Texto para o dia de uma interrompida história de amor.
Alexandre Menezes
Estava sentado. Junto a sua atitude de permanecer ali próximo ao desenho contornado no chão estavam uma carteira de cigarros, que logo acabaria, e uma antiga fotografia. Questionava-se, todo o tempo, sobre o sentido da vida. Pensou em várias besteiras após àquelas marcas. Não conseguia chorar.
Esperou todos saírem para aproximar-se do local. Tinha medo e vergonha de só então admitir que gostava e ser visto como um grande hipócrita. Passara tanto tempo para assumir seus sentimentos e, na exata noite, com flores em mãos e frases pensadas, viu-se perdido sem saber e ter o que fazer. O sonho terminava naquele lugar.
Entrou em desespero. Pegou o resto do giz que a definira e quis marcá-lo ao seu lado. Pensou em cortar-se para serem sangue do mesmo sangue. Voltou a si e acendeu outro cigarro. Tragava como se quisesse estourar os pulmões. Olhava para toda cena e não queria acreditar no que havia restado como lembrança.
Sentou-se sobre os calcanhares e enfim começou a chorar compulsivamente. Suas lágrimas clareavam as marcas que em seguida eram retocadas com o giz. Fizera isso inúmeras vezes. Seus dedos acariciam o asfalto desenhado enquanto fantasiava o corpo de quem havia desejado. Fazia com tanto carinho que parecia loucura. Nenhuma palavra era pronunciada.
A imagem sorridente da fotografia o cortava a alma. Fizera tanto esforço para consegui-la e aquele sorriso, bem como quem o dera, estava perdido para sempre. Tentou desenhar uma réplica no desenho do asfalto, mas não dava para assemelhar. Com os olhos fixos ao retrato, buscava entender por que tudo havia acabado de forma tão triste.
Providenciou outra carteira de cigarros. Tentativas falhas de escrever seus nomes dentro de um coração com a fumaça que soprava. Tomava muito cuidado para que as cinzas não tocassem o chão. Improvisou um cinzeiro. Para o solo, entendido por ele como sagrado no momento, pétala por pétala era arrancada das flores para preencher o interior do desenho. Tudo cuidadosamente.
Cada pétala representava um sonho que nunca iria realizar. Entristecera-se por não ter chegado a tempo, mas não acreditava conseguir mudar a história caso tivesse ocorrido. Talvez prorrogar apenas. Uma pétala, um sonho não realizado e uma lagrima: era essa a proporção dos fatos. Sentia-se frustrado por decisão alheia. Ela havia decidido o fim da própria história e mudado o rumo da sua vida.
O giz acabara e não mais conseguia retocar as marcas. Seus olhos e mãos continuavam a passar no local. O vento levava quase todas as pétalas e os sonhos restantes não faziam mais sentido. Apenas ficaram as ainda presas ao plasma coagulado. Implorava que o vento também levasse todos os planos idealizados.
Tentava, mas não conseguia conter o choro. Olhava para o alto e imaginava seu mais belo sonho de garoto despencando daquela altura. Fechava os olhos na tentativa de nada mais imaginar. Pensava que o último sonho era tão incerto como a penúltima lágrima. Pegou o último cigarro e, antes de acendê-lo, tirou seu agasalho e cobriu as marcas e pétalas restantes como representação do cuidado que não pôde ter. Olhou para a fotografia, deu um sorriso triste e a pôs no bolso.
Ascendeu o cigarro, pegou o cinzeiro improvisado e saiu tragando como se, definitivamente, quisesse rasgar os pulmões por ver seu maior e secreto sonho exterminado. No próximo dia todos saberiam o que havia acontecido. Além de algumas pessoas terem o reconhecido, o agasalho e o seu dono eram bastante populares. Seu rosto também não esconderia a tristeza do segredo divido, até então, com o plástico interno do caderno e com um porta-retrato.
Seguiu enxugando as lágrimas sem olhar para trás. Não conseguia secar os olhos, mas não olhou para trás. Evitou ver, à distância, a altura de onde tudo acabara sem ao menos dizer um adeus. Fumou o cigarro até o filtro e, bem distante, jogou as cinzas foras. Seguiu tentando pensar somente em parar de fumar.
Texto escrito em 1999 sobre cenas de 1997.