BEM-TE-VI

BEM-TE-VI

Há momentos em que meu pensamento voa em direção ás coisas do passado...
Mas isto que estou escrevendo aqui, não se encaixa bem à coisas de nenhum passado, mas sim da natureza. Esta natureza que nem todos nos, seres humanos, a enxergamos e sentimos do mesmo modo. E que é uma das coisas mais sublimes e encantadoras que Deus nos deixou como legado.
Sim! Porque há seres humanos que, não sei se pela distração ou pelos muitos compromissos que tem na vida, não se ateem nem mesmo ao canto de um pássaro... Só sabe sentir frio ou calor, se está muito molhado ou muito seco, ou em muitas das vezes nem isso...
Há algum tempo atrás, morávamos eu e meu marido em uma casa de esquina.

Muito arejada, deliciosa e extença num bairro qualquer, de uma cidade qualquer, mas em uma rua muito tranqüila que, durante as tardes, quando me sentava em minha cadeira preferida para ler ou fazer o meu crochê, no alpendre que da para o jardim, outrora muito bem cuidado e florido, no qual eu ha anos plantei uma “quaresmeira”, pode-se até mesmo ouvir o zumbido de uma abelha, tão silencioso e calmo é aquele local... Ficava eu, na minha leitura ou no meu crochê, mas observando também o ir e vir das abelhas, dos beija flores, ou de todo e qualquer pássaro que pousasse na minha quaresmeira, pois ela se tornara uma linda árvore frondosa e copada diante do meu alpendre. E quando está florida então! Torna-se um verdadeiro colírio para nossos olhos e, grande festa para a passarada...
Mas eu, observadora que sou das coisas da natureza, certo dia ao sentar-me ali, depois de passados alguns momentos, vi quando de repente pousa, no mais alto dos galhos, um lindo, gracioso e colorido bem-ti-vi... A leitura fora esquecida, o livro fechado e apoiado no murinho do alpendre. Meus olhos agora focavam somente aquela criaturinha cheia de encanto, beleza e, no meu pensar, liberdade...
Mas a avezinha me pareceu um tanto inquieta, pulava de um para outro galho e, o seu trinado, eu o ouvia e interpretava como a um chamado...
Será que estaria procurando a sua ou o seu companheiro?
Ficando atenta por mais algum tempo, vi quando pousa ao lado de quem já ali se encontrava outra criaturinha idêntica, a meu ver, sem nenhuma outra distinção na aparência.
E, fiquei ali na expectativa dos acontecimentos... Pulavam pra lá e pra cá, neste e naquele galho e, por fim, estando eles pousados no encontro de duas ramas, o que pode ser chamado de uma “forquilha”, detendo-se ali por alguns instantes, de repente, resolvem alçar vôo.
Saíram, com toda a liberdade e leveza que Deus lhes dera, num vôo mais que sincronizado, parecendo querer alcançar o infinito, naquele céu azul...
Peguei o meu livro. Retomei a minha leitura e, volta e meia, meu pensamento se dispersava, revendo as imagens daquelas duas criaturinhas, há pouco gravadas em minha mente.
Heis que, sem me aperceber, estavam eles ali! De volta! E Mais! Carregando em seus bicos, material para a construção de seu ninho!
Foi o que pensei... E não pensei errado... Pois, um deles, que seria a fêmea, no caso, ficava ajeitando o material trazido pelo outro e, este, se encarregava do transporte... A construção era rápida! Ela trabalhava como uma verdadeira e eficiente artesã, quando o material chegava, poderia ser de qualquer tipo: capim seco, fios de linha ou de lã, tirinhas de plástico, papel, o que fosse ela teria onde colocá-los e, na medida certa!
Teria eu então, a oportunidade de, nas minhas tardes de lazer, desfrutar e aprender um pouco mais sobre a nossa magnífica e divina natureza...
Fiquei encantada de tal forma que, naquela noite acordei diversas vezes com a lembrança daquelas cenas que tivera a sorte de presenciar durante a minha tarde tão amena... Mas a coisa não iria ficar por aqui não! Faria questão de acompanhar aquela construção! E como!
Todas as tardes, e por que não dizer nas manhãs também, tal era a minha curiosidade... Nas manhãs, volta e meia, estava eu ali, atrás da vidraça, a observar, nem que fosse por alguns momentos, o andamento da construção e, á tarde, abria com muito cuidado, para não fazer barulho, a porta do alpendre. Sentando-me ali. Quase já não lia nem “crochetava”, meus momentos seriam então, única e exclusivamente de observação...
