O COELHO DO BAR

     Todo dia era a mesma coisa: eles chegavam em torno das dez horas da manhã e ocupavam a mesa de sempre, no canto da parte interna do bar. Cada um dos três tinha o seu lugar predileto, sobrando na mesa o espaço que anteriormente pertenceu a Adonias, que morrera há um ano, vítima de cirrose hepática.
     O mais velho era Barreto, com 60 anos de idade, funcionário aposentado dos Correios; Celestino, que apesar de ter 58 anos, aparentava ter mais idade, era aposentado do Banco do Brasil e começara a beber com mais assiduidade há oito anos; e Walfredo, o mais novo do trio, com 48 anos de idade, aposentado recentemente pela Secretaria de Finanças do Estado. Todos já tinham passado por momentos difíceis, ocasionados pelo uso freqüente e exagerado de álcool, com episódios de alucinações visuais e auditivas. Barreto, inclusive já chegara até a ser internado uma certa vez numa Casa de Saúde.
     Os “confrades” - como se autodenominaram -discutiam política, futebol, economia e outros assuntos que porventura surgissem no momento. Entre um gole e outro de aguardente, uma anedota, mesmo sendo antiga e de todos conhecida, despertava enormes gargalhadas. Debatiam ora de forma discreta e em voz baixa, ora de forma mais acirrada. Mas nunca chegaram a apresentar comportamento violento.
     O bar era chamado de “Esquina Azul”. Como o próprio nome diz, localizava-se numa esquina e tinha as paredes e portas pintadas de azul, numa alusão, talvez, ao céu. Era modesto, com três mesas na calçada e quatro no seu interior. O tira-gosto preferido era o limão ou o imbu. A música, que muitas vezes atrapalha o bate-papo, dificilmente tinha vez ali.
     Além dos homens, era comum também a presença de gatos e cães que entravam sorrateiros à procura dos escassos restos de alimentos. Entretanto, naquele dia, a presença inusitada de um coelho foi um fato muito curioso. Ele chegou de mansinho, parou na porta lateral, levou a pata à boca enquanto fazia uma rápida inspeção do ambiente com o seu olhar atento. Não tardou e com bruscos movimentos colocou-se sob a mesa dos “confrades”. Contemplou admirado aqueles pés roliços e repletos de manchas escuras, alguns dos dedos semelhantes a cenouras estragadas. Procurou manter-se imóvel para complementar com êxito a sua vistoria. Walfredo foi o primeiro a percebê-lo e, procurando disfarçar dos companheiros, acompanhava com perspicácia todos os seus movimentos. Celestino sentiu um leve toque no seu pé. Ao olhar para baixo e perceber a presença do coelho, também procurou dissimular. O último a notar a presença do raro visitante foi Barreto, que do mesmo modo não exaltou a sua presença.
     A conversa aos poucos foi diminuindo de intensidade, as palavras brotavam de forma descompassada e distante do pensamento dos seus interlocutores. Cada um deles procurava ocultar à sua maneira que estava diante de um extraordinário visitante. Temiam o pior: não ser real.
     Um carro pára em frente ao bar. Dele desce um garoto, penetra no bar correndo e gritando:
     - Painho, Mainha veio te pegar.
     - Diga a ela que já vou - respondeu Walfredo.
     - Um coelho! - gritou o garoto ao olhar para baixo da mesa.
     - Um coelho! Um coelho! Um coelho! - gritaram, em coro, os três companheiros, numa explosão de alegria.
     Estava comprovado: o coelho era verdadeiro. O garoto não mentia, era uma testemunha qualificada para confirmar a sua existência. O motivo para toda aquela euforia tinha razão de ser, como tinha também razão de ser o pedido da saideira.
     Enquanto isso, o coelho, assustado com o barulho, fugiu em disparada.