AS PROVAÇÕES DE JOÃO (Das cinzas à vitória)

João despertava cedo para ir ganhar o pão de cada dia. Seu trabalho era pesado, cortava pedra numa pedreira onde morava. Certa vez, depois de um dia de labuta, de muito sol, calor infernal, retornou para o seio do lar cansado, sem um Réis nos bolsos. Não tinha recebido de seu patrão o dinheiro das pedras que ele e seus companheiros tinham cortados durante a semana.

Seu cachorro Lingüiça veio recebê-lo no portão, com o rabo levantado pedindo comida. No quintal, avistou o seu filho mais novo vindo em sua direção, com a esperança de ganhar um pedaço de pão. Quando chegou mais perto, pode escutar o roído que saia do estomago do menino.

Entrou em casa e avistou a esposa deitada com dores horríveis, pronta para ir para o hospital, para ser internada talvez, mas ficava na cidade vizinha, a 17, 20 quilômetros dali.

João não tinha carro. Ônibus só passava três vezes por dia no seu bairro, e naquela hora, o último já tinha passado.

A filha mais velha pegou o mais novo no colo para tentar consolar a sua fome, dando um copo café com farinha e açúcar, enquanto ele largou a bolsa da garrafa térmica que levara para o serviço, e foi tomar um banho para levar a mulher para consultar com o Pe. Antônio Dias ou ir até a Itajaí. Depois teria que resolver a fome da família.

Pega o Balde para tirar água do poço, mas fazia tempo que não chovia, e quando desceu o balde até o fundo, descobriu de que estava seco..

Apelou ao vizinho, pedindo um balde d’água só para tirar a sujeira maior do seu corpo, e saiu para arrumar uma condição para levar a mulher até à casa paroquial.

Arrumou um Carro de Mola do Velho Jica emprestado, mas quando chegou na vila não encontrou o Pe. O jeito foi ir ou na Dona Osória, que morava na praia do Estaleiro, ou ir direto à cidade vizinha que ficava 17 quilômetros de distancia.

A mulher preferia ir a Dona Osória,uma famosa benzedeira que receitava garrafadas, mas já era muito tarde, o jeito era ir para ao hospital. Ficaram aguardando por horas para serem atendidos.

Entrando no consultório, o Dr nem olhou no rosto da paciente, foi logo perguntando os sintomas que ela tinha, e receitando um monte de remédio. João precisava ter crédito na farmácia para comprar. Mas graça a Deus! Crédito não lhe faltava no vilarejo onde morava, pois sempre honrou com os seus compromissos. Honestidade foi à herança que herdou de seu pai.

Por isso, sempre teve comida à sua mesa.

Voltando para a sua localidade, passou na farmácia de seu Barreto, que já estava fechada, mas mesmo assim foi atendido, e na vendinha de seu Andrônico. Explicou a sua situação, e conseguiu levar alimentos e os remédios da Margarita para a casa, prometendo pagar quando recebesse.

Ao deitar-se agradeceu a Deus, pois apesar de não ter recebido o pagamento da semana de trabalho, ter chegado em casa e visto seus filhos com fome, mulher enferma, falta d’água; mas tudo tinha sido resolvido graças aos vizinhos, e por sempre ter sido honesto com suas contas.

Nas suas orações, pediu saúde e forças para trabalhar no novo dia que nasceria amanhã.

Tinha a consciência de que a luta não seria fácil. Desde criança, a sua vida sempre fora de muitas labutas e sacrifícios. Era de família de classe baixa, herdara a profissão de seu, que por sua vez herdou de seu avô, mas que agora era hora de quebrar esta tradição hereditária.

Seus filhos mereciam um destino menos cruel. Teriam que estudar para ser alguém na vida, terem conforto e não correrem o perigo que tiveram seu avô e pai. O de morrer debaixo de uma pedra esmagado.

Sim, ele era órfão de pai e de avô, desde muito jovem, teve que sustentar a sua mãe e mais 5 irmãos mais novos desde seus 14 anos de idade.

Era um pré-adolescente com a responsabilidade de um adulto. O de colocar a comida dentro de casa, e o de ensinar aos irmãos a profissão de seu pai.

