O Senhor Povo

De alguma forma ele conseguiu passar pelos seguranças do congresso várias vezes no mesmo dia. Em cada uma delas ele trouxe uma peça do seu arsenal escondido em sua maleta de técnico. No peito um crachá falsificado onde se lia “manutenção” lhe fazia passar desapercebido por entre os corredores.

Ele estava bem vestido para o que iria fazer, cabelos bem penteados, o seu melhor terno por baixo do guarda-pó que camuflava suas intenções - afinal ia aparecer na tv em cadeia nacional - e tinha distribuído em pontos estratégicos todas aquelas granadas.

- Está tudo acabado, ou melhor, está tudo começando - pensou enquanto jogava de lado o guarda-pó e o crachá de manutenção e invadia o plenário da câmara.

- Você não pode passar por aqui - disse um segurança.

- Posso sim. - Ele respondeu antes de tirar uma pequena metralhadora israelense da maleta e soltar uma estrondosa rajada para o ar.

Alguns se abaixaram, outros tentaram correr em direção as portas mas ele tomou o microfone do presidente da câmera e falou:

- É melhor que todos fiquem por aqui.

Acionou o controle remoto que tinha na outra mão e houve uma explosão de efeito moral próximo à entrada que não fez nenhuma vitima mas convenceu todo mundo a ficar em seus lugares.

- Senhores! Desculpem-me pelo mau jeito e pela maneira truculenta de adentrar este nobre recinto. Podem me chamar de Senhor Povo. Vocês não se lembram de mim agora, mas se forçarem a memória se lembraram de quando me pediram votos. De repente olhou para as galerias - quero que todas as câmeras de tv me focalizem, e depois aos ilustríssimos deputados. Pelo poder que foi dado a mim por mim mesmo me declaro presidente desta seção.

Havia cerca de cinqüenta deputados naquela sessão, não eram muitos mas serviam ao seu propósito.

- Você não vai se dar bem com isso, rapaz! – gritou um velho político. Do lado direito do auditório.

- Já você sempre se deu bem em tudo não é Alberto Vaz? – O Senhor Povo observou com sarcasmo! - Sei sobre sua fazenda cheia de pistoleiros e dos quarenta milhões de reais que v. desviou para o seu bolso num negócio com uma empreiteira que senão me engano pertence ao seu genro.

O Senhor Povo se aproximou de Vaz:

- Não pergunte como eu sei disso. Pergunte apenas para si mesmo o que se faz com quarenta milhões, para que tanto poder?

Vaz não entendeu nada. Povo ficou sério:

- Vocês ai da imprensa, quero um close em mim agora, vocês que estão me assistindo em casa estão vendo este celular? – ele ergueu o aparelho – se vocês querem dar um não ao deputado Vaz ligam para o número (ele disse o número). Já se vocês gostam dele e querem dar um sim ligam para este número (ele ergueu outro celular e disse outro número). Se daqui a meia hora houver mais ligações no telefone do não...

Ele apontou a metralhadora para o deputado:

- Adeus Alberto Vaz.

- Você não pode tomar a lei pelas próprias mãos – disse outro deputado.

- Ora, ora nobríssimo deputado Elder Schneider. Um grande herói na luta contra a ditadura militar. Câmeras, mostrem ele por favor – pediu o senhor povo – grande preocupação com os direitos humanos, o que diriam seus eleitores se descobrissem sua ligação com o tráfico?

- Não é isso. Eu tenho um trabalho para recuperar infratores que...

- Conversa fiada. Você tem ligações com traficantes de todo o país, você os auxilia neste negócio imundo quando é preciso.

- Como você sa...

- Pergunta errada de novo. A pergunta certa seria que droga de lei é essa que v. me acusa de estar tomando pelas mãos? É a lei feita por gente como você? – Povo esbravejou com Schneider.

- Senhores – continuou depois de tomar o lugar do presidente novamente – sei que vocês esperavam um representante do povo muito diferente. Talvez um caipira que acredita em todas as promessas de época da eleição, um pé no chão pedindo comida... não estão errados. Essa é uma das minhas facetas. Mas eu tenho muitas, eu poderia vir como um empresário, um atleta, ou um professor, poderia até vir como um bandido. Sim, porque eu também posso ser corruptível fácil, de ser comprado, exatamente como vocês. Mas também posso não me vender por nada, e possuir uma honestidade que só aquele que trabalha duro pode compreender. Enfim, eu sou muitos.

- Se você tem muitas faces, então qual delas está presente aqui hoje? – perguntou outro deputado.

- Ah! Meu caro Ivan Soares, eu vou lamentar muito se tiver de atirar em você. Sei da sua recusa em votar a favor do aumento das mordomias nessa casa, sua indignação e seu apoio a projetos que me beneficiam. Mas isso não basta, deputado, é preciso gritar mais alto que esses canalhas que eu vejo daqui agora. Mas respondendo sua pergunta: quem esta aqui hoje é aquele que está de saco cheio.

- Se o que você quer é dinheiro... – o ameaçado Alberto Vaz começou a falar.

- Cuidado com o que vai dizer, ilustríssimo senhor. Não se esqueças que está na televisão. Ah! esqueci de dizer, esse que está aqui hoje é incorruptível.

- Senhores, como eu já disse, eu posso ser muitos – continuou o Senhor Povo – mas a maioria sempre se refere a mim como um pobre e ingênuo. Esnobes me acham preguiçoso, intelectuais dizem que sou incapaz de entender uma frase, empresários me acham bom só enquanto sirvo de burro de carga, e vocês aqui me chamam de gado eleitoral. Porque eles preferem sempre o mesmo se eu posso ser tantos outros? Mas e quanto a você meu caro Alberto Vaz, o que você acha?

- Você não vai escapar. Um atirador de elite vai entrar aqui e te derrubar.

- Não se preocupe, alias a ironia é que você nunca se preocupou comigo – Senhor Povo deu uma risada – parece que seu tempo acabou. As ligações de quem não gosta de você foram o triplo. Que vergonha!

Senhor povo tirou um outro revólver da cintura e disparou. No entanto não houve nenhum tiro, era um revólver de palhaço e do seu cano saiu apenas um pano com uma mensagem: Bum! Alguns presentes deixaram escapar risos. Senhor Povo se voltou para Vaz:

- Não se preocupe agora, deputado, preocupe-se com quem ira proteger você de você mesmo quando sua hora chegar.

Naquele instante, tal como Vaz tinha previsto, um atirador invadiu a câmera disparou contra o Senhor Povo que foi ao chão.

- Está morto – disseram todos.

Um segurança se aproximou e se abaixando tomou o seu pulso:

- Não, o Povo não está morto. Ele só está dormindo. Um dia destes ele acorda de novo.