Ela parou no sinal, vidros fechados, ar condicionado ligado para aliviar o calor do sol escaldante. Embora já mais calma, estava decidida a ter uma conversa séria com a filha sobre responsabilidade, pois não poderia deixar o escritório sempre que a menina esquecesse em casa um trabalho que deveria ser entregue na escola.
Mal chegara ao escritório após o almoço e o telefonema aflito da filha fez com que ela voltasse para casa e pegasse o trabalho esquecido que, agora, estava levando para a escola onde as filhas estudavam.
Enquanto esperava o sinal abrir uma mulher jovem, bem vestida, loira e linda chamou sua atenção; ela estava na calçada, logo à frente do carro de Adriana, sorrindo para o motorista de um carro mal estacionado, enquanto abria a porta e entrava.
Do ângulo em que estava Adriana não via o motorista, mas nem precisava, pois não tinha dúvidas de que o carro era de Humberto, marido de Cristina, sua melhor amiga.
Logo que o sinal abriu o carro arrancou, mas Adriana viu que a moça debruçava-se para beijar o motorista.
Apesar do choque pela cena presenciada, Adriana lembrou que a amiga vinha se comportando de maneira estranha ultimamente; pensativa, triste e sem a espontaneidade tão característica dela.
Cristina indagara à amiga sobre sua mudança, mas ela dizia que era preocupação com os filhos, problemas no trabalho e acabava mudando de assunto.
Adriana lembrava agora de uma conversa que as duas tiveram num domingo, enquanto tomavam sol. Cristina perguntara à Adriana como ela reagiria se descobrisse uma traição do marido. Adriana não hesitou em responder que jamais relevaria, que tinha certeza que seria o fim do casamento. E, refletia agora, para ela, era realmente assim: jamais perdoaria Renato por uma traição.
Pobre Cristina - pensou Adriana. Agora percebia que ela já desconfiava de algo e isso explicava sua mudança, uma certa tristeza que antes nunca percebia na amiga. E minha resposta não ajudou em nada - concluiu Adriana - pois desencorajou a amiga a se abrir com ela.
Voltando ao escritório, Adriana não conseguia trabalhar, pensando na atitude que deveria tomar. Não sabia se contar à amiga, confirmar suas suspeitas era o melhor a fazer, afinal talvez ela não quisesse realmente saber, preferindo não ter confirmação.
As duas eram amigas há muito tempo e os maridos arquitetos e sócios.
Cristina tinha um temperamento bem diferente do seu, refletia Adriana. Era calma, ponderada, pensava muito antes de tomar qualquer atitude.
Adriana era explosiva, impulsiva, passional. As duas amigas haviam conversado sobre isso inúmeras vezes, concluindo que, talvez essas diferenças contribuíssem para que a amizade entre as duas fosse tão sólida.
Pensou em ligar para Renato e dividir com ele a triste e constrangedora descoberta, mas achou melhor fazer isso pessoalmente, em casa, à noite.
Lembrou então que naquela noite estariam recebendo para o jantar um convidado com quem o marido pretendia fechar um contrato de fornecimento importante para sua empresa.
Meu Deus pensou Adriana, Cristina e Humberto estariam presentes também! Não sabia como conseguiria encarar a amiga e o marido naquela noite.
O tempo parecia se arrastar e Adriana não via a hora de poder conversar em paz com o marido. Pensou, então, como era feliz, como tinha sorte.
Ela e o marido tinham uma vida sexual excelente, filhas maravilhosas e uma situação financeira privilegiada. E até hoje imaginava o mesmo em relação ao casamento da amiga, pensou com tristeza.
Finalmente, não conseguindo concentrar-se no trabalho e o final da tarde chegando resolveu ir embora para aprontar-se com calma e supervisionar o jantar.
Em casa foi até a cozinha, conversou com a empregada sobre os últimos detalhes indo em seguida para seu quarto a fim de preparar-se para o jantar. Não parava de pensar na cena que, sem querer, presenciara e afligia-se com o sofrimento da amiga.
Estava terminando a maquiagem quando Renato chegou praguejando contra um cliente que o retivera numa reunião até tão tarde. Beijou Adriana enquanto falava, tirava as roupas e, em seguida, entrava no banho.
Mesmo que quisesse, refletiu Adriana, não haveria tempo para conversar com o marido, pois logo os convidados chegariam.
Acabou de vestir-se e foi para a sala aguardar os convidados. Renato logo juntou-se a ela. Adriana dava o primeiro gole no drink preparado pelo marido quando o casal de amigos chegou. Ela olhou para Cristina, procurando algum sinal de tristeza, mas a amiga parecia tranqüila, de mãos dadas com o marido.
Antes que Adriana chegasse até os dois para os cumprimentos, Renato estendeu a mão para Humberto e, entregando-lhe um chaveiro, agradeceu ao sócio por ter-lhe emprestado o carro naquela tarde.
Virando-se para a mulher explicou, com expressão de desânimo, que seu carro apresentara problemas novamente e Humberto emprestara-lhe o dele naquela tarde.
Abraçando Adriana e beijando carinhosamente seu rosto comentou que por sorte era fim de semana e poderiam usar o carro dela.
Os homens foram sentar-se com seus drinks e as mulheres permaneceram em pé olhando-se nos olhos; os de Adriana expressavam choque, os de Cristina dúvida, assombro e, por fim, tristeza.
Do aparelho de som vinha a música “com açúcar e com afeto...”