Marineusa

Marineusa é restauradora de bens móveis, obras de arte. Por conta de sua profissão ela convive muito bem com cacarecos antigos. Vê arte em tudo, chega a ser uma fixação. O marido foi convidado para trabalhar fora e deixou Marineusa para cuidar de tudo, desde resolver negócios, porque ele tem fixação em pendências e delegar responsabilidades. Sendo assim, sobrou para a mulher. Ela empacotou os pertences pessoais, roupas de cama, mesa e banho, alguns porta-retratos, todos os enfeites natalinos, livros e seus objetos asiáticos, cabeça de Buda, mão de Fátima, dançarina de não sei o quê, tudo o que eleva o espírito. E depois de três meses de muita correria, Marineusa pegou seus três cachorros e um gato e atravessou o país. Antes Marineusa acordava e olhava o mar, hoje não olha nada. Chegando ao destino o marido estava a sua espera no aeroporto, mas o seu gato sumiu. Sem o gato ela se negou a arredar o pé do aeroporto. Lá pelas tantas, depois de tanto andar e reclamar, acabou encontrando a caixa do seu bichano. E lá foram conhecer a nova morada. Lá chegando, Marineusa sentiu-se meio hospede do marido, a casa não era dela. Foi uma sensação que durou um certo tempo, mas depois do choque inicial ela pôs mãos a obra: arrumar o ninho. Montou seu altar, foi nos bric-a-brac da vida e comprou quatro cadeiras de ferro, estilo provençal, uma mini-cômoda e uma mesa de centro estilo asiático. Compras feitas ela tratou de dar um trato no mobiliário. Comprou uma furadeira, colocou cortinas, consertou os móveis do quarto do casal, comprou suportes e montou um aparador. Ficou tudo mais decente e ela lembrou de uma mesa que viu no bric-a-brac. Ligou e comprou a mesa. E foi aí que se deu a tragédia, o marido não gostou da idéia e com toda a sutileza de que ele é capaz disse: os gastos foram muitos e o dinheiro estava contado. Resultado: Marineusa ficou com complexo de culpa, pois gastou o dinheiro do pão de cada dia na compra de uma mesa. A emoção de arrumar a casa acabou, ela não assiste mais televisão pois não tem poltrona para sentar, não usa as varandas porque não tem móveis. Agora Marineusa está farejando caixotes de madeira. Quem sabe se a inspiração não volta. E ela vai se ocupar e não se culpar. É Marineusa, foi sua escolha; porque abandonou o seu belo ninho para se aventurar em outras paragens. Marineusa, agora, anda chutando o balde e ele feliz da vida por ter alguém para torturar. O único perigo é que Marineusa deu para ter aquele olhar vago, meio alienado, de quem já passou por tudo. Sem obras de arte, sem casa bonita, e lavando roupa sem máquina de lavar, ela pirou. Deu para olhar passarinho e morrer de inveja. A casa de Marineusa fica na rota de chegada do aeroporto. As aeronaves chegam a fazer sombra na piscina e Marineusa pensa: porque um deles não cai bem aqui, pois estaria tudo resolvido. É Marineusa, se ficar o bicho come, se correr o bicho pega. O consolo de Marineusa, na sua doce loucura, é ter um marido tão amorável, tadinha da Marineusa, ficou zureta, zureta.