Foi pelos Céus ou pelos Homens?
Amanhecia naquela parte esquecida da não tão mais formosa Paraíba e era a hora em que Seu Joaquim acordava. O corpo, antes rigidamente imóvel na cama, dava os primeiros passos em direção ao quarto de Divina. A mulher sempre, e por ainda mais vezes, se atrasava para acordar. Ás 6h ele já gritava a porta para despertá-la. Corria a sala e tirava a folha do calendário que mesmo novo (com menos de um ano, pelo menos) dava sinais de cansaço daquela vida. Era dia 13 de outubro. E Joaquim mesmo sem esperanças se dirigia até a porta para olhar seu terreno.
Não choveu noite passada.
Não chove há tempos.
Ele procura na memória busca e re-busca e nada. Ele não consegue se lembrar da última vez que viu a água da chuva caindo sobre suas terras. Uma questão que sempre tornava a mente de Joaquim era de quem era toda a culpa do que ocorria. Era castigo de Deus? Que santo passou a odiá-lo? O que teria ele feito? Seria castigo dado pelos homens? Foi pelos Céus ou pelos Homens? Quiçá pudera ele entender. O nordestino nunca conseguira explicar o fato a seus filhos também. Um já era quase moço. Antônio aos seus 11 já tinha que ajudar em tudo e em um pouco mais. Já era um dos homens da família para ajudar a manter de pé a casa e sua irmã mais nova. Antônia, a qual com três anos, já o tirava do sério às vezes e motivava discussões por causa das confusões com os nomes.
Pois em certo dia tudo amanheceu como neste mesmo. No entanto era 14 de outubro e a família de Joaquim abandonou suas terras. Não tinham mais gado para abandonar, pois gados vivos não restaram. Amizades eles não nutriam, mas talvez nem a si mesmos. A terra era tudo, mas quebrada e seca já não era nada. Partiram sob as promessas da vida melhor na capital. Mesmas promessas feitas a todo povo simples que vive sem medo de sol a sol. Levaram roupa do corpo e sonhos.
Entretanto, o que a vida espera a cada um só está no livro do fado. Nenhum homem nunca pode ler e nem mesmo a pureza do coração de um trabalhador salva cada um do que lhe é escrito. O caminho foi torto. Na estrada chovia. O ônibus que levava os trabalhadores não passava há tempos por manutenção. Ele bateu. Joaquim morreu. Levou sua família com ele junto da pergunta:-Foi pelos Céus ou pelos Homens?
Não choveu noite passada.
Não chove há tempos.
Mas nessa noite choveu.
A vida de Joaquim pagou pelo preço da falta e do excesso, no entanto nunca foi esse o seu fim.