LOUCURA - CAMINHO DO MEIO
Aos quatorze anos. Estou descobrindo o mundo. Amando a vida, o amor, a beleza, a poesia. Uma vida calma, segura, fincada na cidade onde nasci, onde todos conhecem até os meus bisavôs. Sou uma mocinha com jeito de mulher. Orgulhosa e imponente na sua pequena estatura. No colégio todo mundo sabe quem é a filha de Seu João e Dona Terezinha. Tenho sempre as melhores notas, sou a baixinha da classe, todos os colegas tem muito cuidado comigo. Já vou e volto da escola de mãos dadas com meu lindo namorado, que está sempre me esperando na porta da escola. Qual o meu futuro? Não sei, não me interessa. O presente é muito bom.
Um dia, chegando da escola, despeço-me do namorado antes de avistar a minha casa e continuo seguindo alegremente. Ao chegar à esquina da rua, vejo um movimento estranho na minha casa. A maior e mais bonita casa daquela rua. Vizinha ao prédio escolar onde estudei o primário, sem nem precisar levar a merenda para a escola: podia ir para casa no recreio, ou podia receber a merenda pela empregada, quando a mamãe queria impressionar a professora e mandava lanche para ela também.
Todos os vizinhos estão lá em casa. Minha mãe treme e chora descontroladamente. Está em adiantado estado de gestação e soube uma notícia ruim: há alguns dias, uma amiga de infância, tinha voltado dum sanatório e estava morando com o pai, numa casa em frente a nossa. Agora está certamente doente outra vez. Há pouco gritava aos berros, que nós, nove irmãos, somos todos filhos dela, e vai nos tomar a todos. Minha mãe chora desesperada. Meu pai quando chega do trabalho, parece ficar muito preocupado. Nós estamos muito assustados!
Precisa-se tomar alguma providência. Meu pai já foi enfermeiro num hospital psiquiátrico. Sabe o que deve ser feito: internar novamente a moça. Alguns dias depois, tudo providenciado, a família não se conforma e a traz de volta.
A moça está novamente morando com o pai e parece calma. Minha mãe já não anda sozinha. Cada vez que saímos de casa passamos em frente a casa dela.
É sábado nesta tranqüila cidade do interior. Minha mãe vai à feira. Meu pai está sempre trabalhando. Eu devo ir com ela. Sou a mais velha. A feira não é meu passeio predileto. É a única obrigação que tenho. Minha mãe anda devagar, carregando aquela barriga enorme. Saímos. Creio que a nossa atitude demonstrava o medo que sentíamos. Lá na janela estava Lídia, zangada, furiosa a gritar: - Devolva minha filha, todos são meus. É minha filha, você não vai levar de mim. Vou tirar o que está na sua barriga!
Num instante, ela desapareceu da janela e apareceu na porta com uma foice. Corremos e entramos cegamente na primeira porta aberta àquela hora da manhã. Os vizinhos conseguiram, a custo, detê-la.
Nunca tive um susto tão grande. Não acreditava que ela fizesse alguma ação violenta para cumprir as ameaças berradas naquela janela. E ela prometia coisas horríveis: tirar o filho da barriga da minha mãe, levar a nós todos num caminhão e coisas desse tipo.
Agora a última alternativa: mudar de cidade, de vida, de amigos, de escola. Era preciso agora escolher onde morar. Não sei bem os critérios que meus pais usaram na escolha. Em uma semana já estávamos noutra cidade, outro colégio, tudo novo e estranho.
Não conseguíamos nos sentir bem naquela casa, que pela primeira vez sabíamos não ser nossa. Era alugada e tínhamos cuidado com tudo. Vizinhos do Prefeito! Como era diferente da nossa rua tranqüila onde eu andava contando os passos, jogando gude ou pulando corda, quando era menina.
O nosso vizinho, um rapaz alto que vive me olhando!
Hoje, vinte e três anos depois, nós, eu e o rapaz alto, temos em comum o sobrenome, quatro filhos e a certidão de um casamento desfeito! Divórcio, mágoas. Unidos e separados pelo medo da loucura: daquela mulher e do meu vizinho, ex-marido.