O BAÚ

O dia estava realmente quente, o sol não dava trégua nenhuma. Até os animais já davam sinais de cansaço. Era preciso descansar, pensava Sofia. Ela olhava as mãos calejadas pelo tempo, passou-as pelas faces enrugadas e chupadas. Sentou-se num banquinho no curral e se pôs a pensar num passado distante. Realmente não era a mulher bonita de outrora, se desgastou muito. O marido, Ferdinando Souza Nascimento Neto, nunca a incentivou, sempre foi taxativo e tinha vergonha de ter uma mulher que sabia ler, escrever e falar dois idiomas diferentes. Como ele era diferente do pai Manoel Mendonça, que se orgulhava de tê-la ensinado tudo. A mãe, Terezinha de Jesus, ficava cabreira, jamais concordava. Dizia que mulher tinha que aprender a cozinhar, a bordar, a lidar com as coisas da casa e não a mexer com inutilidades. O casamento foi arranjado, o pai não queria, mas a mãe insistiu e então, aconteceu. Parece que o pai sabia qual seria seu destino. Quando vinha lhe visitar ele sempre lhe trazia livros estrangeiros. Ela os guardava rapidamente em um baú de aroeira que havia no canto da sala, com medo das represálias do marido. O pai sempre notava seu nervosismo, mas nunca lhe perguntava nada e rapidamente saia de sua casa. Um dia, ele chegou e pegou o marido rasgando um livro. Ele o encarou com fúria cega e saiu, o pai foi ao seu encontro e a pegou com a face por terra, porque ele a havia espancado. Foi a primeira e a última vez que ele a tocou. Sofia nunca mais deu motivos, mantinha o baú sempre trancado a sete chaves. O marido sequer desconfiava que ali houvesse seu maior tesouro. Todas às noites o marido saia, e ficando sozinha aproveitava para ler os livros. Ela sabia que ele a traia, mas realmente não se importava, uma porque não o amava, outra porque só assim ela tinha paz para ler o que te bom os livros do outro lado do mundo lhe contava. Ela ficava bem informada sobre tudo, pena que nunca teve coragem de fugir. Sempre foi prisioneira sendo livre. Livre no pensamento, mas presa nas amarras de um tirano. Certa vez até tentou, mas ele a pegou e a ameaçou. Com medo nunca mais tentou, sempre que passava por sua cabeça fugir, vinha-lhe à mente as terríveis ameaças do marido dizendo que mataria seu pai, sua mãe, e que ninguém, absolutamente ninguém ficaria sabendo. Tudo o que de bom o marido lhe dera foi a filha Graciliana, depois do nascimento da filha, nunca mais houve mais nada entre os dois, cada um tinha sua vida, seus mundos a parte. A única coisa que ele exigia dela é que não falasse nada de livros, estudos ou coisa assim para a menina. O que ela lógico ignorou por completo, quando esta foi crescendo, a medida do possível, a ensinava, pedindo que não dissesse nada ao pai. Retirava do baú o seu legado, suas doces lembranças e ensinava para sua filha assim como um dia também havia sido ensinada. Graciliana era esperta e nunca deixou que Ferdinando desconfiasse de nada. Aprendia tudo com muita facilidade e isto lhe dava um grande prazer. Ferdinando era um homem rico, único herdeiro de pai e mãe, era mesquinho com Sofia, mas não Graciliana, pelo menos isso. Era um bom pai. Os anos se passaram e quando Graciliana completou quinze anos, ele veio a falecer. Não demorou muito e tratou de mandar Graciliana estudar nos melhores colégios do mundo, afinal este era seu grande sonho. Só não iria com a filha porque tinha que tomar conta dos negócios do marido, mas assim que tivesse um tempo iria encontrá-la. Claro que passeou por muitos lugares, mas sempre voltava, pois era ali que encontrava alento para suas muitas idas e vindas e mantinha no mesmo lugar o velho baú de aroeira que continha os retalhos de sua história.

Vania Morais
Enviado por Vania Morais em 17/02/2010
Reeditado em 14/04/2019
Código do texto: T2091658
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