizendo: _ Bom dia, vejo que tirou o dia para descansar. -

Severo olhou como se o visse pela primeira vez, questionou; _porque? - O diretor um pouco sem jeito explicou; _ É que o Sr hoje não está usando terno e ficou sem vistoriar a fábrica como normalmente faz, que pensei estar de folga. -

Ele guardou o álbum na gaveta e pediu; _ Vamos vistoriá-la! -

Alberto o acompanhou, havia aprendido há muito tempo que o importante era servir o ‘chefe’, O seu patrão parecia ser outro homem naquele dia, cumprimentava efusivamente cada funcionário, e fazia perguntas demonstrando sincero interesse em suas funções.

Pararam no refeitório, Alberto pediu licença explicando que tinha obrigações a cumprir e Severo ficou a acompanhar as tarefas das cozinheiras e seus auxiliares, almoçou junto aos funcionários entretendo conversas banais com todos.

Resolveu retornar para casa, sentia imensa vontade de falar com a esposa sobre a saudade do filho.

Ao chegar ao confortável condomínio, estranhou a imensa fila de pessoas de aparência humilde que ia até a sua mansão.

Seguranças e policiais mantinham a ordem, pessoas saiam apressadas carregando roupas.

Perguntou irado a um policial que estava na porta. _O que acontece na minha casa? -

O sargento Pedro o acalmou. _Fique tranqüilo atendemos um chamado da sua esposa para organizar as doações, e aqui só tem necessitados, não há nem um baderneiro ou saqueador. -

Ele entrou correndo na confortável sala, Joana distribuía as roupas da família para quatro pessoas de cada vez.

_ Está louca? O que está fazendo? -

Ela calmamente respondeu;

_ Estou desfazendo de tudo aquilo que não utilizamos. Para que? Esta montanha de vestidos, sapatos, ternos, suéteres agasalhos. -

Ele a interrompeu. _ Isto é loucura, em cada peça desta está contida nossa historia, as nossas dificuldades, você não pode desfazer assim das nossas...

A esposa não deixou que terminasse de falar, e gritou em alta voz.

_Também em cada peça desta está um pedaço da nossa alma, nós nos transformamos em maquinas! - E berrou;

_Será que não percebe que não vivemos mais; apenas vegetamos, onde está nosso filho? Não percebe que ele foge de nós, o que temos? Muito dinheiro? Montanhas de coisas que mal usamos? Bela mansão? Chega.. chega... Não agüento mais esta vida vazia cheia de falsos amigos, cheia de futilidades –

Ela falava chorando, e aos gritos, parecia totalmente alucinada

_ Veja, em poucas horas desfaço de tudo isso, Será que precisarei desmontar tijolo por tijolo este mausoléu, até se tornar um terreno vazio, para que entenda o vazio das nossas vidas? -

Respirou fundo se acalmando e mantendo o tom de voz forte, continuou a falar:

_ Preciso viver, preciso voltar a sonhar, preciso sentir as pessoas, tenho que urgentemente reconquistar nossos amigos sinceros. -

O olhou dentro dos olhos e disse carinhosamente,

_ Necessito urgentemente a voltar a ser mãe, a ser esposa, e você precisa voltar a ser pai, esposo e amigo, Meu querido vamos buscar isso enquanto há tempo. -

Ela enxugou as lagrimas chamou a cozinheira e pediu; _

_ Por favor dê lanches a todas estas pessoas, pois elas estão me ajudando a me livrar de tudo que não tem utilidade para minha família.-

Severo, também enxugou as lagrimas, que a muito não vertia, começou a auxiliá-la a distribuir as roupas, lhe deu um grande beijo e disse:

_ Minha querida, agora entendi:

" Chegou a vez do coração. "

Obs. Os nomes dos personagens são ficticios.

Mário Silva
Enviado por Mário Silva em 20/03/2010
Reeditado em 10/07/2011
Código do texto: T2148974
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