Estudar era coisa para os filhos de ricos da cidade. Em sua localidade, só restavam duas alternativas: ou ganhar o pão nas pedreiras ou ser agricultor. Plantar café, arroz, fumo ou hortaliças; mas seu pai deixara um terreninho de dois, três lotes no máximo, que mal dava de plantar dois pés de alfaces, criar duas, três galinhas, uns porquinhos, umas mandiocas para fazer farinha para o consumo familiar.

Quando tinha seus dezoito anos, conhecera Margarita. Donzela formosa, de uma beleza singela, que logo lhe encantou.

Foi numa “Festa do Divino”, na Igreja da Barra. Estava ele no aviãozinho tentando ganhar um acolchoado para presentear sua mãe, quando viu aquela “deusa dos Olímpio” se aproximando para lhe vender os bilhetinhos da rifa principal da festa.

Aquele sorriso o encantou, levando a se apaixonarem no primeiro olhar. Mas por ter tão grande formosura, achou que deveria ser filha de algum coronel, político ou manda chuva do vilarejo, João achou de que não teria a menor chance; mas se enganara. Margarita era filha órfã de Sinhar Cartuxa, que quando nova, tivera uma aventura amorosa com um caixeiro viajante que apareceu algumas vezes por aquelas bandas só de passagem. Tendo como destino a capital do estado.

Numa noite, não tendo pousada na pensão de Dona Cacilda, hospedou-se no salão de baile “Natal” do avô da formosa Margarita. Falam que daquela noite em diante, ela não fora mais a mesma. O fogo da paixão incendiou seu coração, que até então batia no compasso normal, de moça camponesa que estava despertando para a vida.

Aquela menina-moça, que ainda falava com suas bonecas, encantou-se por aquele viajante que lhe mostrou o lado doce da louca paixão de uma noite apenas.

Após a ceia, foram todos para os seus quartos, enquanto que o tal viajante fora se acomodar no salão de baile. Numa cama improvisada que a esposa de seu Richard Vieira lhe preparou.

Durante a refeição, os olhares dos dois não paravam de se encontrarem. Quando todos já estavam deitados, Sinhazinha Captuxa levantou-se pé por pé, abriu a janela de seu quarto na esperança de ver por mais uma vez, aquele que tinha acendido o fogo da paixão em seu coração.

Por coincidência ou desígnios de Deus, destino, ou por puro acaso; ele estava noutra janela a olhar para a noite. Quando seus olhos se encontraram, Sinhazinha Captuxa abaixou os seus de timidez. Ele por sua vez, deu o primeiro passo ao encontro daquela aventura, indo até a janela da donzela. Ali começaram uma longa conversa que resultou o nascimento da menina Margarita, após nove meses.

Ele retornou naquele vilarejo durante a gestação da daquela donzela umas três vezes, mas não estava presente no nascimento da filha.

Sinhazinha Captuxa, por sua vez, não agüentando mais de paixão e a saudade dele; deixou sua filha completar um ano, a desmamou, e foi atrás de seu amado; pois quando seus pais souberam da sua gravidez, a colocaram para fora de casa.

Fora trabalhar de doméstica na casa de uma família de Espanhóis, e por causa disso, depois de sua partida, eles registraram a criança, dando o seu sobrenome. Foram poucas às vezes que souberam noticias da mãe da menina. Nunca voltou para ver a filha, que foi criada por sua família adotiva com muito amor; pois tal casal não teve a sorte de ter filhos de sangue. Por causa deste fato, eles a criaram com muito carinho.

Seu pai era um dos três barbeiros do vilarejo, não tinha muita posse. Contam que o “Velho Espanhol” veio a passeio para o Brasil e nunca mais teve condições financeiras para retornar ao seu país. Morreu com o sonho de retornar para a Espanha, como tantos outros milhões de europeus, africanos, orientais que adotaram o Brasil como a sua segunda pátria.