Era um vai-e-vem que parecia não ter fim!
Mas, em questão de dias. Poucos! Via-se ali, o trabalho mais bem feito e bonito, neste gênero, que se possa imaginar! Parecido com uma “tijelinha”, todo tramado com pedacinhos de pau, capim seco, linha, tirinhas de pano, de plástico, papel e uma dose muito grande de carinho! Estava pronto o local onde ela, deveria depositar os seus ovinhos...
Agora, eu teria que ter muito cuidado! Não poderia me exceder nas minhas idas ao alpendre e nem mesmo fazer algum barulho, ao abrir aquela porta...
Foi quando pensei... Mas, e os gatos?
Sim, porque meu vizinho tinha dois bichanos que viviam á afiar suas unhas no tronco da minha quaresmeira e, subindo e descendo da mesma em busca de pássaros descuidados e desprevenidos que encontrassem por ali... Fora outras coisas que faziam também, na grama do jardim, que quando descobertas mudavam completamente o meu humor, mas que teriam que ser aceitas e enfrentadas com uma pá de recolher lixo, e uma certa dose de paciência... Pois viva a “natureza”!
Mas logo em seguida descobri que os gatos não seriam problema!
Pois acreditem ou não! Os danadinhos dos bem-te-vis, quando os avistavam por perto, para defender sua morada, faziam tal arruaça, que os bichanos partiam em retirada... E, aí deles se voltassem!
Esta descoberta me deixou muito feliz, não precisaria então, preocupar-me com eles, mas mesmo assim, quando os avistava por perto, quase sempre dava um jeitinho de afastá-los dali. Seria mais seguro...
Em uma das tardes, quando sentada ali no meu lugar de costume (agora, transformado em posto de observação), vi quando ela, mamãe bem-te-vi sai de seu ninho, talvez para se alimentar ou até mesmo fazer um pouco de exercícios. Fiquei surpresa ao ver, dentro do ninho, depositados, três brancos ovinhos... Mas sem demora o papai bem-te-vi, assume o lugar da
mamãe, se pondo a cuidar do que lhes era tão precioso!
Esta situação dura aproximadamente dezessete dias, enquanto ela estava ausente, quem se punha á chocar era ele...
Numa dessas saídas, notei que, os ovinhos já na eram tão brancos... Teriam se tornado de uma cor amarelada, mais escura...
O meu posto de observação era ótimo, dali, dava pra ver tudo, nitidamente!
E qual não fora a minha surpresa, quando , na manhã do décimo oitavo dia, ao abrir a cortina, por trás do vidro, deparei-me com três biquinhos abertos que esperavam por seu alimento sem nem mesmo ter ainda aberto seus olhinhos... Haviam nascido! Aquilo, eram três montinhos de carne, com um bico muito aberto, que eu conseguia ver, quando nenhum dos dois, papai ou mamãe estavam no ninho para aquecê-los... A luta fora árdua para aquelas duas criaturinhas de Deus! Era um corre-corre atrás de alimentos que parecia não ter fim,
Mas há cabo de poucos dias, se podia ver. A natureza trabalhava... A prole já estava bem crescidinha, já não se via tanta fragilidade e a penugem era bem evidente! Eram bem cuidados! Por isso, estavam ficando lindos!
Heis que, passados mais alguns dias, os pequeninos já abriam e tentavam bater suas asinhas... Uma graça!
E quando chegava a comidinha... Era feita uma algazarra, que não se podia definir quem receberia do bico do papai ou da mamãe, o primeiro pedaço... E se a comidinha fosse uma minhoca bem comprida então! Era um a puxar pra lá, o outro a puxar pra cá, e o terceiro pendurado no meio, até a mesma se partir em pedaços... Aquele momento era transformado em uma festa total!
Mas um dia... Eu sentada ali no meu posto, levo o maior susto!
Meu Deus! Um deles, ao tentar sair do ninho despenca lá de cima e vem cair na grama! O meu primeiro pensamento fora nos “bichanos”! Onde estariam eles? Até que eu desse a volta e alcançasse a porta de saída para socorrê-lo, se tivesse um deles ali por perto... Era uma vez! Teria eu treze degraus para descer até chegar lá!
