SE LEMBRA DE MIM?
Eles, já casados há cinquenta anos, sempre apareciam por lá para o acompanhamento da saúde do seu Frederico.
Dona Norma, uma senhorinha de setenta e cinco anos e três anos mais nova que o marido, vinha aparentando certa fragilidade no seu porte delicado mas de força imensurável, e o ajudava fielmente nas grandes e pequenas necessidades do dia a dia.
A vida lhes fora cortês até há oito anos atrás quando a doença do seu Frederico apareceu e lhes revolucionou a vida.
Até então, seu Frederico vinha bem no convívio na família de esposa, cinco filhos, dez netos e alguns recém chegados bisnetos.
Tudo começara meio de repente quando seu Frederico começou a trocar os nomes dos netos, não reconhecer o ambiente de casa, e empobrecer no arquivo das palavras.
Aos poucos foi se fechando para o seu meio como algo compulsoriamente subtraido do seu espaço e não lhe tardou o triste e temido diagnóstico: Mal de Alzheimer.
Dona Norma a princípio tinha dificuldade em entender como, vez ou outra, parecia uma estranha para o próprio marido de cinquenta anos de convivência.
O doutor, enternecido com o drama de dona Norma, lhe explicava que há muitos episódios que uma vida inteira não nos bastaria para que os compreendêssemos!
E naquele ambulatório, o seu médico sempre procurava o avaliar na escala de evolução da doença, lhe prescrevia os medicamentos de ponta ,orientava os cuidadores e conversava com seu Frederico numa investigação minuciosa.
Numa dessas conversas da avaliação médica, seu Frederico fora submetido aos testes de execução mental, aqueles que avaliam a funcionalidade dos doentes em relação à doença.
Foi quando certa vez presenciei uma cena que jamais esquecerei, poesia motriz deste meu conto.
O doutor pediu para que dona Norma se apresentasse ao marido para que se testasse a evolução do seu nível de reatividade e reconhecimento frente à recente introdução dos medicamentos.
Assim, dona Norma delicadamente lhe perguntou:"Frederico meu bem, você se lembra de mim?"
Seguiu-se um longo silêncio.
Foi quando percebi que seu Frederico, num lapso de segundos, revitalizou seu semblante apático, voltou para o seu antigo mundo e docemente lhe respondeu:
-Norma, eu te amo.
Fato verídico, nomes fictícios.