E AGORA, O QUE EU FAÇO?
Passei dos quarenta. Sou uma quarentona. Charmosa talvez. Feliz, quem sabe? Amiga? De alguns... As vezes penso que a vida deu-me somente coisas boas de presente. Penso assim quando recordo fatos já vividos, já sofridos, já sentidos. Quando digo sentidos, são sentidos mesmo. Passei por cada coisa, que até duvido que realmente era eu naquele momento. Quando tinha nove anos, ganhei uma roupa nova - era simplesmente fascinante. Viajamos para o interior do Paraná. Férias, rio, correria, milho verde, vô, vó, tios e primos e primas, quase todos da mesma idade. Eu, de roupa nova. Querendo aparecer para as primas. Brincávamos o tempo todo. Não tínhamos hora para nada. Comer? Que nada... Banhar-se? Para que servem os rios? Dormir? Somente quando não aguentávamos mais. Em uma dessas brincadeiras... Eu, de roupa nova, ainda. Subíamos um morro íngreme, plantação de milho, entrávamos em uma casca de pau e deslizávamos morro abaixo. Era m-a-r-a-v-i-l-h-o-s-o. Eu, de roupa nova. Durante uma das descidas, saí da "canoa". Rolei morro abaixo, tentando segurar-me nos pés de milho. E a roupa nova?
Consegui parar somente quando o morro acabou.
Chorei muito. Machuquei-me muito. Sangrava muito. A dor maior...
Minha roupa nova? Não era mais uma roupa nova, era um monte de farrapos. E como doia. Eu, sem minha roupa nova.