Quando João conheceu a sua amada, ela tinha acabado de perder o pai num acidente de carro. Sim, apesar daquele tempo, 1920, ter poucos carros circulando na cidadezinha, num dia de festa pela inauguração de uma ponte na estrada geral de seu município, que era passagem principal para ir à capital do estado. O prefeito Benjamim Vieira, depois das festividades, acompanhou a comitiva do governador até na divisa com o município vizinho. Quando retornavam, o carro se perdeu encima da ponte, e foram parar no rio.

O Espanhol era o motorista, morreu na hora. Já o Benjamim Vieira faleceu após alguns dias.

Conta à história, que quando o Governador Hercílio Luz soube do acontecido, pegou o seu medico particular e retornou à cidade para salvar o prefeito, mas aqui chegando, nada puderam fazer, a não ser esperar por três dias a sua morte.

Benjamim Vieira era popular, fora mandatário do município por 19 anos. Seus filhos Hermínio Irineu e Flávio Vieira, também foram mandatários. O primeiro o sucedeu depois de 2 ou 3 dias de sua morte, finalizando a gestão de seu pai e se reelegeu. Em 1932, Flávio assume o poder. Foram trinta anos que o município esteve nas mãos dos Vieiras.

Margarita quando nova, era muito letrada. Lia muitos romances de cavalaria, histórias de príncipes e princesas. A família que a criou não tinha muitas posses, mas se preocupava com a educação de sua filha. Chegando a contratar um professor para alfabetizá-la antes mesmo de freqüentar os bancos escolares. Quando começaram a namorar, ela alfabetizou seu marido João, que até então não se arriscava nem a escrever o seu nome.

Passado alguns anos, João ainda levava a vidinha de sempre, cortando pedra, pagava as contas com muito sacrifício, horas tinha dinheiro para comer, horas em sua mesa faltava o alimento para os seus filhos; mas nunca desanimou, pois sempre dava um jeitinho e não demorava a reverter

à situação.

Numa noite, Magarita colocou a vela que clareava o quarto perto da janela, era verão, e estava muito calor, a janela estava aberta, e de madrugada começou a ventar muito, até que uma hora a cortina bateu na vela e o fogo começou.

João deu uma virada na cama e percebeu o fogo. Pulou da cama berrando com a esposa.

- Margarita, levante rápido! Pegue as crianças, estar pegando fogo!

Ele pegou um dos filhos, ela o outro, e correram desesperados para fora, gritaram com os vizinhos: -Fogo! Fogo! Fogo!

Abraçado com a mulher e os dois filhos, ele viu sua casa ficar em cinzas.

O que já era difícil tornara quase impossível de continuar lutando. Sua casa era toda de madeira, vivia sonhando em construir uma de material, mas com o que ganhava, nem estava dando para sustentar a família.

João olhando o fogo consumindo o seu lar pensava: Até a alguns minutos atrás, eu e a minha família tínhamos um teto para morar, um leito para dormir.

Mas mesmo assim agradeceu a Deus por lhe terem salvado. Pois ali estava a sua maior riqueza. Sabia que daqui para frente tudo seria mais difícil, o que já não era fácil.

Foi chegando gente, amigos e lhe consolavam. Um de seus vizinhos que estava para mudar-se ali para o centro, pois ia abrir uma venda de secos e molhados, lhe ofereceu a casa para morar, até que a dele fosse reconstruída.

No outro dia, o padre e a pastoral da Ação Social, foram lhe fazer uma visita, lhe levando um sacolão e roupas para todos da família.

A rádio da cidade começou uma campanha para que a comunidade ajudasse a tal família. Em poucas semanas a nova casa de alvenaria já estava pronta e mobiliada.

João começou a vender a sua própria pedra sem intermediários, comprou um caminhão, depois outro, e foi crescendo a cada dia, a ponto de conseguir estudar os filhos.

Depois que aquela vela caiu na cortina de sua velha casa, nunca mais lhe faltou pão em sua mesa. Como na história da viúva de Sarepta, que nunca mais lhe faltou pão na sua mesa, depois que repartiu com um estrangeiro.(1RS 17.10-17)

FIM

LUIZ CLAUDIO GANDIM KAU
Enviado por LUIZ CLAUDIO GANDIM KAU em 30/01/2010
Código do texto: T2060244
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