CACHORRO DE RUA
Era inverno, um dia tenebroso de frio, numa sinaleira de uma cidade grande. Avistei aquele garoto de bermuda, chinelos de dedo e uma blusinha de manga surrada, que com certeza tinha ganhado de segunda mão.
A garoa fina que caia naquela manhã fria cortava os cambitos daquele pivete, que tentava vender seus doces para ajudar na renda familiar.
Todas as manhãs, seus pais lhe davam um severo recado antes de sair de casa:
- Se não trazer dinheiro não come, e por cima ganha uma sova, moleque!
Naquela manhã gelada, as pessoas iam para o trabalho com os carros de vidro fechados, ar quente ligado e preocupados com os seus afazeres. Enquanto isso, Francisco esperava o semáforo fechar para sair oferecendo seus os doces; mas naquela manhã os corações das pessoas estavam tão gelados quanto à temperatura.
O pivete ia de carro em carro, e nada de fazer uma única venda. Ainda por cima, os poucos que abriam os vidros, era para falar que não queriam, não tinham trocados ou para dizer que no mercado os doces estavam mais baratos. Mandavam lhe ir para escola, e reclamavam do governo.
Passada a hora do roche, o movimento diminuía, e com ele as esperanças de levar um dinheirinho para casa. Sabia se não levasse uma quantia razoável o pau pegava.
Lá pela dez da manhã, o seu estômago já estava roncando, mas não tinha conseguido uma moedinha se quer. Suas esperanças eram das 12:00 às 12:30, quem sabe venderia alguma coisa, mas naquela manhã só um casal com uma criança de uns 6 anos, lhe deram dois Reais ao passarem por ali, sem querer levar nenhum dos seus doce, pois foi o menino que pediu aos pais as moedas para dar ao amiguinho pobre. Ele as recebeu de suas mãos agradecendo.
Já era uma hora da tarde, aquelas moedas iria servir para almoçar. Foi até a lanchonete da rodoviária, e pediu um café e um sanduíche. Francisco estava em fase de crescimento, precisava se alimentar com comidas nutritivas, mas naquela manha, como em tantas outras, era o que tinha conseguido.
Outra vez ia esperar às 18:00 horas para ver se conseguiria uma graninha no retorno dos trabalhadores para casa. Quem sabe as pessoas estivessem mais sensibilizadas para comprar os seus doces, mas chegou á tardinha, a fome e o frio cortante foi aumentando e as vendas foram fracas.
Chegou em casa com apenas 7 Reais, com tablado de chocolate, balas e pirulitos pesando cem quilos machucando os ombros e com um pacote de pão dormido, que tinha ganho de um dono de padaria.
Seu pai estava a sua espera no portão, para pegar a grana do dia, com a cara cheia de cachaça. Tinha bebido fiado na venda do seu Helio, para pagar no fim do mês, quando recebia “O bolsa família” do governo, pois Francisco tinha três irmãos mais novos na escola.
Seu pai tinha lhe tirado porque já estava com 11 anos, tempo de ir para as ruas vender doces, pedir esmola... Se virar, pois não tinha posto filho no mundo para estudar e ficar em casa vadiando, esperando a comida cair do céu. Pensava ele: “Filho de pobre tem que começar a ver a vida dura desde cedo”.
- Quanto trouxesse hoje?
- Pai não deu nada, com esta chuva ninguém abre os vidros dos carros.
- Tu tas escondendo dinheiro seu moleque safado!
- Não pai, olhe aqui! E entregou os sete Reais e o saco de pão dormido. O pai foi batendo com o saco de pão no rosto, pegou um pedaço de pau e bateu nas pernas, na bunda e chamou de malandro e vagabundo. Francisco chorou muito antes de pegar um agasalho, o único que tinha, e fugir de casa. Pensou ele: já que eu levo uma vida de cachorro em casa, vou ser cachorro de rua.
Daquela data em diante, Francisco passou a viver nas ruas. Tinha dia que se alimentava três vezes, outros uma ou nenhuma. De tanto apanhar aprendeu a bater.
Com 15, anos foi recolhido das ruas e adotado por uma família de posses, que lhe deu carinho, um lar, estudos e hoje ele é um grande empresário de uma metrópole, onde existe centenas de semáforos com crianças vendendo Balas, laranjas para ajudar no orçamento familiar. Ele todas às manhãs passa por vários deles. Recorda das surras que levava, e do futuro que tiveram os seus irmãos que foram adotados pelas ruas.
2°final
Daquela data avante, Francisco pegou as três mudas de roupa que lhe pertenciam, pôs num saco com mais um agasalho e desapareceu no mundo. Até aos 23 anos de idade, a rua foi o seu lar.
Durante este período, ele apanhou e bateu muito da vida. Aprendera tudo que o mundo podia lhe ensinar. Fora adotado por um bando de pivetes pouco mais velho, que lhe ensinaram a fumar, roubar, trabalhar, comercializar drogas e a rezar; quando estivesse em apuros.
Mas nem sempre a sorte é companheira daqueles que tentam ganhar a vida nas vias faceeis. Francisco foi morto a tiros pela polícia num assalto a um banco.
Sua mãe o reconheceu pela tv, depois 12 anos sem noticiado filho. Falava ela que aquele rostinho era inconfundível, e quem iria contra a palavra de uma mãe? Há instinto mais aflorado?
Fim
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