O SUICÍDIO DA VOVOZINHA MAQUIAVÉLICA
Ela possuía uma necessidade insana de chamar atenção.
E fazia isso da pior maneira, procurando uma doença. Para sua tristeza e decepção, a tal enfermidade nunca era encontrada.
Eram exames e mais exames, radiografias, tomografias,
eletro-encefalogramas, eletrocardiogramas, ultrasonografias e nada.
A danada da doença não queria de jeito nenhum se mostrar.
Descontava nos remédios.
Medicamentos de todos os tipos. Para as articulações, para uma boa digestão, colírio para os olhos, analgésicos, antibióticos, sais de fruta, ácido acetilsalicílico, paracetamol, dipirona, cânfora, emplastos, manipulados e meia dúzia de tarjas pretas e vermelhas. Gardenal, Tegretol, Prozac, Lexotan, Rivotril...
Entretanto, os médicos diziam:
- Dona Maria, a senhora não tem nada. Viva a vida!
Ela dizia consigo mesma:
- Não é possível! Eu tenho certeza de que tenho uma doença muito séria. Esses médicos são uns incompetentes e não conseguem diagnosticar nada.
Já foi dito que o amor da glória, a sede de nomeada, é o que há de mais humano no homem. Contudo, por que buscar o amor alheio fazendo-se de coitado?
E a cada dia aumentava a lista de remédios e as reclamações de dores e insatisfações. Os filhos, já acostumados aos seus caprichos, ignoravam o comportamento hipocondríaco-carente da mãe. Os meios de chamar atenção tinham perdido completamente a eficácia.
Certo dia ela pensou:
- Nem que seja morta esses ingratos irão se importar comigo, ah irão!
Então, pegou uma cartela de Gardenal e despejou num copo, segurou a caixa de Tegretol, leu atentamente a bula, coisa que nunca antes havia feito, e também colocou o medicamento no copo.
Não satisfeita, despejou tudo o que sobrava dos blísteres de Rivotril, Prozac e Lexotan num prato.
Olhou para tudo aquilo e viu que não daria para tomar tudo de uma vez.
Pegou o pilãozinho de madeira e socou os comprimidos até fazer uma grande mistura. As cápsulas ela abriu cuidadosamente e também acrescentou à mistura psicotrópica mortífera.
Enfim, havia dois copos grandes de requeijão cheios de pó branco prontos para enviá-la para o além.
Eu, que estava na casa ao lado, olhava tudo o que acontecia pela janela do banheiro, e torcia para que ela ingerisse logo aqueles dois copos de psicotrópicos em pó.
“Vamos, vamos, toma logo, toma logo”, pensava comigo, “Faça essa gentileza para conosco”.
Então a malandra pegou um copo, olhou-o com muita atenção e derrubou sobre o seu corpo. Agarrou o outro copo e jogou o conteúdo pelo chão da cozinha e o resto sobre seu rosto. No mesmo copo, encheu com uma pinga barata que costumava tomar escondida dos filhos. Devia ter uns 400 ml o copo, e mandou goela abaixo.
Sentou-se e começou a ler as bulas para dar sono. Logo este veio, e a velha deitou-se no chão simulando tentativa de suicídio.
Passou algum tempo e o filho mais novo chegou.
- Mamãe, mamãe, socorro, ajudem pelo amor de Deus!
Fingi que não estava em casa.
Logo todos os filhos chegaram, eram quatro. Levaram-na para o hospital e tomaram as providências necessárias.
No quarto do hospital, os médicos disseram aos filhos que a olhassem cuidadosamente, pois somente uma maluca para simular um suicídio daquela maneira.
Os filhos responderam prontamente que sim, que de agora em diante a vigilância seria constante. Ela, que fingia dormir, ouviu tudo e sorriu mentalmente de felicidade.
No mesmo dia saiu do hospital levada em cadeira de rodas, com a cara dissimulada e ao mesmo tempo abatida pelo porre que havia tomado. Com os filhos paparicando-a como ela tanto queria.
- Mamãe, mamãe, como a senhora pôde fazer uma coisa dessas conosco? Nós que a amamos tanto, mamãe!
E as lágrimas rolavam.
Enquanto estavam no hospital, lembrei-me de que havia emprestado
o livro do Maquiavel para um dos filhos dela. Eu precisava do livro para um trabalho de faculdade.
Então entrei na cozinha da "suicida" e vi o livro aberto em cima da mesa, coberto com pó de comprimido e com uma frase sublinhada à caneta pela velha que lia “O Príncipe” enquanto planejava como chamar atenção de seus filhos.
“Os fins justificam os meios”
E eu que pensava que ela estava lendo as bulas!