JAMILE QUER SE CASAR
Jamile ia todos os dias à igreja.
Fazia a corrente para conseguir um bom partido. Já tinha ouvido dizer que muitas mulheres conseguiram bons pares através dessa corrente na Igreja da Última Instância do Céu.
A moça estava com 29 anos.
Pesava-lhe a idade em seu caso; o de uma mulher que ainda não tinha se casado.
Não havia contraído matrimônio, mas isso não quer dizer que não teve amores.
Teve casos intensos com alguns homens.
Destes, de apenas 3, conseguiu arrancar uma descendência, frutos de um amor frívolo e leviano que sempre marcou seus relacionamentos.
Mas foi somente a descendência e o ônus que esta carrega que restou de seus enlaces amorosos.
Seus ex-namorados haviam sumido no mundo, deixando-a sozinha para sustentar as crianças.
Quando podia, fazia uma faxina aqui outra ali. Conseguia cestas-básicas na igreja católica, e o Bolsa Família a auxiliava nas piores horas.
Abençoado seja o Lula!
Todavia, algo faltava.
Faltava um marido, alguém para se colocar como pilar da casa, um companheiro, sua cara metade e por que não um príncipe encantado?
Jamile queria se casar conforme toda pessoa de bem faz, com vestido branco, véu, grinalda e flor de laranjeira. No cartório, na igreja, com festança e bolo com glacê e cerejas ao marrasquino.
Não, nada desse negócio moderninho de união estável, de "ajuntar os panos". Já fizera isso por diversas vezes, mas nunca deu certo.
E, além disso, o pastor da igreja que ela frequentava dizia sempre que a pessoa que "vive junto”, mas não se casa, está em fornicação, um pecado gravíssimo!
Ela não fazia ideia do que seria fornicação, mas uma palavra estranha assim não poderia ser boa coisa.
Jamile era bonita, embora pobre e pouco produzida, despertava alguns olhares de interesse sobre si.
Contudo, os homens que se interessavam por ela queriam-na apenas para se divertir.
Vocês sabem bem o que isso significa, não?
Havia alguma coisa que a incomodava, ela se questionava reiteradas vezes:
- Por que não querem casar comigo?
- Não quero mais apenas “rolos”.
Reclamava à sua fiel amiga.
A corrente na igreja, mesmo depois de ser feita por diversas vezes, não trouxe resultados.
Deu o dízimo, fez desafios com Deus, usou talismãs e patuás, subiu morros com garrafões d'água nas costas, mas no entanto, mesmo assim, nada do marido aparecer.
Nem mesmo um único pretendente pobre e feio que fosse. Simplesmente, tudo que tinha feito havia sido inútil!
- “Que droga!”, reclamava Jamile, “Que droga!”
Certa vez, aquela fiel amiga lhe falou sobre um centro de umbanda.
O pai-de-santo do centro era um poderoso especialista em “arrumar casório”.
Era o famoso pai Cacique-Forte.
Este sofria alguns processos por charlatanismo e estelionato, mas nada que retirasse seus méritos de casamenteiro.
Então foram até o centro.
Lá tomou um “passe” do pai-de-santo, inalou a fumaça dos inúmeros cigarros que ele fumou, sentiu o seu hálito nojento de cachaça misturada com nicotina, comprou os unguentos, as ervas e as “garrafadas” que eram lá vendidas. Tomou banhos especiais e pagou caro, bem caro, pela “consulta”.
O pai-de-santo disse a ela que suas roupas eram muito cafonas, que ela devia ficar mais feminina para atrair mais facilmente os seus pretendentes.
- Né minha fia! Dizia o umbandista.
Junto a isso, o pai Cacique-Forte recomendou umas roupas a ela que ele mesmo vendia, uma pechincha as roupas.
Ele financiava no carnê em várias vezes, e ainda sobraria dinheiro para comprar asinhas de frango para as refeições das crianças, pelo menos uma vez por semana.
Ela olhou com desconfiança para as roupas, pareciam escandalosas demais, demasiadamente sensuais.
Tais roupas a faziam lembrar, ela não sabia o porquê, de algumas mulheres que ficavam todas as noites em uma avenida movimentada da cidade, todas elas acenando para os carros que passavam.
Estranho, não?
