VIVER DE SONHOS

Encontrar-se a só consigo mesma era seu maior problema, porque depararia, sem dúvida alguma, com aquela obsessão angustiante. Sentiria novamente todos os pormenores de seu sofrimento. Encontraria outra vez aquela sensação de vazio, de desamor, de carência de afeto. Sentiria também seu corpo vibrar ansiando carinhos, beijos há muito desejados, ansiar por sensações há muito esquecidas...

Porque viver na realidade? Para que enfrentar seu problema, se absolutamente ele não tinha solução? Somente para sofrer novamente? Apenas para ficar esquadrinhando o cérebro à cata de saídas, que afinal estavam todas fechadas?

Desde o princípio tudo acontecera de forma errada. Não sentira a solicitude natural de todas as noivas pelo casamento, nem a atração indispensável pelo homem com quem se casou. Ignorante nos assuntos do corpo e da alma, confundida em seus afetos, pensou ver na amizade sincera o amor necessário à união de duas criaturas e, de uma hora para outra, chegara o “grande dia”. Quase à véspera perguntou-se se de fato amaria o bastante para casar, mas os preparativos eram tantos, que não teve tempo para responder a si mesma essa pergunta. Fora o primeiro erro.

Depois, vieram os outros, em conseqüência lógica do primeiro. Calara-se, sofrendo e pensando esperançosa que o tempo arrumaria tudo. Vieram os filhos, alegrias maravilhosas que não conseguiram, porém, tirá-la da angústia em que vivia, precisando desesperadamente de amor e não suportando o amor que lhe coubera. Se é que aquilo poderia ser chamado de amor!

Separar-se? Não conseguia pensar nisso sem tremer. Sabia o que era crescer em lar desfeito, tendo de lutar contra a vida e todas as suas humilhantes situações de filha sem mãe. Não conseguia contar ao companheiro que queria separar-se, ele tentava de todas as maneiras auxiliá-la, levando-a a médicos especializados para que curassem sua frigidez. Submetia-se a ele e assim vivia periodicamente e com freqüência aquele seu tormento e constantemente sem amor.

Estava cansada de procurar soluções, atingira quase um esgotamento psíquico em busca de saídas. Era o seu problema, sua vida, seu sofrimento. Era olhar para dentro de si mesma e nada achar que lhe satisfizesse, encontrar somente uma mulher ávida de amor e sufocada de desejos.

Encontrar-se consigo mesma, sentir-se jovem, vibrante, cheia de entusiasmo, bela ainda, mas sem esperanças, bitolada pelas circunstâncias da vida, limitada em suas aspirações, premida pelos deveres, oprimida, angustiada, sem ideais, sem vontade mais de lutar. Sentia apenas muito sono, sempre o sono, aquela vontade de dormir e esquecer...E aí se pusera a sonhar...

Sonhar com o amor, imaginar mil pequenas maneiras de se sentir feliz, reviver ilusões da juventude, as insignificantes preciosidades de um afeto correspondido.

Tantos sonhos, tantas ilusões, tantas quimeras! Fechar os olhos e imaginar-se passeando satisfeita e feliz em caminhos já percorridos, acompanhada de uma presença cara e tranqüila, dar e receber tudo o que quisesse, satisfazer a carência de beijos, falar doçuras, confessar segredos, sussurrar amores, sentir perfumes já esquecidos, sentir até o calor de mãos dadas, o hálito de uma boca amada...

Tantos sonhos!

Viver de sonhos! Quem jamais pudera sobreviver de sonhos?

Mas eram os seus sonhos. Sua fuga à realidade como diriam e disseram os psiquiatras que a examinaram. “Não se pode viver de sonhos. É preciso enfrentar a realidade, ninguém soluciona coisa alguma fugindo”.

Sim, estavam certos, mas quem lhe ajudou a achar a solução? Quem lhe apontou uma saída? Quem poderia colocar à força em seu coração, um amor que deveria ter nascido espontaneamente? Quem conseguiu dizer-lhe: sinta, ame e viva feliz? Ninguém.

De tudo o que buscou, restou-lhe somente aquilo que lhe fazia sofrer. Buscou, sim, com esperança, vontade de curar-se, propósito de obedecer a tratamentos, tudo, tudo. E o que ficou foi somente um vazio, uma solidão, uma angústia. A desesperança foi se infiltrando vagarosamente em seu espírito, buscando perturbá-lo, confundi-lo e enlouquecê-lo.

Era uma fuga, mas também a única solução para não enlouquecer. Que importava que dissessem ser uma sonhadora, quando deveria ser mulher amadurecida e com “os pés no chão?” Que importava passar por aérea, distraída e muitas vezes ser preciso que a sacudissem para voltar à realidade?

Estava conseguindo manter o controle, havia muito não tinha atos impulsivos gestos imponderados. Conseguira sobreviver e estava viva!

Viva para sonhar, satisfazer-se de quimeras, de ilusões, de seus sonhos de moça, seu antigo amor renascendo em cada fantasia! O que mais poderia esperar? O tempo conseguiria sustentá-la no sofrimento, sem que mergulhasse na escuridão das neuroses?

Com o tempo poderia vir uma solução, não sabia qual, contudo só conseguiria esperar sonhando. Ver-se a só consigo mesma era um fantasma aterrador. Olhar para o futuro, uma estrada sem fim de mesmices, nenhuma esperança, nenhuma alegria, nenhum ideal era desesperador. Sempre a mesma coisa, os mesmos deveres: ceder, suportar e depois chorar...

Não, mil vezes não. Não agüentaria ver chegar devagarzinho a velhice, a decadência, o esmorecimento de suas fibras. Olhar para o futuro e nada ver, nada sentir. Nada esperar.

Então, apenas viver e sonhar...

Para cada vida uma solução: a sua era viver de sonhos...

Rachel dos Santos Dias
Enviado por Rachel dos Santos Dias em 30/01/2010
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