Meu pai

A genética falou mais alto e eu herdei as raízes mineiras do meu pai, médico que, abandonado, não lutou pela filha. Como deve ter sofrido a criatura. Não teve certeza se era ou não sua filha; na época não se cogitava DNA. Que historia cabeluda... mas que herdei seus traços fisionômicos não há dúvida. Testa alta, sobrancelhas cerradas, adoro mineirices, arte sacra. Gosto de receitar. Gosto de pão de queijo e toda culinária mineira. Sou rezadeira, meio retraída, gosto de receber a família e os amigos. Sou pata choca com meus filhos e netos. Amo as tradições e faço questão de conservá-las. Cultivo meus amigos. São as raízes. Lembro que vi o meu pai pela ultima vez entre os cinco ou seis anos, mamãe estava grávida de minha irmã. Uma tarde de verão me pegou pela mão e me arrastou para dentro de um taxi. O marido dela perguntou: onde você vai? Ela não respondeu e me arrastando jogou-me dentro do taxi. O que houve entre o casal eu não sei. Mas quando dei por mim estávamos no Rio de Janeiro.

Cena I

Centro da cidade, eu pequena acompanhada por uma comitiva composta pela minha madrinha, pela governanta dela e por mamãe. Todas me carregando para dentro de um prédio.

Cena II

Chegando ao destino que era um consultório medico onde um senhor de estatura mediana, testa alta, sobrancelhas cerradas, pele morena e olhar triste, vestido com um jaleco branco, mas muito mais assustado queeu.

Cena III

Mamãe me pegando pela mão diz aqui está ela. Ele não disse nada só pegou no meu queixo e viu que eu sentia muito medo e ele também.

Cena IV

Mamãe falando rapidamente mas falou baixo com ele. Note que ele escondeu o rosto entre as mãos. As três mulheres falando ao mesmo tempo, ele desesperado. Passado o tempo das confabulações, ele se levantou e abriu uma pasta de onde retirou um maço de notas que entregou para mamãe que não escondeu na calcinha ou na meia, foi direto para a bolsa dela. Ele olhou para o meu rosto e nunca mais nos vimos.

Ato final

Saímos do consultório direto para a Confeitaria Colombo e de lá para a tecelagem Santa Branca, onde mamãe comprou tecidos. Entre os tecidos comprados ela comprou chifon de varias cores para me fazer uma fantasia de cigana rica. Da Santa Branca nos dirigimos para uma loja de aviamentos onde ela comprou os enfeites para a fantasia. Passamos na costureira que confeccionou todas as nossas roupas bem rápido. Para mamãe um vestido azul claro estampado de hortênsias brancas que ficou lindo. E a minha fantasia que não gostei, mas ela me vestiu assim mesmo e as três me carregaram para um fotografo muito cascudo que não era o tal do Avilla que assinava as fotografias dela e lá tiraram fotografia da menina vestida de cigana rica que odiou a fantasia, odiou o fotógrafo cascudo e odiou ainda mais as três patetas. E só de birra não deu um sorriso. Saiu série em todas as fotografias. Elas me levaram ao baile infantil no Monte Líbano, eu não gostei. Chorei e mostrei a língua para a Dinda que pegou uma tesoura de picotar e saiu correndo atrás de mim dizendo que ia contar a minha língua, mas nem dei a mínima bola. Queria ver as três esturricadas na grelha de Lúcifer. Este foi o resultado do meu ultimo encontro com meu pai. Hoje olho para a fotografia e vejo o seu triste. Se mamãe tentou me devolver, ele pagou para não receber a mercadoria. Passou o carnaval e estávamos de volta para o lar doce lar do casal apaixonado.