A HORA FINAL

Pelas ruas desertas, perambulavam cachorros sujos, magros e desorientados. Não podiam ser classificados como uma ou mais matilhas. Os gatos se empoleiravam pelos muros e até se misturavam com os cachorros, havia por assim dizer, um elevado grau de indiferença e tolerância. Ratos mortos com enxames de moscas metálicas a consumirem suas carcaças. Os gatos as evitavam.

As árvores todas como que esqueletos em fila, apresentavam um espetáculo deprimente, sem uma folha sequer. Esqueletos altos e disformes com seus galhos e ramos nus.

O vento rodopiava papéis, folhas das árvores, sacos plásticos, que em geral se amontoavam nos becos fétidos e escuros.

As portas e janelas das casas abertas batiam ao sabor do vento, umas fechavam para sempre, outras teimosas continuavam a ranger e bater.

Casas abandonadas, sem um único sinal vida. Mas o sistema elétrico continuava a funcionar normalmente. As casas providas de sistemas automáticos de iluminação agora mantinham todas as lâmpadas acesas. Estranha a situação, pois não se tinha noção das horas, e o céu aparecia enevoado com uma cor amarela escura, o que provavelmente fazia com os sistemas automáticos acendessem as lâmpadas, não só das casas, mas também das ruas.

As unidades geradoras de energia elétrica continuavam a produzir energia. Os softwares se encarregavam de tal missão, em caso de falha humana.

Os hospitais com suas luzes de emergência e atenção continuavam abertos. Nas UTI’s os aparelhos de monitoramento dos pacientes, apresentavam uma situação retilínea, os pacientes todos mortos, assim como por todos os demais leitos. O corpo de enfermagem que fora fazer uma refeição encontrava-se caído sobre as mesas, com seus rostos mergulhados nos pratos. Outros pendiam sobre o ombro do parceiro vizinho. Não havia neste caso um mau cheiro, originário de putrefação cadavérica, o mesmo ocorrendo com os pacientes nos leitos. Nas salas de cirurgia a situação era mais assustadora, o corpo médico de cirurgiões em várias salas, com seus pacientes sendo operados, com cavidades abertas, apresentava uma situação digna do Inferno de Dante. Cadáveres aos poucos iam se desidratando, como que murchando.

Nas escolas a situação era de uma tristeza total. Crianças que antes sentadas no chão, em círculos, agora jaziam tombadas uma ao lado da outra.

O céu não tinha uma definição de cor. Era só amarelo escuro. Como calcular as horas? Nenhum relógio funcionava. Pelo menos dos digitais. Nas ruas os relógios que marcavam as horas e as temperaturas, simplesmente estavam apagados.

Nos aeroportos, a situação era mais horrível ainda. Alguns aviões na fila para decolagem, ali estavam estacionados, com todos os passageiros e tripulações mortas. Outros que tentavam pousar, simplesmente caíram e se destroçaram no encontro com o solo. E aqueles que decolaram idem.

Era como se em um determinado a vida na terra, tivesse marcado hora para terminar.

Não havia um ser humano sequer em qualquer local.

Prédios sem vida, shopping center’s com suas lojas iluminadas e seus mortos caídos pelos corredores e áreas de alimentação. Nos cinemas os namorados de mãos dadas, abraçados, todos os mortos.

Uma coisa chamava a atenção. A água que saia das torneiras apresentava uma cor violácea. As fontes das praças também. Mas as águas vindas das fontes naturais, dos rios e lagos eram mais claras e cristalinas.

Nas praias, a claridade das águas era tão grande que se podia ver o fundo, com alguns pequenos peixes a nadar.

A vida aquática continuava normalmente e até com mais intensidade.

O que chamava a atenção era no encontro das águas dos rios com as águas do mar. Ocorria como que uma ebulição constante, que se podia notar de forma ininterrupta.

Não havia aves nos céus. Pombos, pardais, tico-ticos, corvos, aves marinhas não mais existiam.

Nas fazendas as vacas mugiam de dor, por não terem sido ordenhadas. Perambulavam pelos pastos como que desorientadas, em busca dos seus donos. Nos aviários os frangos morriam por falta de alimentos. Um canibalismo geral tomava conta do ambiente.

Os jardins não tinham flores e tão pouco folhagens. Desertos e sem vida. Em alguns bancos podia se encontrar pessoas que ali foram apreciar o movimento ou descansar. Agora descansavam para sempre.

O sistema de transporte trens dos metrôs abarrotados de trabalhadoras e trabalhadores proporcionavam cenas indescritíveis. Um sistema automático de monitoramento, não permitiu que ao chegarem ao final da linha, viessem a se chocar com anteparos. Simplesmente paravam e para sempre.

E então ocorreu o esperado ou quem sabe o inesperado.

Acordei de um pesadelo horrível e prometi a mim mesmo, nunca mais comer feijoada à noite e ir dormir.

Ainda bem...

ROMÃO MIRANDA VIDAL
Enviado por ROMÃO MIRANDA VIDAL em 09/02/2010
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