Ação e reação - A lei do crime

Ação e reação- A lei do crime

No morro do Juramento só se tem uma lei, a do tráfico. E pertencendo ou não ao grupo é dever de toda a comunidade submeter-se às regras impostas por aqueles que a protegem, porém a aprisionam.

A palavra mais forte, a última e a primeira, é de Vandão, pai de Vera Perfeição e genro do perigoso, Jorge Boa Morte.

Vera, uma mulher bonita, de curvas invejáveis no estilo “Gabriela Cravo e Canela”, daí o apelido adquirido ainda na escola, “Verinha Perfeição”, deixou os estudos aos treze anos de idade e casou-se um ano depois com o mais promissor discípulo de seu pai.Prepotente e arrogante, talvez por ser filha única, humilhava qualquer mulher que ousasse exibir o corpo, principalmente se fosse visitante, afinal perfeita ali era só ela, que sempre repetia essa máxima para quem quisesse ouvir.

Certa vez, engalfinhara-se em uma briga com uma moça que perguntara as horas para Jorge; Vera cismara que aquela jovem se insinuava para seu marido e, extremamente ciumenta e agressiva batera na moça, arrancara cabelos e rasgara todas as suas roupas, expondo aquela criatura que simplesmente pedira informação para a pessoa errada.

Constantes brigas aconteciam entre os diversos “reis do tráfico” do Rio de Janeiro, a disputa por território e a cartela de clientes-turistas eram as principais razões da arenga.Invadia-se o morro, atiravam primeiro e perguntavam depois.

Diante daquele absurdo conflito, mais uma batalha começava e dessa vez o cenário era o reduto da família de Vera. Ela não pensou duas vezes, pegou em armas para defender a sua casa e a sua família. Mas Vandão havia matado o chefe do morro vizinho com requintes de crueldade e o seu pescoço era questão de honra.

O dia começara cedo, se não fosse a atmosfera envolta em tensão o barulho das armas mais pareceriam fogos de artifício.Todos aguardavam por um breve cessar-fogo, que só aconteceria às três da madrugada do outro dia, com o corpo de Vandão estirado frente à birosca do gás.

Os capangas de Vandão, revoltados,armaram contra os ofensores e a maioria foi assassinada ainda naquela madrugada.

Ao saber da morte do pai, Vera chamou os homens que trabalhavam para ele, declarou que a partir daquele momento todos ali presentes deveriam obediência ao seu marido, e que em sinal de respeito não lhe dirigissem a palavra jamais, nunca mais.

Jorge percebeu que sua mulher apresentava um comportamento cada vez mais estranho, não comia e ao fazê-lo passava mal, começara a falar em Deus e que não queria nenhum tipo de droga sendo vendida dentro de sua casa.Discutiam com freqüência e Jorge a esbofeteava diversas vezes.

- Mas que mulher abusada, não entendeu que quem manda é o homem? Essa casa é minha e aqui faço o que bem entender – dizia ele.

Ela se calou e mergulhou em profunda depressão: descobriu-se grávida de três meses, extato período em que chorava a perda do pai e que sofria violência advinda dos maus tratos que o marido a dispensava.

Desse momento de introspecção, refletiu sobre vida e morte e se aquele lugar mal-frequentado era o melhor para aquela pequena vida que trazia dentro de si. Aproximou-se dos evangélicos da comunidade e pouco a pouco fortaleceu sua fé, passou-se o tempo da gestação e ao nascer sua filha, Vera a chamou Gabriela.

Os anos correm e aquela mulher que exibia o seu corpo era agora a Irmã Vera das Moças que não sabia mais o que era vaidade, não cortava os cabelos, só usava saias e vestidos longos. Religiosa e engajada prestava ajuda a todos, mas tinha uma preocupação e um compromisso maior com as mães solteiras da comunidade, como se ela mesma também fosse uma, fato que muitas vezes era o que parecia ser.

Sua grande luta ainda era Jorge e sua imensa lista de crimes.

Conquistou uma pequena casa ao lado da dele e se absteve de qualquer contato íntimo até que ele se convertesse em um homem de Deus. O que fazia era orar e perseverar, e essa sua nova vida a fez ficar conhecida entre aquela gente. Em contrapartida, Jorge ficava cada vez mais violento e audacioso, e seus delitos aumentavam consideravelmente assim como a de desafetos.

Por conta disso, a principal facção rival invadiu o morro pegando de surpresa a quadrilha de Boa Morte. Jorge fora feito refém e o resgate exigido era a presença de Vera para uma conversa “amigável”.

Corajosa, decidiu ir e pedir pela vida do esposo, clamou a Deus que olhasse pela sua família e por todas as outras pessoas daquele lugarejo.

Ao entrar em seu antigo lar foi humilhada por um homem baixo e forte, que espancava seu marido.

- Quem é essa velha esquisita?- disse o homem.

-Sou a mulher dele. – Vera respondeu

- Você? Você é a Vera Perfeição? Só se for a prima feia, a Vera Canhão – debochou.

- Realmente, talvez eu seja somente o pouco de bom que existia em mim, trajes ousados e agressividade já não pertencem mais a minha humilde vida, agora me chamam de Irmã Vera das Moças e vim-lhe implorar pela minha família e pela vida do meu marido.

- Não me reconhece, não é? – disse sarcasticamente.

-Não senhor.- falou ela.

- Sou irmão de uma moça que você foi capaz de destruir, expulsando-a nua daqui desse lugar fétido e imundo.

- É possível que seja verdade, eu era movida pela vaidade e pela maldade. Peço-lhe perdão.

- Agora é tarde, farei com sua família o que você fez com a minha – disse ferozmente e de súbito atirou na cabeça de Jorge, Vera tentou socorrer e levou um tiro na altura do pulmão. Implorou para que enterrassem seu marido com dignidade e que trouxessem Gabriela para que pudesse se despedir.

Agonizante, sintetizou a filha sobre a grande tragédia que abateu sua família, pediu perdão e aconselhou a criança que não abandonasse os caminhos do Senhor.

Seu algoz percebeu a franqueza daquelas palavras e disse que herdava a posse do morro e suas bocas-de-fumo, mas prometeu jamais tocar na vida de Gabriela ou daqueles “irmãos” da igreja por quem ela tanto pedia.

- Então, vou em paz.

E morreu.

Thais R Lima
Enviado por Thais R Lima em 03/03/2010
Reeditado em 14/04/2010
Código do texto: T2117592
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