TUDO AO MESMO TEMPO AGORA

São 07h02.

Toca o telefone, logo após Abner ligar o “seu” computador:

- Escute aqui, ô seu incompetente, eu estou num país democrático, exijo meus direitos, e o senhor... O senhor sabe com quem está falando?

- Senhora, o procedimento que deve ser executado é esse que eu já lhe expliquei...

- Me dê o seu nome. Seu nome e registro funcional que vou fazer uma reclamação pessoalmente... - Senhora!...- tututututu...

Na mesa de Abner, havia pilhas e mais pilhas de papel.

Pesquisas para fazer, planilhas para preencher, dezenas de e-mails para responder...

A chefe, às 07h30, cobrava:

- Abner, já acabou?

O balcão de atendimento ao público, o guichê, estava lotado.

Pessoas requerendo seus direitos, insistiam para que Abner resolvesse os seus problemas, inclusive suas questões particulares.

As estagiárias o cercavam para perguntar sobre as dúvidas da população:

- Abner, você sabe a senha do sistema X?

- O sistema AB pode ser usado para este procedimento, Abner?

-Abner, o sistema Y agora está indisponível, você tem previsão para quando ele estará novamente pronto para uso?

- Este senhor está aguardando já faz meia hora, Abner!

O telefone toca.

- Estou com uma dúvida, você pode me ajudar?

- Sim, claro, senhora.

Abner explica a mesma coisa mais ou menos entre 7 e 8 vezes para cada pessoa que atende, mesmo assim a pessoa não entende, mesmo ele falando em língua portuguesa.

- Mas se você não resolve meu problema, qual é então a sua função aqui?

O calor de janeiro fazia com que a repartição parecesse a sucursal do Saara. Encurralados em cubículos, os funcionários espremiam-se em meio à poluição sonora de muitas vozes falando ao mesmo tempo, muitas campainhas de telefone soando ao mesmo tempo, muita coisa junta ao mesmo tempo num ambiente, ao mesmo tempo, hostil e insalubre.

- Abner, você já acabou?

- Qual é mesmo a senha do sistema Y? Ele parece agora dar sinais de retorno.

- Abner, as pessoas estão ficando tensas ao esperar tanto por atendimento.

Toca o telefone.

Abner atende, e no outro telefone outra pessoa quer falar com Abner. Nisso o celular toca. A namorada quer saber quem é aquela garota do Orkut.

- Senhora, o procedimento que deve ser executado é esse que eu já lhe expliquei...- Senhora! - tututututu....

- Qual a sua função aí? Será que posso falar com o seu superior?

Abner sente as gotas de suor pingar da sua fronte, sua camisa está molhada. Os funcionários disputam os ventiladores disponíveis.

A chefe, às 08h00, cobrava:

- Abner, você já acabou?

Abner começa a pensar que na sala de suas chefes há ar condicionado, frigobar, o café é servido em xícaras de louça chinesa, a água em copos grandes e compridos de cristal, o ambiente é silencioso e salutar.

A cadeira de Abner emperra, e ele tem que ficar com as pernas encostadas à mesa. Por falta de espaço, a CPU do computador fica debaixo da mesa, cheia de fios para todo o lado, o que reduz a mobilidade de Abner.

Abner olha para o relógio enquanto preenche as planilhas, responde às dúvidas das estagiárias, atende ao telefone e pede para que o cidadão aguarde "um minutinho..."

O suor já encharcava sua camisa.

As axilas já não tinham o mesmo odor fresco que possuíam pela manhã.

O relógio parecia ter parado, a vida parecia estar estagnada na estação do sofrimento, a criatividade havia sido enterrada, os talentos vilipendiados, o trabalho que Abner agora desenvolvia, possuía o potencial de torná-lo, na melhor das hipóteses; um idiota, ou na pior, um doente.

Abner, não sei o porquê, cantarolava Chico Buarque:

“Todo dia eu só penso em poder parar

Meio dia eu só penso em dizer não

Depois penso na vida prá levar

E me calo com a boca de feijão”

A chefe, às 08h30, indignava-se:

- Abner! Você ainda não acabou?

Frederico Guilherme
Enviado por Frederico Guilherme em 21/01/2010
Reeditado em 22/01/2010
Código do texto: T2043354
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