Mulher de Verdade
 
            - Jurema, traz o sal, pô!
            O sal é colocado em cima da mesa e Seu Jiló ataca o arroz e o feijão com carne de porco banhada na gordura lambendo os beiços de tanto achar bom.
            Jurema vive calada, resignada à sua posição de mulher estilo Amélia.
            - ¨Vô deita na rede¨. – Seu Jiló se espreguiça na rede do alpendre deixando as sandálias de dedo jogadas uma distante da outra e coçando o barrigão e as partes baixas. A rede range, mas não sede e ele balança um pouquinho antes de pegar no sono embalado pela lembrança saborosa da refeição enquanto aguarda a próxima.
            Os vizinhos que por ali passam até que tentam dispensar uma boa tarde ao dono da casa, mas espelham que dorme e comentam:
            - Está na sexta da tarde.
            Assim dizem por que sabem que ele também ¨tira uma soneca pela manh㨠e à noite, depois do jantar, ainda dorme de novo. Como Seu Jiló conseguia ainda dormir de noite era um mistério que se comentava, porém com muito respeito, visto ser conhecido por honesto e trabalhador, mas, principalmente, por ser fiel à esposa e isso era tudo o que bastava para que adentrasse no bom conceito de toda aquela gente.
            Teve um dia que foi de desespero. Dona Jurema saiu gritando pela rua em busca de socorro. Como convém nas cidades pequenas, uma multidão, que era mera figura de linguagem, mas que se comparando com o tamanho da cidade, passaria por verdade, correu para acudir.
            Seu Jiló engasgava e rolava pelo chão ardendo de dor. Pouco tempo depois chegava ao hospital de Catalão, ¨logo ali pertinho¨, e dava entrada em óbito. O médico, antes de qualquer outro procedimento, chamou em particular Dona Jurema por conhecer-lhe a família, a vida, a história:
            - Sei que a senhora deitou vidro em pó no prato de comida de Seu Jiló.
            Como estavam a sós, a mulher verteu lágrimas, e dor, e medo, e uma voz que dizia a canto miúdo:
            - Desculpa...
            No prontuário constou que a causa fora fulminante não restando caminho ao coração a não ser a parada súbita diante da vontade de Deus. Na cidade todos sabem da história, mesmo que andando tão torta quanto a escrita do Criador, e ao passar na varanda, todas as tardes, podem ver Dona Jurema fazendo tricô e assobiando ao passo que responde tímida:
            - Tarde!