AS LAGARTIXAS COLORIDAS
A aposentadoria, para Seu Agenor, coincidira com a morte de Dona Margarida, com quem fora casado mais de quarenta anos. Por insistência de Salete e Socorro, suas filhas, ele vendeu a pequena loja, a casa e o sítio. Resolveu morar em Natal, onde há alguns anos as suas filhas estudavam e trabalhavam.
Comprou uma modesta casa no bairro do Alecrim. Com mais de quinze anos de construída, tinha uma sala, um corredor, dois quartos, a cozinha e um banheiro. Como vizinhos, tinha do lado direito uma loja de peças de automóveis e do lado esquerdo um velho armazém, sem funcionar há alguns anos. Nos fundos, o muro muito alto não deixava ver que funcionava uma oficina de automóveis. Pela vizinhança, dá para se ter uma idéia do sofrimento, causado pelo isolamento, que teria que passar o velho sertanejo, habituado a sentar-se na calçada e conversar com os vizinhos durante longas horas.
O quintal era amplo, tendo como principal atração uma frondosa tamarineira. Seu Agenor descobriu facilmente uma forma de armar a sua rede, com o auxílio de duas cordas que a prendiam nos galhos. Para afastar o ócio, ele preparou uma grande horta, cuidando de todos os detalhes. Era agricultor nato, aprendera desde criança os segredos das plantas. Grande parte do período da manhã era dedicada a esse empreendimento.
No período da tarde, deitava-se na rede, sob a tamarineira, e seus pensamentos fluíam, numa certa ordem cronológica: primeiramente relembrava a infância; depois, a juventude; e, por último, os recentes acontecimentos que surgiram em decorrência da morte de Margarida, vítima de enfarte agudo do miocárdio. A saudade de Caraúbas, onde praticamente viveu todos os seus 75 anos, quase que não o deixava, fazendo rolar cristalinas lágrimas dos seus cansados olhos de sertanejo. O humor alternava estes momentos de tristezas com alguns momentos de alegrias, quando se lembrava das façanhas ou fatos engraçados do passado.
Numa tarde de sábado, Salete e Socorro ocupavam-se da faxina semanal, quando Seu Agenor vindo do quintal, pasmo, chega à porta da cozinha e diz:
- Minhas filhas, eu vi umas lagartixas coloridas no muro. Tinha uma vermelha, duas azuis e uma amarela.
Elas correram admiradas com a atitude do pai e ao chegarem ao quintal, nada viram. Depois, Socorro comentou com Salete o ocorrido, atribuindo à solidão e à tristeza a causa das inexistentes lagartixas de cores variadas.
Na segunda-feira, elas conversaram muito com o pai e, depois de muita insistência, conseguiram levá-lo ao médico, para uma consulta psiquiátrica. Perante o médico ele reafirmou tudo. O psiquiatra o ouviu atentamente durante alguns minutos e depois confidenciou às filhas tratar-se de alucinações visuais, que eram manifestações psíquicas em decorrência de arteriosclerose cerebral. Sugeriu acompanhamento médico permanente, sendo providenciado o internamento numa casa de saúde de doenças mentais.
Os dias passaram e Seu Agenor, sob o efeito de psicotrópicos, caminhava lentamente e conversava exclusivamente o necessário. Não conseguia entender o porquê de se encontrar ali. Resignado, esperava a habitual visita diurna das filhas que o confortava. Elas, por sua vez, retornavam para casa com os olhos lacrimejando de comiseração pelo amado pai.
Havia já duas semanas da ausência de Seu Agenor naquela casa. O silêncio era quase absoluto. Salete cuidava da cozinha enquanto Socorro executava sua nova tarefa: cuidar das hortaliças.
Numa manhã, o inesperado aconteceu enquanto Socorro cuidava da horta.
- Salete, venha aqui rápida! - gritou Socorro, do quintal.
- O que foi que houve? - perguntou Salete, ofegante e assustada.
- Olhe ali no muro! - exclamou Socorro, apontando para o muro dos fundos.
Quando Salete olhou, para a sua surpresa, viu cinco lagartixas de diferentes cores. Perplexa, ainda encontrou forças para indagar:
- Será que também estamos loucas?
Decididas a desvendar o mistério, elas lançaram mão de uma escada para observar melhor o vizinho dos fundos. Enquanto Salete permanecia no solo, Socorro, com as pernas trêmulas, lentamente subia na escada. Quando chegou ao último degrau, viu que se tratava de uma oficina de pintura de automóveis. Observou alguns pintores que, num clima descontraído, disparavam com pistolas, jatos de tinta sobre as lagartixas que tinham a infelicidade de transitarem pelo muro naquele momento.
Atingidas por um fulminante sentimento de culpa, as duas filhas partiram apressadas para a clínica psiquiátrica, com a finalidade de trazerem de volta o pai.
Seu Agenor, com sua candura, as recebeu feliz e, sem qualquer vestígio de rancor, retornou ao lar abraçado às duas filhas, ainda sob efeito medicamentoso.
