Convesa de Bar

- Ora, para de dizer bobagens! Faz meia hora que você está defendendo um bando de escritores pretensiosos. Antes fossem apenas pretensiosos. O pior é que estão mortos. E já estavam quando ainda escreviam!

- Mas, você um cara tão liberal e descolado? Que estranho agora você dizer isso...

- Assim você me ofende! Rótulos são só bons para embalagens de picles, garrafas de uísque e cerveja.

- Já foi publicado?

- Já (bocejo e mais um trago de vodca).

Mais um cigarro aceso. Contrariando totalmente a lei municipal.

- Jimbo, por favor, mais uma rodada.

- De quem você gosta?

- Nelson Rodrigues...

- Você tá é maluco. Esse reacionário escroto!

- Você só consegue rotular as pessoas?

- Porque que você, um cara que escreve “Contos Breves & Banais”, consegue ler Nelson Rodrigues?

-Porque ele sabia que o dito “cidadão de bem” não passa de um devasso e louco de pedra.

- Nunca vi tantos cadáveres de monstros sagrados metralhados e ensangüentados derribados no chão de um botequim.

- Pois você ainda não parou de dizer bobagens. “Monstros sagrados”? Meu rabo cheio de hemorróidas, porra! Guimarães Rosa, um chato! Euclides da Cunha impossível de ler sem pegar no sono, e ainda por cima vez me dizer que Vinícius de Moraes é poeta? Quem é que é maluco, na real?

-De quem você gosta?

- Já perguntou isso (virando um trago de vodca num longo talagaço).

- E você me deu uma resposta absurda! Por acaso você assisitia aquele seriadinho que passava na televisão há muito tempo atrás?

- Porra, não perdia um, palavra. Domingo eu deixava de tomar a saideira para ir correndo para cara assistir aquilo. Pena que acabou. A mídia brasileira é muito covarde...

- Mas o Olavo Bilac...

(cortando).

- Depois eu é que falo besteira. Eu é que sou louco. Vem dizer que o Nelson é um reacionário e fica defendendo esse babaca que era a favor do serviço militar obrigatório!

- Mas o Bilac é um puta poeta! “O Caçador das Esmeraldas”...

-Daqui a pouco você vai falar de Camões...

- Não gosta?

- Merda, depois da primeira guerra mundial não tem nada que você ache bom?

- Tá fazendo gozação de novo! Não dá prá falar sério com você, Mendes, quando a gente que falar sério você vem fazendo piadinhas e galhofa.

(esmagando a bituca no cinzeiro e servindo-se de mais trago)

-Esse é o problema de intelectualóides como você. Eu estou falando sério...

(outra vez interrompendo).

- Quando sai o livro?

-Que livro?

- O seu, seu idiota! Não faça piadinhas comigo!

- Ah, o meu. Tenho dezesseis contos prontos e revisados. Quero chegar a vinte e sete. Creio que consiga escrever isso em um mês e meio ou dois.

- Escreve bastante?

- Caralho, não paro de escrever. E quando tento parar vem idéias aos borbotões e às vezes fica difícil concatenar. Escrevi – um dia desses – um conto pela ótica feminina que me tomou quase o dia todo e não achei que ficou nada bom...

- Vai publicar?

- Tá na internet.

- Você usa isso?

-Isso o quê?

- Internet.

- Evidente! Você escreve com pena de ganso?

- Não dá prá falar sério? Converso com você porque quero ser muito um escritor. Você uma vez me disse que lia seis livros por mês. Por eu comecei a fazer isso. Quero muito ser escritor sabe? Mas sento com papel e caneta e não sai nada. Fico com uma folha de papel em branco na minha frente e só saem uns rabisco...

-Fica tranqüilo. Quando for a tua hora vem naturalmente.

- Mas eu já tenho 35 anos!

- E eu 43. Só fiquei bom de verdade quando fiz quarenta.

- É real isso que o texto melhora depois dos quarenta?

- Foi o que aconteceu comigo. Os outros não me importam. Um dia vou pagar minhas contas só com livros e largar de vez aquele pasquim indecente que eu trabalho e que escrevo apenas o que o chefe de redação manda. Aliás, que empreguinho mais furreca esse de “chefe de redação”, pagam o cara, que é um analfabeto de pai e mãe, para dar palpite no texto dos outros,

- Tento escrever uma crônica. Mendes, ( era daqueles caras que colocam seu nome no começo da frase e não no final ) eu juro pelos ossos da minha mãezinha morta, tento todo dia escrever uma crônica que seja e não consigo. Sabe quando a vontade vem realmente de dentro de você? Não consigo me expressar.

- Vai conseguir quando começar a usar a internet.

(Vem mais uma cerveja, os dois abastecem bem seus copos)

- O que você acha do Paulo Coelho?

- Que mesmo o pior escritor é melhor que ele.

-Acha mesmo?

-Por quê?

- Porque ele está milionário. Tem até um castelo...

-Nunca subestime o péssimo gosto do ser humano médio...

-Mas a Madonna...

- O que tem a Madonna? Ela parece uísque, meu! Quanto mais passa o tempo melhor ela fica.

- A Madonna é fã do cara. O Bill Clynton...

-Prá você vez a laia de imbecis que lêem o cara...Bem tenho que ir chegando ( virando num gole só a cerveja e pedindo um maço de Marlboro vermelho para o atendente do balcão ), afinal amanhã é só quarta feira e tenho que trabalhar pela manhã e fazer acupuntura à tarde. Minhas costas estão me matando...

-Aparece qualquer hora por aqui.

- Todo dia eu estou aqui. Quem faz o que eu faço não consegue parar de beber e de fumar...

Geraldo Topera
Enviado por Geraldo Topera em 02/03/2010
Código do texto: T2116092
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