Assim, foi para a casa com as roupas em sacolinhas de supermercado. Tomou um bom banho, vestiu-se com as roupas recém compradas, maquiou-se pesadamente, borrifou perfume barato sobre todo o corpo, também comprado a preço módico na umbanda, tudo conforme as minuciosas instruções do pai-de-santo.
E, enfim, foi à luta, à caça...
Chamou aquela amiga que recomendou o centro, e foram juntas até um bar onde "rolava" muita paquera e tinha muita gente bonita.
Ao chegar no bar, as duas eram observadas por todos e todas.
Sua aparência e sua indumentária destoavam naquele ambiente classe-média.
Sentaram-se, e logo o garçom trouxe o cardápio.
Elas estranharam, pois uma lata de cerveja custava R$ 9,00! E uma porção de batatas fritas R$ 20,00!
Só nestes dois itens já se esgotava todo o valor do seu Bolsa família e ainda faltaria dinheiro para pagar a conta.
Logo, um garotão que frequentava aquele lugar percebeu a beleza e falta de adequação das moças no ambiente.
Pensou consigo:
- Vou me dar bem com essas putas!
Então, depois de alguns olhares, o garotão já embriagado, juntou-se a elas na mesma mesa. Fato que deixou Jamile extremamente feliz, pois o garotão tinha ótima aparência e falava muito bem.
O garotão percebeu rapidamente a inocência das suburbanas e teve certeza de que iria se dar bem de qualquer forma.
Interessou-se mais por Jamile e convidou-a para dar uma "voltinha" de carro.
Jamile fez um pouco de manha, claro, mas logo aceitou o convite. Afinal o garotão era bonito, e tinha um carro tão grande e reluzente que só poderia ser rico. As luzes da cidade brilhavam na pintura cintilante e escarlate do belo automóvel.
O clima era de romance, tudo parecia estar bem, bem demais.
Jamile pensou consigo:
- O dinheiro que gastei na umbanda valeu a pena!
- Obrigada pai Cacique-Forte, obrigada meu Deus!
A amiga, agora inútil, despediu-se com tristeza, mas foi embora resignada.
Então, repentinamente, quando se deu conta do que acontecia, todo o corpo de Jamile estremeceu, enfim ela havia encontrado seu tão sonhado marido.
Seu príncipe encantado não vinha em um cavalo branco, mas em cima de um motor de 250!
Entraram no carro e foram para fora da cidade.
O garotão, após perceber que estavam já bem longe da civilização, foi logo acariciando as pernas de Jamile.
Ela não gostou e reclamou que não era assim que as coisas iriam acontecer.
Então o garotão disse:
- Que isso gatinha! Fale o quanto você cobra que eu pago, tenho dinheiro vivo aqui!
Jamile, assustada:
- Pagar o quê? Do que você está falando?
- Vai dar uma de santa agora? Você quer enganar a quem? – Responde o garotão.
Jamile gritou:
- Pare já este carro que eu quero descer!
- Nem pensar! Disse o garotão.
- Você não sai daqui enquanto não "der" prá mim!
Jamile desesperou-se e tentou abrir a porta do carro, a qual o garotão imediatamente travou.
Então, ela não teve dúvidas, emendou um soco no rosto do canalha, o que fez com que ele perdesse o controle do carro e eles entrassem numa mata que ficava às margens de uma rodovia.
Mesmo com uma forte batida numa árvore, os dois saíram ilesos. Jamile tentou correr, mas o garotão logo a segurou e começou a arrancar toda a sua roupa.
E aconteceu o que o leitor já deve ter antecipado.
O garotão, que carregava no seu carro um revólver, fez com que ela fizesse tudo o que ele queria, tudo, tudinho.
Ao terminar, depois de também espancá-la, deixou-a nua e desacordada em meio à mata.
Fez questão de rasgar as roupas de Jamile em diversos pedaços para que ela passasse a vergonha de ter que ir embora dali pelada.
O carro em que eles estavam era roubado, o que não lhe traria problemas com um possível reconhecimento pela polícia.
Assim, o garotão foi até a rodovia, e rapidamente conseguiu uma carona.
Foi embora rindo-se por dentro.
Jamile acordou meia hora depois do ocorrido, chorou muito e ficou pensando no que fazer para ir embora dali naquele estado.
Não havia o que colocar como roupa, não havia casas por perto, o único jeito era pedir carona com os restos de sua roupa rasgada cobrindo parcialmente seu corpo.
