A Que Ponto Nós Chegamos!

Melhor; a que ponto algumas pessoas chegaram!
Pela segunda vez fui abordado por um cidadão que estorquiu-me, com pretexto de que havia uma urgência urgentíssima de ajuda a um parente próximo. Geralmente um filho.
Na primeira, um senhor de aproximadamente uns cinqüenta e cinco anos, gordo, cabelos lisos pretos, bem vestido, estava no portão do prédio vizinho a meu trabalho, como que esperando alguém. Me abordou quando ao sair na porta para o almoço, isso no centro de BH. Eu esperava por um colega quando ele disparou me pegando desprevenido: ôh senhor; acabei de perder minha mulher e um filho de dez anos, há pouco num acidente de carro, perto da barreira da BR 381, depois de Santa Luzia.
Incrível! O cara me pareceu pálido, desfigurado e desesperado. Entrei tanto no clima, que tive de segurar no poste pra não cair.
Ele ainda completou: dá vontade de suicidar!
No que eu falei calma, não faça isso, pegue com Deus.
Quanto você ta precisando?
Trinta, cinqüenta reais, mais ou menos.
Passei-lhe o dinheiro, meu colega chegou, saímos para o almoço, comentei e o José Antônio falou: golpe, é golpe.
Esses caras fingem tão bem, que entramos facilmente com eles no quadro de terror.
Mas o cara tava branco que nem cera Zé! Falei.
Fomos andando, olhei pra tras e cheguei a acreditar que numa hora como aquela, ele não podia sair conversando tão passivamente, com uma senhora que saíra do prédio. Entreguei a Deus, pois fiz o meu papel, mas que ele estragou minha refeição, ah isso sim, o bom filho conseguiu.
Me lembro perfeitamente de sua fisionomia e o identifico em qualquer lugar, quantas vezes for necessário, tamanha foi a minha impressão.
Passados uns três meses, surge-me um outro, baixinho, bem vestido, que me abordou na porta do carro, perto do hospital onde aguardava minha mulher. Rua de movimento intenso, área hospitalar muito grande, o cara chegou igualmente apavorado, abriu uma pasta plática com vários documentos médicos e precisava de dinheiro para encaminhar o filho ao médico, devido ao grave estado de saúde, acometido que foi por um cancer. Minha mulher chega, comentei no carro que acabava de ajudar mais um coitado numa situação difícil, num país de péssima distribuição de renda, onde lucram mesmo, só os aproveitadores. Vou dirigindo pra casa, feliz da vida assoviando, pela boa ação praticada.
Passados dois meses, paro o carro de novo no hospital, minha mulher desce e o mesmo baixinho, igualmente arrumado, com a mesma expressão de apavoramento, vem enfiando volante adentro, sua pasta com as receitas...
Pera aí! Ah não!
O câncer de novo? Não!
Desta vez bicho, nem que a vaca tussa!
E o pequeno sai, tá bom, tá bom, num precisa gritar.
Tá bom! Já tô indo...
Foi o Lula que arrumou isso pra nós cara.
É o tal negócio: fazer uma bolsinha com jacaré não pode, mas o governo pode fazer bolsa família.
Depois disso ninguém quer mais trabalhar.
O cara mata a mãe, mulher, filhos, sem a menor cerimônia!
Afonso Rego
Enviado por Afonso Rego em 22/02/2010
Reeditado em 29/03/2012
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