Quando ele foi embora...
Fechou a porta, trancou todos os trincos que ele teimou em colocar, foi até o telefone, respirou fundo, ligou. Quando a mãe atendeu ela foi rápida:
- Mãe? Tudo bem?... Ele foi embora, não estamos mais juntos...
- Ora...Como foi embora?!... Indo...Sei lá prá onde, mãe...
- Levou tudo sim...
- Não precisa vir...vou trabalhar e lá pelas 19h passo por aí.
- Não se preocupe...Estou ótima...
- Tá...Tá...Tááá...Tudo bem.
- Beijo.
Desligou o telefone, apressou o passo entrou em seu quarto fechou a porta e meio aturdida ainda, encostou-se de costas na porta, naquele momento, seus últimos anos passaram vertiginosamente pela sua mente...momentos intensos de alegria, amor?!...não sei...talvez paixão, insegurança, muita tristeza, solidão, raiva engolida que machucava sua garganta e feria suas entranhas.... E agora?.... Sacudiu a cabeça como se esse gesto a voltasse para a normalidade da vida, tirou os sapatos, entrou no banheiro, ligou a água e enquanto a banheira enchia ...soltou os cabelos, foi desabotoando a blusa devagar e sorrindo pensou...Ninguém mais para reclamar da sua mania de não usar soutien... Tirou o resto da roupa, deu uma escovada no cabelo, prendeu-o no alto da cabeça e diante do espelho examinou-se bem e se sentiu satisfeita com o que viu... entrou na banheira e deixou que a água - toda cheia de espuma com suas bolinhas brilhosas - a abraçasse e a cobrisse toda...acomodou-se naquele colo, fechou os olhos e deixou que seus sonhos - onde não era ele quem lá estava - chegassem e foi escolhendo os que queria para naquele momento viver...
Ela não sabia desde quando e nem porque adquiriu aquele hábito de separar uns minutos em que se aconchegava fechava os olhos e se entregava a sonhos às vezes desvairados, às vezes consumistas, outras vezes familiares, profissionais e alguns até pornográficos mesmo (se ele imaginasse o que ela pensava nos momentos de absoluto silêncio dessa relação... Sorriu.)
Ela chamava de meus momentos, aqueles minutos onde era ela quem decidia tudo - o início, o meio e o fim de cada vontade...de cada desejo...-, ali era rainha...era amada do jeito que gostava, queria e imaginava..., ali dirigia até se cansar por estradas que só ela sabia onde iam dar..., ali revia seu passado (acrescentava coisas, tirava outras, enfim reescrevia tudo de que não gostava ou não queria lembrar) , vivia seu presente e projetava seu futuro... Exatamente como achava que seria feliz...
Sentiu frio...Saiu da banheira e sem se enxugar, enrolada apenas na toalha, ainda cheia de espuma, foi para o quarto, e em uma de suas gavetas, bem escondidinho, pegou seu vício...Foi até a cama, do lado em que ele dormia, ligou o som bem alto ( claro, um RAP cheio de sensualidade, exatamente como ele odiava...sorriu novamente, se ele imagina...), deixou a toalha cair acomodou-se por entre o território, antes só dele, pegou seu vício e acendeu-o ...espalhou cinzeiros - ele odiava - por todo o seu lado da cama e por lá ficou fumando seu cigarro ELLA -, dando imensas baforadas que logo, logo invadiram o quarto e um sentimento que não conseguia definir tomou-a por inteiro...era uma coisa boa, que a fazia sentir seu sangue pulsar e a esquentava toda... Era a liberdade, era a vida que voltava, ela tinha certeza disto...
(Maria Emilia Xavier)