Badtrip Grandfather

Acabara de acordar. No espelho, viu a remela saltar dos olhos numa única esfregada com a bucha vegetal adquirida em mais uma daquelas revistas que vendem utensílios tipo Tupperware. O olho borrado quase sai na bucha também. Ume espinha é estourada aos delírios. Cara de ressaca. Sinuca pede bebedeira. Sexta é foda. Sábado é pior, dia de faxina em casa. Pensou estar sozinha, gritou: Mãe, mãe!, mas a voz do quarto ecoou no carpete da sala, no forro do teto e depois voltou aos tímpanos. Ela foi à cozinha e sacudiu a garrafa de café, dois dedos na xícara húngara. Essa era a hora de fumar: Ninguém em casa, beleza. Fumo escondido mesmo, e daí? Fodam-se os fumantes moralistas, pensava consigo. Deu um suspiro ainda com o cigarro entre os dedos e foi lavar a louça: Não tem nem luva nessa merda; Olha, tá molhando minha blusa da Verdurão. Quinze minutos depois estava enxugando os talheres com o pano de prato da mãe que ganhara da tia de Salvador e depois os guardou. Lavou também o banheiro, tirou a poeira dos móveis, sacudiu os lençóis do quarto. No embalo, tirou o lixo e as tralhas do chão, dos aparelhos, das mesas, e por fim, das camas. Foi lá fora e lavou a varanda e depois os tapetes: Lavar na mão é foda porque fode todo o esmalte da unha. Um garoto descamisado pára em frente ao orelhão em frente à sua casa, há um amigo barbudo e só de bermuda com ele. Ela pensa em chamá-los para um ménage à trois . Mas logo desiste porque está com o cabelo “fuázento” e pondo o lixo pra fora.

Às onze e quarenta e sete sua mãe chega da floricultura com rosas vermelhas nas mãos. Flores, pensa a filha, que brega, se um homem me oferece uma dessas eu morro. Acho ódio. Faço o carinha engolir as flores pela bunda, com espinhos e tudo. No almoço a mãe pergunta: Cadê seu avô? Sei lá, deve ta dormindo, ela responde. Fui no quarto e ele não está, continua a mãe. Deve estar enfiado em algum lugar por aí, diz ela. Porra, você vai dar conta do meu pai, ouviu?, diz a mãe. …, diz a filha.

Dentro do caminhão do SLU, junto a restos de comida, vidro, plásticos, e cacarecos, um saco preto se debate como se fosse uma aranha de cabeça pra baixo. Dois lixeiros apostam um refri: Acho que é um gato, diz um deles. Ta mais pra hipopótamo, calcula o outro. Nem pra ser um travesti, concordam entre si. Ao verificarem o conteúdo, rasgando o saco com violência e curiosidade, confirmaram se tratar de um velho que estava preso dentro do saco e que provavelmente teria sido confundido com uma cafeteira usada e ido parar na cesta de lixo. Deus!, exclamou o velho, Onde estou? Que porra é essa? Quanto vocês querem? Já vou avisando que sou aposentado do INSS, classe operária… Os funcionários que usavam uniforme alaranjado o deixaram na 14ª Delegacia de Polícia a fim de prestar queixa de sequestro: —Eu estava na minha cama, dormindo, porque eu só acordo na hora do almoço, e de repente, do nada, fui parar dentro de um saco de lixo, soterrado entre porcarias de um caminhão de lixo, ficando a mercê de dois funcionários do Sistema de Limpeza Urbana. O delegado olhou bem para o Agente que franzia a testa em dúvida, depois para o velho que coçava a barba de dois dias e que lhe salpicava as faces. Onde tu mora, senhor? Vamos te levar pra casa, disse o Chefe da Guarda. Mas como?, perguntou o velho, Ninguém aqui vai registrar nada? Imaginem se me sequestram de verdade? Hoje em dia está tudo tão violento que… estão me ouvindo?

O rabecão partiu na direção da casa do velho, uma casa velha que ficava perto do Hospital Psiquiátrico São Vicente de Paulo, próximo do centro. Na sala, a mãe assistia o noticiário das seis da tarde no canal à cabo quando eles tocaram a campainha. Ela atende aos policiais e quando vê o pai, fica desnorteada e chorona. Já havia colocado anúncio no jornal e tudo. Agradece a gentileza dos homens da Civil e entra para abraçar o pai. Em seguida o velho senta no sofá e pede dois dedos de café enquanto acende um cigarro de palha. Horas depois a neta chega meio bebadazinha e felizinha: Êêêêê boteco! Tava aprontando, né vô? E ri. A mãe preocupada diz: Você sua estabanada, esqueceu o seu avô dentro do saco de lixo hoje de manhã e ele teve que voltar no carro da polícia! Cabeça-de-Vento!, diz o avô. Ela sorri e diz que foi só uma bad trip, foi mal, acontece, de boa, to cansada, vô dormir. Bençaí Velha Guarda.

Lucas Feat
Enviado por Lucas Feat em 26/01/2010
Código do texto: T2052413
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