BÊBADO
BÊBADO
RONIE VON MARTINS
Querer escrever... e não poder. O poder de não escrever. E escrever. Mesmo. E assim.
Na frincha da dúvida e do não saber. Entre o resquício do álcool e de tudo que já não é etílico. Idílico...
Tentar. Na face branca riscar sentidos – sofridos, percebidos... Perdidos.
Escrever.
Grafar em sinais o que se pensa que sabe. E permitir ao que não é grafado os outros todos sentidos que não. Sabe-se?
Escrever sobre a opinião... Comum, recorrente... e mesmo assim escrever!!
Sobre o óbvio, sobre o mesmo. Escrever sobre minhas lágrimas. Que são tão lágrimas como todas as outras. Escrever a valorização destas em minha ótica. Supervalorizar o que sinto. Escrever... Romantizar o meu “eu”.
Romantizar minha palavra, adocicá-la, inebria-la de mim mesmo.
Sofrer o meu sofrimento como se fosse o único. E mostrar lágrimas espessas e cristalinas – comprovação – da limpidez (ilusória) do meu espírito/alma.
O álcool me é cruel. (e aqui caberia uma risada)
Devassa minhas defesas românticas. Destrói meu perfil idealizado e me joga para todos os lados. Água fria nas idealizações românticas de mim. Assassinato do “meu” eu lírico. ( mais uma gargalhada aqui)
E um sorriso irônico e debochado zomba de mim.
E escrever...
Escrever essa sensação de ausência. De morte. Enquanto o espírito se embriaga em mergulhos que vão além do ideal.
E escrever, narrar a sensação de se desgarrar. Arrancar-se do corpo constituído por uma imagem pré-concebida de ser.
Imagem refletida nos espelhos que mostram sempre a mesma cara. Morrer na representação do espelho.
Com a palavra que já não representa, apresentar o além do corpo, o além da alma.
E escrever. Na bruma. Escrever na fumaça. Na incerteza escrever.
Redigir. Emitir o verbo. E do verbo ser cuspido.
E do verbo ser constituído. Em vários. Cada olho que vê. Vê outra coisa da coisa que vê. Todos. Vários. Somos. Tantos.
Demônios. Santos. Monstros. Tudo somos e nada. E até românticos.
Somos até e inclusive a letra e a palavra. E o discurso. Somos verbo.
E também verso. E reverso somos. E inverso. Universo? E somos também as rimas pobres e sofríveis.
...e também delírio. E inclusive o delírio. E essencialmente o delírio.
E somos o “nos escrever.”
E somos o que dizemos e o que dizem que somos, mesmo sem o sermos. Ou ser. Eis a questão?
A questão é o escrever. Crer e ver o que se é em letra. Palavra que lavra a terra onde nos plantamos.
ÉS – CRER – VER. SOMOS . CREMOS. E VEMOS.
O que somos? Em que cremos? E o que vemos?
(Aqui ... outra risada...)