CHEIRO DE DEUS

Doutor Afonso Ribas, advogado aposentado, homem de posses e muito generoso era dono da Fazenda do Coqueiral, jamais em dia de colheita, deixava de pedir ao Padre Eusébio que celebrasse uma missa em agradecimento e nesta fazia questão que todos participassem. Este ano para alegria do anfitrião, sua filha Mariana e a neta Izadora de apenas cinco anos, também participariam do grande evento. Finalmente depois de tanto tempo pode conhecer a neta pessoalmente, só a via pela internet, pois viviam em Londres, onde o pai Ricardo Moreira Júnior, médico afamado era muito solicitado por ser um grande cirurgião plástico.

Com a chegada da filha e da neta, Afonso mudou um pouco a rotina de sua vida, porém pode perceber como Izadora era esperta e alegre. Ele lhe contava estórias e ela ria sem parar sempre pedindo para repetir ou contar outras. Em um desses dias, começou a lhe contar a estória de como o mundo foi criado e a menina ficou pensativa e depois perguntou a ele:

__ Vovô quem é Deus?

__ Você não sabe quem Ele é?

__ Não. Ninguém nunca me falou nada Dele?

__ Nem sua mãe?

__ Nem mamãe.

__ Minha menina, depois da missa no dia da colheita eu vou lhe contar quem é Ele?

__ E o que é missa vovô?

__ Você nunca participou de uma missa Izadora?

__ Não, acho que em Londres não tem missa não.

Afonso ficou apreensivo diante do diálogo que teve com Izadora, sorriu para a neta, a entregou aos cuidados da babá deu-lhe um beijinho e saiu a procura da filha. Ao encontrar Mariana na varanda da frente foi logo falando:

__ Mariana, filha, precisamos conversar.

__ Sim. Pode falar papai.

__ Mariana andei conversando com Izadora e ela me disse que não conhece nada sobre Deus, nem missa ela sabe o que é.

A filha se corou de vergonha e sem encarar o pai olhou para um ponto distante e desconversou:

__ Sabe o que é pai, eu e Ricardo trabalhamos muito e não temos tempo para essas coisas. Ficamos cansados. A vida lá fora é diferente. Não é tão sossegada quanto aqui.

__ Minha filha, isto é uma desculpa muito da deslavada. Me desculpe.

__ Olha pai, não quero escutar sermão.

__ Filha te criei com todo amor. Sempre te ensinei a amar a Deus e ao irmão. Te ensinei a partilhar e olha o que está fazendo com sua filha. Está tudo errado, como viver sem Deus? Como conquistar as coisas sem Deus?

__ Pai, Deus não me deu nada. Se quero tenho que trabalhar. É desse jeito que ensino a Izadora.

__ Realmente Deus não nos dá nada. Ele simplesmente nos oferece o dia para levantarmos e trabalharmos e a noite para descansarmos. Ele põe diante de nós a paz e a guerra, nós é que optamos em escolher o que melhor nos apraz. Ele nos deu livre arbítrio, somos seres livres e não escravos, por isso somos diferentes. Não deixe que a soberba e a fama de seu marido a iludam. Tudo isso passa minha filha. Tudo passa. Só Deus não passa.

Mariana não conseguia olhar para o pai e este e se retirou com lágrimas nos olhos.

Os dias se passaram e numa linda manhã de setembro os primeiros raios de sol despertavam todos na fazenda do Coqueiral. Era dia intenso, de muita lida no campo. O ano havia sido bom, a colheita era tudo para aqueles homens e mulheres que entre um sorriso e outro agradeciam a Deus por estarem ali. Doutor Afonso, Mariana e Izadora, se assentaram na primeira fila para participarem da missa campal celebrada por padre Eusébio. Afonso prestava atenção a todos os gestos de Izadora, ela nem piscava, ouvia tudo em silêncio. Durante o sermão, padre Eusébio falou de como Deus fez todas as coisas, do imenso amor que Deus nutria por seus filhos, mesmo aqueles que o havia abandonado. Neste momento, Afonso olha para a filha, que como uma estátua de pedra, não moveu um músculo sequer. Uma profunda tristeza o invadiu, mesmo assim prosseguiu firme e esperançoso de que algo bom aconteceria ali. Ao término da missa, todos lancharam e foram para a batalha, padre Eusébio ainda ficou mais um tempo na fazenda conversando com Afonso. Quando mencionava ir embora Mariana chega com a pequena Izadora que chorava de soluçar. Afonso vai ao encontro da neta e lhe pergunta:

__ O que tem minha pequena?

__ Sou a única que não conhece Deus. Ele fez tudo... Ouvi o padre Eusébio falando, fiquei pensando e me deu uma vontade de chorar.

__ Pare com isso minha filha, a mamãe já lhe explicou tudo.

__ Não mamãe, a senhora nunca me falou sobre Deus.

Padre Eusébio olhou para Mariana interrogativo e procurou solucionar o problema da pequena Izadora.

__ Izadora minha criança, você quer mesmo conhecer Deus?

__ Sim padre Eusébio é o que eu mais quero. Vovô disse que depois da missa me falaria dele. Aprendi um pouco ouvindo o senhor falar. Mas quero saber mais.

Padre Eusébio a pegou pelas mãozinhas, enxugou-lhe as faces rosadas e a pôs em seu colo e muito pacientemente foi contando toda a estória para Izadora que o ouvia atentamente.

Em um certo momento padre Eusébio disse a Izadora:

__ Sabe minha menina, Deus tem até cheiro.

__ Como assim?

__ Como você que tem cheiro de moranguinho colhido na hora. Este é o cheiro de Deus em você.

__ Entendi, se Deus está presente em tudo e em todos como o senhor me ensinou, Ele tem a mesma forma e o mesmo jeito do outro, não é isso?

__ Isso mesmo. Você aprende rápido mocinha.

Mariana e Afonso ouviam tudo calados e pensativos a seus modos. Depois da aula de catecismo, padre Eusébio sentiu o cheiro de comida vindo da cozinha e disse alegre:

__ Que cheiro Deus tem agora Izadora?

__ Cheiro de comida fresquinha feita pela Tonha. Hum, deve tá uma delícia esse Deus.

Mariana não aguentou e entre lágrimas e risos abraçou a filha. Afonso por sua vez abraçou as duas e padre Eusébio os abençoou.

Vania Morais
Enviado por Vania Morais em 13/02/2010
Reeditado em 13/02/2010
Código do texto: T2085681
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