A aposentadoria, para Seu Agenor, coincidira com a morte de Dona Margarida, com quem fora casado mais de quarenta anos. Por insistência de Salete e Socorro, suas filhas, ele vendeu a pequena loja, a casa e o sítio. Resolveu morar em Natal, onde há alguns anos as suas filhas estudavam e trabalhavam.
Comprou uma modesta casa no bairro do Alecrim. Com mais de quinze anos de construída, tinha uma sala, um corredor, dois quartos, a cozinha e um banheiro. Como vizinhos, tinha do lado direito uma loja de peças de automóveis e do lado esquerdo um velho armazém, sem funcionar há alguns anos. Nos fundos, o muro muito alto não deixava ver que funcionava uma oficina de automóveis. Pela vizinhança, dá para se ter uma idéia do sofrimento, causado pelo isolamento, que teria que passar o velho sertanejo, habituado a sentar-se na calçada e conversar com os vizinhos durante longas horas.
O quintal era amplo, tendo como principal atração uma frondosa tamarineira. Seu Agenor descobriu facilmente uma forma de armar a sua rede, com o auxílio de duas cordas que a prendiam nos galhos. Para afastar o ócio, ele preparou uma grande horta, cuidando de todos os detalhes. Era agricultor nato, aprendera desde criança os segredos das plantas. Grande parte do período da manhã era dedicada a esse empreendimento.
No período da tarde, deitava-se na rede, sob a tamarineira, e seus pensamentos fluíam, numa certa ordem cronológica: primeiramente relembrava a infância; depois, a juventude; e, por último, os recentes acontecimentos que surgiram em decorrência da morte de Margarida, vítima de enfarte agudo do miocárdio. A saudade de Caraúbas, onde praticamente viveu todos os seus 75 anos, quase que não o deixava, fazendo rolar cristalinas lágrimas dos seus cansados olhos de sertanejo. O humor alternava estes momentos de tristezas com alguns momentos de alegrias, quando se lembrava das façanhas ou fatos engraçados do passado.
Numa tarde de sábado, Salete e Socorro ocupavam-se da faxina semanal, quando Seu Agenor vindo do quintal, pasmo, chega à porta da cozinha e diz:
- Minhas filhas, eu vi umas lagartixas coloridas no muro. Tinha uma vermelha, duas azuis e uma amarela.
Elas correram admiradas com a atitude do pai e ao chegarem ao quintal, nada viram. Depois, Socorro comentou com Salete o ocorrido, atribuindo à solidão e à tristeza a causa das inexistentes lagartixas de cores variadas.
Na segunda-feira, elas conversaram muito com o pai e, depois de muita insistência, conseguiram levá-lo ao médico, para uma consulta psiquiátrica. Perante o médico ele reafirmou tudo. O psiquiatra o ouviu atentamente durante alguns minutos e depois confidenciou às filhas tratar-se de alucinações visuais, que eram manifestações psíquicas em decorrência de arteriosclerose cerebral. Sugeriu acompanhamento médico permanente, sendo providenciado o internamento numa casa de saúde de doenças mentais.
Os dias passaram e Seu Agenor, sob o efeito de psicotrópicos, caminhava lentamente e conversava exclusivamente o necessário. Não conseguia entender o porquê de se encontrar ali. Resignado, esperava a habitual visita diurna das filhas que o confortava. Elas, por sua vez, retornavam para casa com os olhos lacrimejando de comiseração pelo amado pai.
Havia já duas semanas da ausência de Seu Agenor naquela casa. O silêncio era quase absoluto. Salete cuidava da cozinha enquanto Socorro executava sua nova tarefa: cuidar das hortaliças.
Numa manhã, o inesperado aconteceu enquanto Socorro cuidava da horta.
- Salete, venha aqui rápida! - gritou Socorro, do quintal.
- O que foi que houve? - perguntou Salete, ofegante e assustada.
- Olhe ali no muro! - exclamou Socorro, apontando para o muro dos fundos.
Quando Salete olhou, para a sua surpresa, viu cinco lagartixas de diferentes cores. Perplexa, ainda encontrou forças para indagar:
- Será que também estamos loucas?
Decididas a desvendar o mistério, elas lançaram mão de uma escada para observar melhor o vizinho dos fundos. Enquanto Salete permanecia no solo, Socorro, com as pernas trêmulas, lentamente subia na escada. Quando chegou ao último degrau, viu que se tratava de uma oficina de pintura de automóveis. Observou alguns pintores que, num clima descontraído, disparavam com pistolas, jatos de tinta sobre as lagartixas que tinham a infelicidade de transitarem pelo muro naquele momento.
Atingidas por um fulminante sentimento de culpa, as duas filhas partiram apressadas para a clínica psiquiátrica, com a finalidade de trazerem de volta o pai.
Seu Agenor, com sua candura, as recebeu feliz e, sem qualquer vestígio de rancor, retornou ao lar abraçado às duas filhas, ainda sob efeito medicamentoso.