O tempo do fim
Um dia, o pai lhe revelou que ela não tinha dentes. Só um monte de tufos de cabelos que escorriam feito líquido do topo da cabeça, trazendo um certo ar misto de alegria e contemplação para quem observasse. Ela sorriu e perguntou o quê mais? Ah, sei lá, disse o pai. Acho que você tava quente. Você sabia disso. Acho também que você devia achar tudo tedioso porque tudo dentro da sua mãe era escuro e monótono. Mas ali, no quarto da maternidade, mesmo com sua mãe morta, você sabia que estava segura. Caralho!, exclamou ela.
O pai pegou a bituca do cinzeiro, acendeu-o e pôs a despejar fumaça no ar: Sabe, depois de um tempo relutante, eu comprei um andador velho e feio, branco e desbotado. Ele tinha uns focinhos, umas caras de plástico remetendo-se a uma vaca, uma galinha, um cão e um gato. Você era tão nerd que tinha a extrema e peculiar perspicácia de apertar todos os botões de uma vez: miau, muuuuu, au au, có có có. Era o dia inteiro, meu Deus! O pior é que eu não tinha o número do SAC pra poder reclamar com o fabricante. Ou eu não cheguei a vê-lo, sei lá.
Judy deu gargalhadas, descobrindo os dentes jovens e amarelados de alcatrão. Os olhos moviam-se rapidamente, como se quisessem se defender de algo que a incomodasse. Passou os dedos pelos cabelos aquáticos, a fim de recolocá-los atrás das orelhas furadas. Olhou para o pai e disse: Osmar, Seu Osmar. Eu te amo, cara. Agora responda-me, sim?, Por que meu nome assim, Judite? Judite, Judite, por que Judite? Ah, disse o pai, sua mãe achava bonito. Sabe como é, coisa de mulher. E tem mais, nem vem me perguntar o que significa, porque eu não sei. Vai no Google. Ou no Discovery Channel… haha.
eu
te
amo, minha filha.