Saí na maior “disparada”, quando viro na quina da casa, dou de cara com um dos “bichanos” que por ali espreitava... Mas fui mais rápida! Abaixei-me e quase que instantaneamente tinha o pequeno filhote na palma da minha mão... Não estava ferido! Não! Não estava não... Graças...
A mamãe bem-te-vi me rodeava como uma fera, quando na defesa de seu filhote... Chegava a tirar uns rasantes por cima da minha cabeça! Chegara até mesmo arrancar, com seus pés de unhas afiadas, alguns fios de meu cabelo...
E agora? Como fazer para levá-lo de volta ao ninho? E tinha que ser rápido! Não poderia ficar por muito tempo ali, na minha mão, fora de seu habitat natural, era muito novinho, molinho...
Sorte que meu marido, naquele exato momento, entrava com seu carro na garagem, a qual fica há uns três metros da quaresmeira...
E eu o chamei: Por favor! Traga-me a escada! Um dos filhotes caiu do ninho! Preciso colocá-lo de volta... Neste ínterim chega também o papai bem-te-vi com uma enorme lagartixa no bico... Aí é que ficou séria a coisa... Ele não sabia se largava a lagartixa, ou se partia pra cima de mim...
Foi como aquela “briga de foice no escuro”...
Neste meio tempo, chega a escada... Meu marido a coloca em lugar firme e seguro, e eu rapidamente, com aquela coisinha miúda na mão esquerda subo, um, dois, três, quatro... No quinto degrau alcanço o primeiro galho, me apoio nele, e com muito medo de o mesmo se quebrar e eu cair, minha mão chega bem próximo ao ninho...
Que alívio! Coloquei-o lá dentro com muito cuidado e, a descida foi penosa! Mas consegui realizar o meu intento...
É muito curioso quando começam a querer voar... Saem do ninho, assim como quem não quer nada... Pulam de galho em galho, ali mesmo por perto, até que chega o grande dia!
Heis que, numa certa manhã, estando eu a fazer a arrumação da casa, como de costume, já teria feito antes, a minha inspeção matinal nos “rapazes”... Ouço lá de dentro uma enorme algazarra de pássaros... O que teria acontecido? Pensei eu? Corri para a janela da sala de estar, que fica mais á frente do alpendre para olhar para fora no jardim... Chamei meu marido, que veio rápido!
E vimos... Na cerca gradeada de ferro que contorna o terreno da casa, toda a família reunida! Era uma autêntica aula de vôo...A algazarra era feita somente por eles... Assistida por toda a passarada do lugar! Havia pardais, canários, tico-ticos, beija-flores, sanhaçus, todos no maior silencio, ninguém piava não! Só o beija flor ficava lá de cima, no fio de telefone assistindo de camarote, o resto da passarada ciscava o chão bem quietinhos...
Ficamos ali, por quase uma hora, nos deliciando com aquela maravilha de espetáculo da natureza!
A mamãe bem-te-vi saia num vôo para a esquerda, de uma á outra aste de ferro da cerca, que ficava há pouca distância um da outra e, logo em seguida, saia um dos filhotes á fazer o mesmo...
O papai bem-te-vi executava pela direita, o mesmo gesto. E o outro filhote o acompanhava, e assim seguia este extraordinário bailado da natureza... Hora mais baixo, mais rasante, hora mais alto e cheio de curvas, com uma aterrissagem bem rápida na pontiaguda flexa da cerca...
E assim foram treinando, até que ficaram “mestres” na lição... E em dado momento papai bem-te-vi, faz um vôo diferente, mais longo... Um deles o acompanha e segue o seu destino, voa alto, no infinito dos céus!
Papai bem-te-vi volta, “ele” não... Com os outros dois, acontece a mesma coisa: Papai bem-te-vi dá a partida e o outro o segue... Logo em seguida sai o terceiro... Não voltariam mais!
Papai e mamãe bem-te-vi com "missão cumprida" voam juntos pra longe, no céu azul...
Estaria realizado então, mais um milagre da natureza...
Se alguém quiser saber do ninho: Ele ficara lá! Podendo servir de morada para algum pardal mais folgado...
E eu, aqui, com a saudade de meus “pimpolhos”...


Zelia C Silva



Zelia C Silva
Enviado por Zelia C Silva em 17/02/2010
Reeditado em 13/02/2011
Código do texto: T2092304
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2010. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.