O homem do elevador
O homem do elevador
A porta do elevador se abriu. O homem ingressou, apertou o botão que o levaria à garagem e esperou pela suave queda. Até então, ele estava sozinho. Três andares abaixo, o pequeno compartimento parou. A porta novamente se abriu. Eram mais dois passageiros: mãe e filho. O menino, branco polar, de cabelos ruivos e encaracolados, deu um pulo para dentro do elevador, e logo sua mãe o segurou pela mão, repreendendo-o em seguida.
- Fique quieto!
Súbito, ainda atado à mão da mãe, o menino tentou chutar a canela do homem.
- Pare com isso! – disse a nervosa mãe.
O menino deu um berro e tentou desesperadamente soltar a sua mão esquerda, enquanto a direita golpeava os quadris da mãe.
- Solte-o – disse o homem.
A mulher não atendeu ao pedido.
- Solte-o, por favor - insistiu o homem.
O elevador deu um solavanco, indicando que iria parar no andar da garagem. Antes da porta se abrir, a mulher soltou a mão do menino. O homem agachou-se e encaixou as duas mãos sob as axilas da criança, erguendo-a até a altura dos olhos. As pequenas pernas, soltas no ar, chacoalharam um pouco, mas num instante o menino ficou imóvel, duro igual a uma pedra. O homem olhou para aquela pequena criatura, de bochechas rosadas e íris azul topázio. O menino não fez contato visual, parecia um cachorrinho carregado pelo cangote. Então, o homem aproximou-o de seu tronco e o abraçou. As mãozinhas alvas apoiaram-se sobre seus ombros e a cabecinha acomodou-se ao lado do grosso pescoço. Assim permaneceram por alguns segundos, enquanto a porta do elevador já estava aberta. Os três saíram juntos pelo corredor da garagem, sem dizer nada uns aos outros. O menino, confortavelmente abraçado ao homem, chegou a fechar os olhos. A mãe caminhava ao lado do homem, e sem saber o que fazer, apenas caminhava. Chegaram ao pátio dos automóveis. Ele a olhou e disse:
- Aonde está seu carro?
- Logo ali.
Foram até o local. A mulher abriu a porta do passageiro e o homem pôs o menino do banco de trás, numa cadeirinha destinada a crianças pequenas.
- Estou abismada – disse a mãe.
- Por quê?
- Nunca vi meu filho tão tranquilo nos braços de um estranho. Na verdade, nunca vi meu filho tão tranquilo; ele é hiperativo.
- Não sou médico, e não sei o que caracteriza uma criança hiperativa, mas posso dizer-lhe que seu filho é um bom menino.
O homem deu um leve aceno com a cabeça e despediu-se.
Os moradores daquele cinzento prédio de apertados apartamentos não formavam uma comunidade. Mal se conheciam, mal se cumprimentavam nas áreas comuns.
Uma semana depois, o homem embarcou novamente no elevador, como fazia todas as manhãs, por volta das sete horas. O trajeto foi interrompido novamente no ponto em que indicava ser o andar do menino ruivo. A porta se abriu; mãe e filho esperavam para descer. O menino, como de costume, estava agitado. A mulher olhou para o homem, deu um passo para dentro do elevador e soltou a mão do filho. O menino olhou para cima, viu o homem e instantaneamente levantou os braços, naquele gesto típico de quem quer ser levado no colo. O homem inclinou-se, segurou o menino pelas axilas e o abraçou. Mais uma vez, os três desceram os restantes dez andares num profundo silêncio, somente quebrado pela respiração ofegante do menino.
Novamente, o homem colocou o menino no banco de trás do automóvel. Quando foi despedir-se de sua mãe, os olhos dela encheram-se de lágrimas.
- Ele sente falta do pai – confessou a mulher.
- Aonde está o pai dele? – quis saber o homem.
- Não sei – respondeu a mulher. – Eu sou mãe solteira.
- Pois trate de arrumar um pai para esse menino. Infelizmente, não posso cumprir tal missão, tenho minha mulher e meus filhos. Desejo-lhe sorte. Certamente, pretendentes não faltarão.
- Obrigado pelo conselho, e por todo o resto.
- Qual resto?
- Pelo carinho com meu filho.
- Eu não sou carinhoso. Seu filho é que é carente. Desculpe-me a grosseria, expressei-me mal.
- Tudo bem.
Despediram-se com um formal aperto de mão e seguiram suas rotinas.
Um mês se passou, e nunca mais a coincidência do encontro no elevador aconteceu. O homem já se sentia incomodado em não mais ver o pequeno ruivo, que ele sequer sabia o nome.
Resolveu, então, entrar em contato com a mãe do menino. Interfonou à noite para o apartamento dela, mas ninguém atendeu. No dia seguinte, pela manhã, voltou a interfonar. Desceu pelo elevador, parou no andar da jovem mãe solteira e tocou a campainha. Esperou, esperou, tornou a tocar a campainha, mas nada de resposta. Antes de pegar seu carro, decidiu consultar o porteiro; foi informado que a moça e o garoto haviam se mudado do prédio. O destino: desconhecido por todos.
“Caso encerrado”, pensou o homem. “Boa sorte àquela pequena família”, concluiu em pensamento.
Dezessete anos se passaram. O homem acabara de jantar, quando o telefone tocou.
- Alô.
- Com quem eu falo? – disse a agitada voz.
- Com quem você gostaria de falar – respondeu o homem.
- Desculpe-me, eu sou aquela mulher do elevador, que morava três andares abaixo do seu apartamento, há muito tempo atrás, está lembrado?
- Sim, claro, mãe daquele amável menino ruivo. E como vocês estão?
O homem ouviu o som da mulher a enxugar o nariz.
- Preciso da sua ajuda.
- O que aconteceu?
- Meu filho. Ele está internado.
- O que aconteceu? – insistiu o homem.
- Ele está internado numa clínica de dependentes químicos. Ele se tornou viciado em drogas.
- E no que a senhora acha que eu posso ajudar?
- Nesses tempos todos, o senhor foi a única pessoa, que eu me lembre, a acalmar meu filho. Desde aqueles dois encontros que tivemos no elevador, nunca mais me esqueci do magnetismo existente entre o senhor e meu filho. Ajude-me, por favor!
- Não posso.
- Não diga isso.
- Não posso ajudá-los, senhora. Não sou médico, curandeiro ou bruxo. Sou uma pessoa comum, um simples bancário. Seu filho sequer irá lembrar de mim. Acredite, não irei colaborar em nada no tratamento do seu filho.
- Estou desesperada!
- Lamento. A senhora arrumou um pai para o seu filho?
A mulher silenciou. O homem pediu-lhe que não mais ligasse e colocou o telefone no gancho.