Foi até a rodovia para pedir carona.
Logo avistou um carro com dois homens.
Seria altamente perigoso pedir carona naquela situação, mas era a única alternativa.
Ela acenou para o carro e este parou:
Os dois homens, ao verem aquela mulher nua, a se cobrir com farrapos, entreolharam-se contentes.
Ficou subentendido naquele olhar entre eles que aquela moça seria uma boa diversão para o fim de noite.
- Por favor senhores, fui estuprada e espancada!
Preciso de ajuda! Por favor!
Falava Jamile aos dois homens, morrendo de vergonha e de frio. Tampando seu corpo como podia.
Um dos homens respondeu sorrindo:
- Tudo bem, nós vamos te ajudar. Mas queremos que você transe com a gente, sem violência, numa boa, sem crise...
- Você já "deu" sem querer mesmo, o que custa nos servir de bom grado?
Jamile então desesperou-se e caiu em prantos novamente, soluçava e chorava compulsivamente dessa vez.
Os dois riam e riam e aguardavam tranquilamente a mulher ceder.
- Ora, veja só, ela vai ter que "dar" pra gente, ela não tem outra alternativa. Ou "dá" ou "dá"!
E continuavam a rir pacientemente.
Jamile, depois de muito chorar, já estava seriamente cogitando a ideia de se entregar para aqueles homens, pois era a única alternativa em meio àquele tenebroso cenário.
Foi então que, subitamente, reconheceu os dois homens;
Era o pastor da Igreja da Última Instância do Céu e o pai-de-santo que voltavam de uma orgia.
Bêbados e drogados.
Então perguntou:
- Ei, você não é o pastor Ezequiel? E o senhor não é o pai Cacique- Forte?
Nisso, eles ficaram arrepiados de medo e entraram no carro correndo.
- Você é uma piranha, uma puta!
- Pensa que vamos transar com você?
- Nós nunca a vimos antes, vamos embora!
Dirfarçavam.
Saíram disparados no carro e deixaram Jamile nua e estuprada no meio da estrada escura nas altas da madrugada.
Mas o pastor, ao se dar conta da gravidade da situação, freiou bruscamente o carro e disse:
- Ei, ela vai dizer o que aconteceu para todo mundo!
- Estamos fudidos!
O pai-de-santo respondeu:
- Temos que fazer alguma coisa, sei lá; voltar ajudá-la, pedir para que nos perdoe!
- Não, isso não vai funcionar! Temos que acabar com o problema de forma definitiva!
Respondeu o pastor.
Então voltaram e encontraram Jamile sentada à beira da estrada, chorando e morrendo de frio.
O pastor então pegou, num ímpeto feroz, a peixeira do pai-de-santo, e, sem muito hesitar, chegou perto de Jamile para desferir inúremas peixeradas em todas as partes do corpo da indefesa moça.
Esta pediu pelo amor de Deus para que não fizessem aquilo, que tinha 3 filhos, que não tinha marido nem ninguém, mas não adiantou.
O pastor só conseguia pensar que sua carreira estava fortemente ameaçada, correndo um alto risco, e matou-a sem demonstrar nenhuma misericórdia.
Assim, largaram o corpo de Jamile ali e foram embora.
Na casa do pai-de-santo o pastor foi se lavar e trocar de roupas.
O pai-de-santo estava aflito como nunca havia ficado antes.
Ter sido cúmplice naquele assassinato o fazia sentir um imenso sentimento de culpa. Este o arrasava, inundava sua consciência sem trégua, dizendo sem parar:
"Assassino! Assassino!"
Ouvia vozes do além.
O pastor, ao contrário, com toda calma, sem nenhum remorso, percebendo a angústia do amigo disse:
- Ei cara, relaxa! É só uma vadia que morreu, não é ninguém importante de verdade, só uma qualquer...
E disse muito tranquilo:
- Esqueça. Esqueça tudo e vamos à labuta. O mundo nos pertence!
A vida continua!
Falava o pastor cheio de entusiasmo.
E continuou:
- Tenho um culto daqui a pouco e você tem que dar muitas consultas.
- Hoje o sermão será muito especial. Vou dar conselhos sobre casamento. O tema será “Como tratar bem a mulher de Deus”.
- Será um sucesso!
- Vamos!