Projeto de vida
Philomeno tinha planos para o pós-morte, pensava muito nela naqueles dias, muito embora gozasse de boa saúde e tivesse apenas cinquenta anos. Não desejava nada muito suntuoso, pelo contrário, queria simplicidade, mas algo marcante, que pudesse levar consigo para o além. Preocupava-o, contudo, a possibilidade de um cortejo sem quórum, haja vista sua pouca popularidade. Vivia meio solitário, pois era homem de poucos amigos. Ultimamente, entretanto, o medo de morrer e não ter quem o prestigiasse até o seu derradeiro lugar tomava proporções doentias, o assombrava, a ponto de se cogitar a contratação antecipada de pranteadores profissionais. Idealizava aquele momento triste, os amigos inconsolados, o choro convulsivo das namoradas da adolescência, a histeria pouco antes do adeus...Enquanto delirava com o improvável, para dizer o menos, tentava contabilizar os possíveis traumas que o seu passamento causaria às pessoas mais próximas. Pensava nos irmãos e nos pais. Por quanto tempo ficariam de luto. Por quanto tempo chorariam a sua ausência... Havia ali um laço de sangue... Uma vida... Mas brigara com praticamente todos os irmãos, fora egoísta... Mas era família. Imaginava que pelo menos estes pudessem guardar luto, sonhava com isso. Tinha mulher e dois filhos. Confiava plenamente que a sua esposa, ainda muito jovem, entraria em profunda depressão e se entregaria a uma nova vida, mais introspecta, de orações e jejuns, abolindo de sua vida namoros...Não importava a diferença de idades de quase vinte e cinco anos entre os dois, o amor era o que contava... Seria um luto definitivo, tinha convicção...Era um marido enérgico e pai severo, mas era bom. Não podia, no momento, perder muito tempo pensando na mulher e nos filhos, precisava fazer contatos com os seus irmãos, assegurar a adesão deles ao seu projeto de morte. Por enquanto, havia a quase certeza de que ao menos dez pessoas iriam ao cerimonial: Seus quatro irmãos, pais, esposa, filhos e a sogra. Seus cunhados e sogro certamente não iriam. Os sobrinhos, talvez.Mas havia ainda algum tempo, faria um esforço grande, se reaproximaria dos cunhados e cunhadas, vizinhos etc. Com sorriso desenhado pela necessidade se faria gentil, muito embora não os suportasse...Dias depois, um helicóptero caiu em alto-mar. Philomeno nunca foi encontrado.