Irreversível

Anísio mantinha os olhos fechados para não se desesperar com o que veria, era um covarde; pelo menos era assim que ele cria que as outras pessoas o viam. O vento soprava sobre todo o seu corpo o qual ele sentia muito leve naquele momento.

As coisas não tinham saído como o planejado, a vida saíra do controle e por isso ele tomou a decisão mais difícil de toda a sua vida, no princípio parecia ser o mais correto, entretanto, ele já não tinha certeza disso, de fato, o medo já tinha se apoderado de sua consciência e ele estava profundamente arrependido, mas não havia volta.

Ele pensava:

“Certas decisões foram feitas para nunca serem tomadas; são escolhas obscuras e merecem permanecer no esquecimento”.

Mas Anísio não tinha sido forte o bastante para se manter longe daquela tentação, na verdade, ele nem tinha tentado se afastar dos pensamentos que começaram a sugerir o desfecho que agora se concretizava.

No princípio a “viagem” parecia uma ótima idéia, parecia a melhor das idéias e ele julgava que tudo se resolveria no momento seguinte à concretização do seu ato; seu salto, mas era possível que tudo aquilo não tenha passado de um engano terrível, um mal entendido dele com ele mesmo que não tinha mais chance de ser concertado.

O vento continuava soprando e Anísio mantinha os olhos fechados; a coragem para encarar as consequências de seu mais recente ato ainda não tinha surgido e talvez jamais surgisse. Ele abriu os braços involuntariamente, estava ficando apavorado; era como se a expectativa do termino de sua “jornada” trouxesse a certeza de que Anízio tinha feito mais uma vez aquilo que ele cria que os outros pensavam que ele havia feito durante toda a vida. Tomar decisões erradas.

Pensou em quanto aquilo poderia chocar a todos que conhecia, ninguém esperaria que ele fosse abandonar tudo e fugir de repente; mas dias antes aquela viagem era, no entendimento dele, a única solução para a resolução de seus problemas.

Outros pensamentos passaram por sua mente, coisas que tinha dito a si mesmo em algum momento da vida:

“Não há perspectivas para mim”, “Estou cansado de não ser ajudado por ninguém”, “As coisas não estão dando certo” e “Tudo o que eu faço dá terrivelmente errado”.

Nada daquilo era verdade, mas a forma como ele encarou os desafios da vida era uma forma equivocada; entretanto ele tinha conseguido muitas vitórias significativas, apenas não percebia isso. Anísio se cobrava muito por seus fracassos e tinha medo, um medo paralisante que o levou à grandes derrotas; em seguida a culpa por suas falhas o fustigava; para ele as pessoas o estavam constantemente julgando com os olhares acusadores e tal fato era insuportável. Mas nada daquilo era verdade, porém, ele não quis nem mesmo cogitar essa possibilidade; não quis pensar que estava sendo severo demais com sigo mesmo e esse foi o começo do fim.

Ele tentou buscar apoio para resolver seu problema, o modo como ele encarava a vida e suas questões particulares, mas não sabia exatamente como nem onde; procurou apoio psicológico, mas não teve paciência e abandonou.

Em seguida passou por conta própria a fazer uso de antidepressivos, não era difícil para ele conseguir tais medicamentos, trabalhara por muito tempo prescrevendo os mesmos, mas também aquilo não surtiu o efeito desejado.

O corpo de Anísio já não sentia a gravidade, ele parecia estar voando e as sensações vinham e iam cada vez mais fortes; medo, desespero e arrependimento. Nunca havia conseguido se livrar deles e nem ali eles o abandonavam, na verdade pareciam pequenos homúnculos risonhos e malignos que insistiam em gargalhar da atitude estúpida que ele havia tomado. O homem não desejava mais o fim da jornada, não daquela forma, mas para interromper o que colocou em curso Anísio teria de ser capaz de fazer o tempo voltar, e isso era algo que no mundo real ninguém fazia, ao menos, ninguém que ele conhecia. Nesse momento finalmente num impulso que rompeu com todas as barreiras em sua mente, ele abriu os olhos; não estava enxergando direito, tinha deixado seus óculos em casa, sobre um livro que não lera até o fim e que jamais terminaria, não precisaria mais deles.

Tudo estava errado; o céu abaixo dele e o chão acima de sua cabeça. A sensação de estar voando foi rapidamente confrontada e substituída pela realidade de estar caindo. Ele se desesperou ainda mais fazendo com que a queda até então linear se tornasse uma espécie de espiral hedionda; ora ele via o céu e ora ele via o solo que se aproximava, mas não se aproximava tão rápido quanto ele pensou que fosse.

Seu corpo girava no ar e lhe causou náuseas.

Quando Anísio se arremessou da janela de seu apartamento pensava que a queda seria rápida e não haveria tempo para nada que não fosse um suspiro final ou um pensamento único, mas não foi assim que aconteceu. O tempo não parou e nem retrocederia para que ele reparasse a loucura que tinha cometido, disso tinha certeza, mas esse mesmo tempo teimava em reduzir sua passagem e isso lhe dava condições de punir a si mesmo com o remorso, a vergonha e uma série de outros sentimentos terríveis. Ora! Ele morava apenas no nono andar, a queda não deveria demorar tanto assim e ele, em prantos, desejava o impacto que colocaria um fim em tudo aquilo.

Seu corpo girava no ar e naquela sucessão de visões, ora o céu e ora o calçamento do chão onde seu corpo repousaria violentamente; Anísio teve um pensamento ainda mais aterrador. Ele imaginou que em algum lugar havia naquele exato momento uma roleta que girava trocando duas posições continuamente; posições estas que se revezavam, mas tão certo quanto o chão que o esperava em milésimos de segundo era a posição daquela roleta imaginária que seria escolhida para ele.

A roleta girava juntamente com seu corpo; céu e chão e céu ou inferno.

Por que, afinal ele tinha resolvido dar cabo de si mesmo? De repente foi como se um véu saísse de sua mente e ele vislumbrasse a verdade que ele mesmo tinha negado durante anos de convívio com seu próprio egoísmo. Uma verdade inegável; possuía uma vida em que não faltava nada; tudo estava de acordo com o que deveria estar, mas ainda assim ele desejava mais; mais de tudo. Anísio tinha um vazio em seu espírito que ele tentou preencher com tudo o que encontrou pela frente, mas não foi bem sucedido.

Por fim, aquele vazio se tornou uma melancolia incontrolável que foi se degradando e mutacionando cada vez mais até se transformar em dor; uma dor sem fim; uma dor falsa, não física, mas que incomodava terrivelmente. Sem motivo nem propósito.

Anísio olhou para o solo se aproximando, forçou-se a afastar os pensamentos relativos a sua família; sua esposa, suas filhas, não queria pensar neles, não seria capaz de suportar a imagem deles vendo-o no chão mesmo sabendo que aquilo aconteceria, assim como os vizinho e amigos; sabia que aquilo surpreenderia a todos, mas agora já era muito tarde para voltar; teria de enfrentar a barreira final, mas sabia que não venceria esse confronto.

Os segundo teimavam em esticar; seria isso ou sua mente, apavorada pela eminente destruição, estava funcionando numa velocidade assombrosamente acima do normal? Nunca saberia; o tempo estava no fim, o chão apenas a um palmo de distância e tudo seria para sempre irreversível.

Luiz Cézar da Silva
Enviado por Luiz Cézar da Silva em 22/02/2010
Código do texto: T2100553
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