A VOLTA DE YURI
Como toda pessoa insegura, imatura e incapaz de tomar qualquer decisão em caráter definitivo, Judite fazia psicanálise uma vez por semana.
Sua personalidade vacilante era fruto da criação com muitos mimos, poucas obrigações e por ser joguete nas mãos de adultos em constante disputa de egos, que se digladiavam diariamente para, cada um por seu lado, imporem suas vontades.
Judite era a personificação do que se pode chamar de umbigo do mundo.
Tudo e todos deviam gravitar a sua volta e satisfazer seus mais secretos desejos.
O choro e o riso andavam lado a lado naquele ser vaidoso e inconstante.
Quando estudante do segundo grau teve a oportunidade de participar da dramatização de “O tempo e o vento” de Érico Veríssimo, interpretando Ana Terra, personagem de atitudes e comportamento diametralmente oposto à sua vidinha medíocre.
Ficou muito impressionada com a passagem do estupro e a partir daí seus sonhos e pesadelos passaram a ser povoados pelos castelhanos, onde identificava o rosto de cada colega do colégio. Os sonhos foram se tornando uma constante e não foi difícil transformar em realidade com meia dúzia dos rapazes mais ousados nas dependências do museu de história natural do colégio numa tarde de domingo, inesquecível para todos participantes.
Desde esse dia, Judite descobriu o poder que uma vulva receptiva exerce sobre os homens e passou a usar esse poder no vigor dos seus dezessete anos.
Se já era fácil conseguir quase tudo com lágrimas e com sorriso, com as pernas abertas tudo ficou bem mais fácil.
Na festa de casamento de uma colega, conheceu o doutor Eliseu, médico ginecologista, que ficou encantado com Judite, além de perdidamente apaixonado pela mocinha de corpo exuberante, fala manhosa e gestos provocantes como se vivesse em constante convite para a relação sexual. Todo seu ser cheirava a fêmea no cio e melhor do que ninguém Judite sabia como tirar proveito desse maravilhoso dom.
Antes que se completasse meio ano estavam casados, mas alguns meses depois o doutor morreu de acidente de moto, num final de semana em que haviam ido para o interior.
Na queda bateu com a cabeça no calçamento. Se estivesse com o capacete, a queda seria sem consequências visto que o corpo nada sofreu, entretanto na pancada, fraturou a base do crânio e morreu antes que alguém esboçasse qualquer reação de socorro.
Viúva e despreparada para a vida, Judite deixou-se orientar pela gerente do banco que já administrava a fortuna do médico. Vendeu a propriedade do interior, passou a viver da renda originada da polpuda fortuna que herdara do marido falecido e comprou o apartamento onde vivia com Yuri.
Toda a tarde saía para encontros tórridos marcados por uma amiga muito bem situada na sociedade, com quem dividia os lucros.
Ás vezes interpretava a cena do estupro, onde identificava os rostos dos ex colegas nos vários homens com quem mantinha relação sexual ao mesmo tempo, nos apartamentos dos melhores motéis da cidade. Tornara-se ninfomaníaca.
Mantinha já há algum tempo o romance com o juiz presidente do tribunal de justiça do estado e foi entre carícias que pediu ao magistrado que desse um jeito para que Yuri voltasse para o apartamento, pois além do juiz era a única companhia que ela tinha e não poderia dispensar nenhuma das duas.
A brecha na lei foi achada com facilidade e com um mandato de segurança na mão para ser entregue ao condomínio, Judite entrou levando Yuri (com coleira e corrente de ouro) no colo. O senhor Enéas, o síndico, teve que acatar a ordem judicial, mas jurou entre dentes que isso não iria ficar assim. As pessoas que antes haviam sido obrigadas a se desfazer de seus animais, vibravam e Judite triunfante, desfilava diariamente, em todos os locais do prédio.
Alguns dias depois dessa entrada triunfal, Yuri foi encontrado morto, com sinais evidentes de envenenamento.