SABINO, O TÉCNICO.
Sabino sempre gostou de eletrônica. Ainda jovem fez um desses cursos rápidos e abriu oficina pra consertar eletro-eletrônicos. Juntou algum dinheiro, fez um curso melhor na escola técnica e arranjou emprego numa oficina de assistência técnica Gradiente.
O representante da fábrica notou o esmero com que Sabino fazia o serviço, a cortesia com que tratava os clientes e por indicação desse representante foi levado para fazer um curso de especialização na fábrica em São Paulo.
Esse curso serviu para habilitar definitivamente a oficina dele como assistente técnico principal da cidade, mas o campo no Recife era insipiente para as aspirações de Sabino que já casado e com cinco filhos, via cada dia seus ganhos se transformarem em comida e nada mais.
Pela manhã avisou à mulher que iria para São Paulo e que no máximo em um ano mandaria buscar-la com os meninos. Anita não acreditou muito na conversa do marido, mas sem alternativa concordou com a viagem.
Regularmente o dinheiro era depositado na conta do Banco do Brasil e auxiliado pelas costuras e bordados até que a vida melhorou para Anita e as crianças.
Foi-se o primeiro ano, o segundo e quando estava para se completar o terceiro da ida do marido, chegaram pelos correios as passagens dela e das crianças para ônibus leito da Viação Itapemirim. Em três dias de viagem estariam em São Paulo. As refeições faziam parte das passagens e onde os motoristas parassem para comer, aí também comeriam Anita e as cinco crianças. Os lanches entre as refeições teriam que ser providenciados por ela nas paradas que fizessem.
Anita marcou a viagem para o mês seguinte, teria que entregar todas as encomendas. Afinal não se sabia o que os esperava em São Paulo e é sempre bom deixar as portas abertas para um possível retorno caso desse com os burros n’água nessa aventura.
O embarque ocorreu sob um dilúvio de lagrimas dos parentes e amigos presentes à rodoviária. Os seis foram acomodados e o ônibus partiu na hora marcada. 20h00 da sexta feira no Recife com chegada prevista para o mesmo horário na segunda feira. Em pouco tempo, todos dormiam. Menos Anita. O pensamento dando voltas, imaginando como seria a vida naquela terra estranha onde hábitos e costumes são tão diversos dos nossos. As comidas, o clima. Tudo diferente. Será que iriam se adaptar? E Sabino, como estaria depois de tanto tempo. Será que já havia arranjado outra família? Não. Isso não. Ele não mandaria buscar a família se já tivesse outra. Ele não teria essa coragem. Ou será que ele queria tomar as crianças e estava usando-a apenas como acompanhante dos meninos? Será que quando chegasse lá ele iria tomar as crianças e colocar-la na rua da amargura?
Quando amanheceu já rodavam pelo interior da Bahia e pararam para o café da manhã. Precisavam se lavar. Wilson, o caçula, precisava de banho, pois a calça enxuta não conteve a urina aumentada pelo frio do ar condicionado e o pijama estava molhado. Comeram rapidamente. Para o lanche, Anita preparou sanduíches de queijo e comprou tangerina e pinha. Caso sentissem fome antes da parada para o almoço, teriam o que comer. Enquanto comiam o ônibus foi reabastecido, varrido e o sanitário lavado. Depois de vinte minutos estavam em desabalada carreira outra vez na BR recém capeada.
A paisagem vista da janela era bem diferente dos imensos canaviais. Laranjeiras a perder de vista. Na hora do almoço, nova parada para satisfação da criançada. Teriam uma hora para o almoço e fazer exercícios. Enéas tirou a corda de pular da mochila e brincaram pra valer ele, os irmãos, outras crianças que estavam no ônibus e os filhos do dono do restaurante. Foi muito divertido. O resto do dia transcorreu sem novidade. O sol no ocaso fechou com uma sinfonia de cores o primeiro dia de viagem.
Depois da parada do jantar, Anita conseguiu dormir um pouco, mas acordou no meio do pesadelo ao ver na plataforma de desembarque o seu Sabino de braços dados com uma mulher grande e cheia de corpo, vestida de vermelho, que abraçava as crianças como se fossem dela. Os dois deram as costas e ela ficou só na rodoviária no meio de gente desconhecida dando risadas do seu desespero. Abriu os olhos. Apesar do frio do ar condicionado, havia suor em sua testa.
O segundo e terceiro dias transcorreram tal qual o primeiro. Apenas o cansaço era demais e os pés inchados mal cabiam nas sandálias. O tédio havia tomado conta de todos e as crianças já nem brincavam.
Quando ônibus encostou lá estava Sabino, sorriso de orelha a orelha, buquê de rosas numa mão e na outra uma sacola de bombons. Cabeleira grande, quase no ombro, camisa azul royal de manga longa aberta no peito com uma corrente de ouro. Calça boca sino quadriculada de preto e amarelo, sapato plataforma “cavalo de aço” vermelho. A imagem do cão quase morto de tanta felicidade. Estavam juntos outra vez.
A casa da Vila Mariana era pequena, mas acolhedora como a vizinhança de origem italiana que veio em peso dar as boas vindas e Nona Ramona estava esperando com uma macarronada nadando no molho de tomates com almôndegas que ela insistia em chamar de porpetas.
As horas transformaram-se em dias, em semanas, meses, anos, muitos anos. Os filhos crescidos e Sabino sempre requisitado para solucionar problemas não mais de aparelhos pequenos. Agora eram emissoras de televisão. Sempre cuidadoso, romântico, capaz de pequenas loucuras para encantar Anita que nunca se adaptou totalmente àquela terra estranha, de povo estranho com costumes tão diversos dos seus. Evitava sempre sair de casa e Sabino vez por outra chegava tarde, dizendo que ficara preso no serviço fazendo hora extra.
Mas a sorte de Sabino era madrasta, todas as vezes que escapulia, alguém que estivesse com uma máquina fotográfica, fatalmente ele faria parte da foto.
Foi assim no campo de futebol, na passeata de estudantes, em programas de auditório, até no Estadão lá estava a cara risonha de Sabino enfeitando a primeira pagina no mesmo instante que ele jurara pelo telefone que estava nos estúdios da TV em Sorocaba.
Quando o programa do Chacrinha foi feito em São Paulo, lá estava Sabino no auditório, ganhando um beijo vermelhão de Elke Maravilha por ter acertado o nome de uma música. A câmera transmitiu a cena para cento e setenta e tantas emissoras espalhadas pelo Brasil. Ao chegar a casa nesse dia, Anita perguntou o porquê da demora e antes que ele concluísse a mentira, ela disse em bom pernambuques.
- tenha vergonha seu cabra vagabundo...
Eu lhe vi no programa de Chacrinha, cabra ordinário...
Você todo ancho ganhando beijo de jurada, cabra sem vergonha...
E Sabino, com a cara mais lavada do mundo, disse então.
- se você saisse comigo eu não precisaria mentir...
Quando eu minto é para não lhe contrariar, benzinho...