ATACA A SUJEIRA -*
E um telefone toca:
Trim, trim, trim.
E uma voz melosa ecoa pelo ambiente dúbio, onde fixado por uma corrente na parede, jaz uma caneta transparente mordiscada em sua ponta e pousada a um bloco de notas sujo e rabiscado numa mesa velha e despojada de qualquer vestígio de verniz. Encostada a ela uma cadeira almofadada se é que posso dizer isso, pois de tão usada seu tecido já havia se rompido há muito, deixando sair de seu interior pedaços do que haviam colocado ali para o conforto de quem a adquiriu há tempos, logo atrás tinha um arquivo de seis gavetas e uma mulher de algumas décadas já vividas que se espremia em uma mini saia marrom, e uma blusa azul abotoada somente na parte de baixo fazendo um decote que deixava amostra seios fartos em meios a cabeleira volumosa decorada com flores de plástico que faziam jus aos brincos gigantes e uma infinidade de pulseiras, brincos e correntes que sonorizavam seus movimentos expressados por uma maquiagem fortíssima, um conjunto que só ela poderia arquitetar, pois tamanho era o seu mau gosto, mas estava claro que se sentia a gata do ano e isso não me incomodou, mas quando esse carro alegórico abriu a ultima gaveta pude ver que dentro do arquivo tinha um casaco junto a prováveis documentos nada mais adequado para emoldurar o ambiente de trabalho, como a minha presença chamava sua a atenção ela não tinha o menor cuidado para se curvar de cima de suas botas de saltos altos, deixando amostras um par de coxas volumosas.
Atendendo ao telefone estava um rapaz com uma caneta dourada dentro do paletó cinza, eu atônito com o ambiente, mas sem opção de tempo para procurar outra agencia de domesticas perguntei ao rapaz:
— Vocês têm alguma diarista desocupada para hoje? A minha faltou e tenho uma certa urgência de uma substituta.
Em uma sala conjugada tinha uma mulher que aguardava de cabeça baixa a chance de trabalho, o rapaz jovem e de voz firme me diz com um sorriso:
— Esta no lugar certo! Temos a pessoa certa para você.
— Preciso que tenha responsabilidade.
Sinto no seu olhar a tentativa de responder a minha necessidade.
— Todas as nossas diaristas são responsáveis, idôneas e com atestado de saúde e alem disso temos referencias dos últimos patrões.
— Que bom eu preciso de uma que goste de crianças e que seja asseada, sabe como é, primeira filha e apesar da urgência quero a melhor possível.
— Nos temos uma com ótimas referencias.
— É asseada?
— Claro, apesar de ser morena, sabe como é bem escurinha.
— Por favor, eu não lhe perguntei a cor o que me interessa são suas qualificações profissionais.
— Mas tenho que lhe informar que ela é morena, pois muitos clientes exigem a cor da pele.
— Isso e crime racial.
— Pois assim não vai se surpreender. Não aceitamos reclamações.
— Quem esta me surpreendendo e você com essa conversa racista.
— Se quiser ela poderá ir agora se a cor não lhe incomodar. Quer ou não?
Olhei bem serio para ele, pois não conseguia acreditar que eu estava ali vivenciando aquilo e lhe perguntei.
— O senhor tem uma com os pés, pernas, braços e mãos verdes.
— Não com certeza (rindo), pois não acharíamos colocação para ela. Mão verde com certeza seria sujeira e pé, na certa, chulé.
— E uma que tivesse a barriga amarela?
— Impossível! Não colocamos profissionais doentes na casa de ninguém (querendo ser serio ou inteligente).
— E com o peito azul?
— Isso lembra surra de marido bêbado ai ninguém vai querer mesmo, é encrenca na certa (as gargalhadas).
— E com uma faixa branca no peito escrita ORDEM E PROGRESSO.
— Essa seria ideal para exportá-las e o que teríamos de melhor para faxina no primeiro mundo.
— E também com certeza para varrer do mapa gente igual a você. E quanto a essa profissional que esta ai, peça que vá lá em casa. E quanto a você! Tenha certeza que nunca mais lhe procurarei.
E o telefone toca trim, trim, trim. Pela expressão dele... Não entendeu nada. Não quis ouvi-lo nem por um segundo e saio em silencio diante de tanta estupidez.