A transformação de Crisálida
Infortúnios, quem pode esquivar-se deles? Existe coisa mais irônica do que a vida? Quando está tudo bem algo tem que acontecer para reverter a história, mas como escapar desse ingrato destino? Escapar acredito eu que não temos tal proeza, mas podemos escolher como reagir a esses acontecimentos e a aprender e sobreviver a eles, o leitor irá saber do que vos falo no decorrer da história que contarei.
Sete horas da manhã, todas as jovens bailarinas estão sentadas apreensivas aguardando a chegada da professora, afinal hoje será divulgado o nome da “felizarda” que ganhará a bolsa de estudos de ballet na Holanda, a professora Olivia entra na sala, todas acompanham cada passo, cada gesto que ela faz e finalmente diz:
- Bom dia meninas! Posso ver no olhar de cada uma de vocês a ansiedade, sei que o que eu direi aqui irá mudar completamente a vida de uma de vocês e sei também como isso é desejado por todas. Mas enfim, nós da Escola de Ballet Butterfly, após uma difícil escolha, decidimos que a bolsa de estudos irá para Crisálida!
Crisálida deu um pulo e um grito de alegria, mas a desaprovação foi geral por parte das demais presentes, não pelo fato dela não ser uma boa bailarina, pelo contrário todas sabiam que ela era a melhor e a mais bela, mas sim por ser uma pessoa mesquinha e sempre acreditar que está acima de tudo e de todos. Ao perceber a situação professora indagou:
- Sei que todas vocês almejavam essa conquista, mas porque não ficar feliz pela a nossa colega? Outras oportunidades aparecerão.
- Mas quem disse que eu preciso da alegria delas? – disse Crisálida voltando um olhar de soberania para todos ao redor – Eu acredito que seja muito difícil aceitar que eu sou melhor do que todas, não é para tanto que eu fui a escolhida!
Essa era Crisálida, uma jovem de vinte e três anos, nasceu em berço de ouro, sempre teve tudo o que desejava por parte dos pais, menos atenção e amor de uma família, tudo era substituído por bens materiais, e assim ela acreditava que era a vida: o que ela quisesse estaria aos seus pés e com dinheiro não lhe faltaria nada, pois tudo poderia comprar. Uma pessoa de poucos amigos, e esses poucos que conquistou foi apenas por interesse, carisma lhe faltava demasiadamente.
Hugo era umas das poucas pessoas que simpatizava por Crisálida, ele era filho da governanta da casa, tinham a mesma idade, cresceram juntos. Desde as brincadeiras de crianças Crisálida fazia dele servo de seu bel prazer, mas isso nunca o incomodou, o que lhe importava era estar ao lado dela, no inicio era apenas afinidade de crianças, ao passar do tempo esse sentimento foi se transformando e percebeu que a amava, mas como é de se esperar não era correspondido e guardava para si essa paixão platônica.
Crisálida chegou em casa radiante de alegria, em duas semanas embarcaria para Holanda e lá ficaria por dois anos, fazendo o que mais gosta, estudando e dançando ballet. Deu a noticia a seus pais e estes decidiram em fazer uma grande festa de comemoração na próxima semana.
Hugo acompanhou todo o acontecimento e decidiu que se declararia para Crisálida, pois essa poderia ser a sua única e ultima chance, por um segundo passou em sua cabeça o pensamento de que ela poderia se apaixonar por alguém na Holanda, e o pior, voltar casada, essa idéia o afligiu, e na primeira oportunidade que tivesse iria conversar com ela.
Durante a tarde a jovem moça iria fazer compras com suas raras amigas e quando estava no jardim preparando seu carro para sair apareceu então Hugo:
- Parabéns! Fico feliz por você!
- Ah! Você já sabe. Obrigada!
- Eu preciso falar com você, pode ser agora? – Disse o jovem com olhar acanhado
- Tudo bem, mas, por favor, seja breve, não tenho muito tempo para perder.
Após perceber tal indiferença, Hugo pensou em desistir, mas lembrou-se que essa era a última chance.
- Ao mesmo tempo que fico feliz,fico triste, por que sei que ficarei longe de ti, isso para mim é uma tortura. – Crisálida olhou com espanto para o rapaz. – Não sei se você percebeu, mas desde muito tempo sinto algo muito especial por você, algo além de uma simples amizade, e...
Então Crisálida o interrompeu com uma risada irônica e respondeu:
- Só me faltava essa: ouvir uma declaração do empregado. Não acredito que passou por sua cabeça que eu, sei lá, iria corresponder a esse seu amor. Bem, como eu te falei não tenho tempo para perder, não acredito que fiquei aqui ouvindo isso, pelo menos terei uma ótima piada para contar para as minhas amigas.
Ela arrancou com o carro e Hugo ficou estagnado observando atormentado por um sentimento de arrependimento e inferioridade.
Crisálida seguia dirigindo pela avenida principal, mas a cena anterior de alguma forma a comoveu, não imagina que alguém poderia ter um sentimento por ela naquela proporção, ainda mais Hugo, uma pessoa que constantemente era humilhado por ela e começou a lembrar dos momentos em que esteve com ele desde a infância na procura de entender aquele sentimento. De repente um caminhão em alta velocidade pela contramão choca-se com seu carro.
Crisálida ficou gravemente ferida, depois de dois dias desacordada na UTI retornou, mas recebeu a notícia que ficaria paraplégica, aquilo soou como a morte, pois seu sonho de dançar e ir para a Holanda acabará de ser estilhaçado e após isso isolou-se do mundo em seu quarto, durante semanas não aceitava a visita de ninguém, Hugo diariamente batia em sua porta mas era recusado pela moça.
Até que um dia foi vencida pelo cansaço aceitou a insistente visita, a imagem daquela moça soberba transformara em uma feição triste e abatida, a derrota estava inscrita em sua face, Hugo até então desconhecia aquela Crisálida e comovido a convidou para um passeio no jardim.
Era uma tarde de setembro o sol estava radiante, o jardim florido, Crisálida estava sentada em sua cadeira de rodas e Hugo permanecia em pé logo atrás , por muito tempo o silêncio pairou, ouvia-se apenas o canto dos pássaros nas árvores.
Crisálida observava as borboletas e então quebrou o silêncio:
- Felizes são elas, que podem voar livremente, não estão como eu presas para sempre!
- E você acha que elas sempre foram assim? – disse Hugo – As borboletas para chegarem a ser o que são um dia foram insignificantes larvas, depois estiveram presas na escuridão de um casulo, na crisálida, e assim em meio de uma transformação, na busca de um novo começo tornaram-se nessas lindas borboletas que vemos hoje.
Daí em diante todas as tardes Hugo e Crisálida passam juntos no jardim, algo mudava na jovem, tornara uma pessoa doce, aprendera a valorizar as coisas simples da vida: aquilo que não era comprado com dinheiro, mas ainda sim tinha um valor imensamente maior. E um sentimento novo nascia em seu coração, percebia em Hugo algo que não conseguia explicar, sim, ela estava apaixonada por ele e graça a todas essas mudanças a larva, saíra do breu da crisálida para transformar-se numa linda borboleta.
Crisálida descobriu uma nova forma de viver, percebeu que mesmo em outras condições poderia retornar a vida e ser feliz, entrou para o grupo de dança em cadeiras de rodas e após um ano casou-se com Hugo.