O Sapato
O rapaz se alegrou muito ao retirar da caixa, um par de lustrosos sapatos pretos.”Não haveria outro melhor pra se usar com a bela camisa que ganhei de mamãe.”Imediatamente calçou-os e pisou firme o chão pra sentir o couro cedendo aos poucos, tornado-se dele. Gostou. “Que conforto, ainda bem que existe o natal! De que outra forma eu arranjaria um par de sapatos tão bonito e confortável pra passar a virada de ano?”
Dormiu excepcionalmente bem naquela noite. Acordou, sorriu ao ver a caixa aberta ainda com alguns pedaços de seda e fita coloridos. Lá estava o sapato!”Couro legítimo!” Ainda não providenciara o cinto pra noite do ano novo, mas isso não era problema. Na verdade a solução era simples: “A camisa deverá ficar pra fora da calça, dessa forma ninguém irá reparar que estou sem cinto. Ainda fico com um ar elegante e despojado ao mesmo tempo! Pensando bem, com um sapato desses, quem vai questionar se estou de cinto ou não?”
Havia chovido um bocado durante a tarde. Talvez por isso um vento fraco porém frio, lhe agitava os cabelos que até duas horas atrás estavam bem fixos (impecáveis) com gel. “Que noite!” pensou o rapaz, “poderia ter sido melhor se eu tivesse conseguido um cinto e não ficasse pisando na barra da calça o tempo todo!” Era tempo de voltar pra casa. O clima esteve ótimo a noite inteira ( a chuva já estava voltando, mas tudo bem, a festa já acabara mesmo), o ambiente, as músicas, os drinks, as mulheres e até mesmo um beijo, foram igualmente fantásticos! Mas é claro, se não fosse o sapato...
Acordou com a chuva no rosto, não entendeu o motivo de estar estirado no meio de uma rodovia. Tentou se mexer, o corpo não obedeceu. Movimento ao seu redor, conseguiu divisar o carro a poucos metros, sucata. Gosto de sangue na boca, o rosto quente , a visão turva. Agora estava sendo carregado, lembrou: o sapato, a festa, os drinks, o amigo, o carro do amigo, risadas, o caminhão... Ainda teve tempo de pensar:”meu sapato, é couro legítimo...”
Não teve remédio, o sapato novo se perdera em meio à confusão e tumulto. Foi velado com muita tristeza, mas com um sapato velho e surrado nos pés.