— quem é?
O celular toca. “PQP, alô. Sim é o Edu. Sim, já fiz o check-in. Eu sei, estou atrasado, tudo bem, chego aí rapidão, esquenta não. Falou”. Estava no aeroporto Juscelino Kubitschek esperando dar a hora do embarque. Clicou no botão vermelho a fim de desligar o celular. A cabeça girou um pouco e viu uma moça parada, de perfil, que fumava um cigarro vermelho do outro lado do saguão. Ela usava uma camiseta colorida extravagantemente anos 90, unhas vermelhas e botas All Star, um pé verde outro pé azul marinho até a metade das canelas, de onde saiam uma meia-calça semitransparente que conduziam os olhares até a outra ponta das pernas onde se via um shortinho jeans curto e apertado. Embora fosse alta e rígida, a mulher ali parada de perfil, com um modelito não muito convencional, fazia lembrar a personagem do seriado Punky, A Levada da Breca. Mas a Punk, obviamente, não tinha idade suficiente para ostentar um piercing daquele tamanho no meio das narinas. Mas Edu achou charmoso. “Charmosa, ela”. Pensou em chegar. Pensou que adoraria ser um elegante fumante passivo. “Isso soa romântico”, pensou ele. Pensou em como era tímido. “Se eu chegar nela e pedir o número, ela vai saber como sou ultrapassado. Meu celular é da época da Revolução Industrial. Toda moderninha desse jeito, ela deve ter celular que vira amante”. Edu retrai os olhos para o velho celular de modo duvidoso, como se estivesse julgando-o. Como se houvesse uma petição a favor da pena de morte aos celulares comuns que só fazem ligações e nada mais. Ele deposita o velho bloco de concreto comunicável no banco. “Será que ela é uma dessas mulheres doentes por tecnologia? Definitivamente não sou um hacker. Nunca serei um. Não sou chegado a esse lance de tecnologia de ponta. Não compreendo patavinas. Coisa nenhuma. Sou um hipocondríaco tecnológico. Tenho aversão crônica a milhares de luzinhas multicoloridas piscando sem parar, todas de uma só vez. A maioria de todo mundo, por incrível que pareça, são loucos por todo tipo de lançamentos da indústria da comunicação móvel. Design, cor, tamanho, capacidade de armazenamento de dados. Tudo influi em suas vidas. Brasileiro adora uma novidade. Não vejo a mínima diferença entre Plasma e LCD. Afinal, tudo muda em questão de dias! PC’s, celulares, GPS, MP sei lá quanto, pen drives e toda esta parafernália acessível, digital e exclusiva que o mundo moderno é capaz de oferecer e que o capitalismo exacerbado nos impõe como uma espécie medonha de Adolph Hitler sofisticado da era da banda larga. Se você não tem o novo modelo de celulares cibernéticos Wireless que dão bom dia e trazem cerveja mexicana, sinto muito. Afinal de contas, pra que serve mesmo esse negócio de Bluetooth?São tantas parafernálias, tantos nomes esquisitos, que sere humanos comuns e normais como eu acabam se confundindo. Será que os japoneses já inventaram um Micro-celular-chip-com-teletransporte-3D/3G-e-raio-laser que não cause impacto ambiental e não favoreça o aquecimento global? E se as baterias desses aparelhos causarem ainda mais depressa o derretimento das calotas polares do Ártico? Santo Graham Bell!, não sei por que um telefone móvel é tão cultuado assim. Conheço centenas de pessoas que só dormem com o celular do lado. Como se aquilo fosse uma espécie de amor-da-minha-vida-em-plena-lua-de-mel-em-Nova-York ou coisa que o valha.
Seu pensamento é interrompido bruscamente por uma chamada de voo. Mas não é o seu. Ele olha para o velho celular em cima do banco e depois para a mulher que apaga o cigarro com a sola do tênis do outro lado do saguão, ajeita o suspensório roxo e caminha em sua direção, completamente distraída.Talvez ela tenha tempo. Talvez seu voo atrase. Talvez espere seu namorado. Talvez espere sua avó voltando de umas férias em Campos do Jordão. Seu namorado de volta de uma negociação com os japoneses. Talvez ele esteja a fim de abrir uma filial de restaurante de peixe cru no meio da capital. Talvez ela nem tenha namorado que come peixe japonês. Talvez vá pra Sampa, a cidade que nunca dorme. Goiânia, aqui pertinho. Talvez vá fazer um estudo científico sobre os ursos polares da Antártida. Na Antártida não há aeroportos internacionais. Não existem aeroportos internacionais com nome de gente famosa. Mas ela está vindo, cada vez mais perto. Nem pra me dar mole, tipo, Nossa, eu já tive um celular como este, quer transar?, ia ser bacana. Ela passa um tanto distraída. Ele tosse um pouco, friagem no peito. Ela olha para o banco ao lado dele. Ele repara que ela carrega um celular na outra mão, mas que ele mal consegue vê-lo.
— Meu, - ela diz - pensei que nunca mais ia ver esse modelo de celular!
Era Edu e ela. O ápice.
— É. – disse Edu.
— Este é seu? O meu é igualzinho, ó - disse ela, mostrando o celular para ele, balançando de um lado a outro.
— Então, - disse Edu - tá vendo? Temos algo em comum. - ele sorriu – Seu voo vai pra onde?
Ela crispou o rosto.
— Pro inferno. – ela também sorriu. Cheia de graça e charme, como só as mulheres sabem fazer. Ela se virou. Saiu andando distraída. Ele repara na Tattoo dela, bem no meio das costas, entre as covinhas, em cima da bunda.
Edu suspira:
— Nossa, eu queria ter coragem para fazer uma tatuagem...