Insônia
Era madrugada ainda, mas ela se levantou. Não, não estava sem sono, pelo contrário: o cansaço acumulado das noites mal-dormidas ainda se fazia sentir. E novamente não conseguiria dormir aquela noite.
O que estava acontecendo? Não conseguia explicar. O vazio do apartamento parecia ressoar, era insuportável. Desde quando se sentia assim? Lembrava-se de tempos não muito remotos em que esse mesmo vazio lhe era amigável. Tempos em que o silêncio embalava seu sono e dividia o seu leito. De repente esse mesmo silêncio se transformou em um tormento, uma companhia nefasta. Desde quando tudo mudou?
Ela olhava pela janela, espiando a lua, sendo hipnotizada por seu brilho. O ar frio da madrugada, que entrava furtivamente pelas frestas, impedia-a de se perder em pensamentos. Era como se o frio tentasse reconfortá-la, mas ao invés disso aumentava sua angústia.
Voltou para o calor do quarto. Pegou um livro e o folheou. Já era difícil de identificar as letras - seja pela escuridão, seja pelo sono -, e mesmo quando conseguia juntá-las, as palavras não faziam sentido.
Acabou jogando o livro em um canto qualquer, e tentou assistir tevê. Brincou de tv-roleta, mudando os canais aleatoriamente procurando algo que prestasse, e desistiu quando se conformou que nada lhe pareceria interessante.
Olhou no relógio: já se havia passado uma hora. Para ela, parecia uma eternidade. Por que o tempo psicológico parece sempre em desarmonia com o cronológico?
De repente, a porta se abriu. Ela virou-se e se levantou ao ver a expressão atônita da figura surgida.
Sim, era ele. O motivo de toda a mudança em sua vida. O responsável por sua angústia de agora há pouco. E sua pergunta retórica:
'Você... não dormiu? Estava me esperando?'
Ele estava com um curativo no braço: conseqüência de um acidente de trabalho. Algo não tão recorrente, mas absolutamente natural. Provavelmente o motivo pelo qual ele voltara mais tarde que o esperado.
Por várias vezes ela quis pedir-lhe para parar, arrumar outro emprego, mas nunca teve coragem. Claro, ela se preocupava com os perigos aos quais ele estava sujeito; porém sentia que era egoismo da sua parte pedir que ele abandonasse a profissão que amava para que ela pudesse dormir em paz.
O que deveria fazer? O que poderia fazer, nessa situação?
Haviam muitas coisas que ela poderia falar-lhe. Algumas, que ela quis dizer. Nenhuma foi dita. Apenas o abraçou, fechando os olhos, e enfim pôde deixar-se descansar.