Na madrugada do Ano Novo
Eu estava acostumado a virar noites em claro. Trabalhava nesse ramo de segurança há uns bons 15 anos e já me acostumara a essa rotina.
Caia uma leve chuva, mas os relâmpagos e trovões indicavam que havia ainda muita água para cair.
Pensei em minha esposa e filha em casa dormindo sozinhas, bem nesse primeiro dia do Ano Novo. Senti pena, mas sabia que elas compreendiam que o meu ofício era assim. Não havia sábados, domingos ou feriados livres, qualquer data poderia ser um simples dia de trabalho.
A rua de minha base de operações possuía boa iluminação e eu tinha o costume de deixar todas as luzes internas apagadas, o que favorecia a visão através do vidro especial que era espelhado por fora.
Nesta noite em questão as nuvens carregadas tornavam o ambiente mais escuro que o normal. Por volta das três da manhã me distraía assistindo a programação local na TV e vez por outra ficava um tempo observando um outro aparelho, que exibia imagens recebidas das câmeras de segurança, estrategicamente instaladas em torno da base.
A luz que entrava pela janela criava um arco todo iluminado na parede que ficava às minhas costas e com o canto do olho pareceu-me ver uma sombra passar rapidamente dentro deste arco de luz e desaparecer na escuridão.
Não tive dúvidas!
Tirei a pistola carregada e iniciei uma saída cautelosa pela porta lateral da base, não sem antes verificar se as imagens das câmeras de segurança denunciavam um possível invasor e constatar que se tal indivíduo existia, devia se encontrar num ponto cego.
Antes de sair completamente falei com minha voz grave:
-- Quem está aí?
Não obtive nenhuma resposta!
Continuei saindo e avistei um homem de costas em pé, encostado numa parede entre duas árvores.
Levantei minha arma numa posição de segurança.
-- O senhor deseja alguma coisa?
O homem virou somente o rosto para me olhar, já com os braços levantados.
-- Desculpa seu guarda, não sou bandido não! Só estou cansado de andar, parei para descansar...
Ele fez menção de se virar e novamente agi por puro instinto, apontando a pistola para o sujeito.
-- Pare onde está! Fique aí mesmo!
Ele continuou se virando com os braços ainda levantados.
-- Desculpa de novo seu guarda, não vou a lugar nenhum, só quero me sentar um pouco.
E dizendo isso se sentou e a expressão em seu rosto condizia com o cansaço que ele afirmara.
Pareceu-me a distância um rapaz, vestido de forma comum, e não parecia estar sob efeito de álcool ou drogas. Devia ter uns 25 anos aproximadamente. Depois descobri que errara por três, tinha 28.
Engrenei uma conversa com ele, puramente investigativa.
-- O que o senhor está fazendo a esta hora na rua?
Ele levantou o rosto.
-- Venho andando por muito tempo seu guarda, sem comer ou beber, preciso de ajuda!
-- Quero ver seus documentos!
-- Não tenho não, seu guarda, quero dizer, não tenho aqui comigo, desculpa, estou meio atrapalhado! Saí para trabalhar em São Paulo, sou do interior, de Campos do Jordão e nunca havia saído de lá! Na estação do Tietê deixei minha mala com tudo que eu tinha num canto e fui pedir informações num guichê e quando voltei vi que tinha sido roubado.
Quanta ingenuidade! – Pensei, mas tirei essa idéia da cabeça ao me recordar que isso não era um fato tão incomum assim.
-- Mas como é seu nome e numero do documento?
Disse ele se chamar Miguel de Almeida e forneceu o número da sua cédula de identidade. Com as informações em mãos retornei a base, tranquei a porta e confirmei seus dados através da central. O rapaz não tinha antecedentes criminais e esse era o dado mais importante que eu precisava para poder liberá-lo
Saí novamente e ele se encontrava na mesma posição, parecendo que dormia.
-- Há quantos dias isso aconteceu?
-- Três dias seu guarda! – Respondeu ele sem abrir os olhos – E já faz tempo que não coloco um prato de comida na boca, o senhor não poderia me arranjar?
Não tinha comida qualquer ali, a refeição fora antecipada para a meia-noite. Mesmo assim busquei alguns pedaços de pão com manteiga e um copo de café com leite para que ele pudesse disfarçar a fome.
Depois que ele comeu voltamos a dialogar.
Contou-me ele que saíra de sua cidade natal para trabalhar em São Paulo, por motivos pessoais que vim a ficar sabendo depois, deixando para trás uma mãe acamada, sua esposa e filha.
Nesse ponto já me compadeci do cidadão que tinha uma família parecida com a minha, com diferença apenas na minha mãe, graças a Deus muito saudável e que eu encontrara uma semana atrás, durante suas novenas de Natal. Foi inspirado em minha mãe que resolvi ajudá-lo no que minha restrita posição e situação deixassem, afinal não era rico e estava preso a um posto de trabalho fixo.
Enquanto contava a sua história Miguel me pediu dinheiro para a passagem de ida para sua cidade. Vou ser sincero, não tinha o suficiente, apesar de ser pouco.
Ele falou que retornara a pé de São Paulo e nem sabia direito se estava no caminho certo, ninguém queria ajudá-lo e nem conseguir contato com sua família pode. Pensei em ajudá-lo nesse ponto, mas uma ligação na madrugada do Ano Novo às três horas da manhã não me pareceu sensato.
Disse também que chegou a ir numa igreja onde o padre lhe ofereceu uma cesta básica.
-- Mas padre, eu quero comida! Ou se não dinheiro para ir embora para minha casa, o que eu vou fazer com uma cesta básica?
-- Venda ela para arranjar dinheiro! – Dissera o padre.
-- Não padre, dê essa cesta para quem precisa, eu preciso de outras coisas agora. Obrigado e até logo.
Nessa altura do campeonato a chuva começou a cair forte e eu lhe disse para que fosse dormir na rodoviária da cidade.
-- Olha seu guarda, eu não posso dormir lá em qualquer lugar gelado ou úmido, posso pegar uma pneumonia e eu sou soro-positivo, vou acabar morrendo! O que vai ser da minha família?
Não podia abrigá-lo na base, mas nem tão pouco poderia deixá-lo para morrer.
Entrei novamente na base e consegui no vestiário encontrar um fino colchão velho e uma blusa mais velha ainda que alguém esquecera por lá ou abandonara mesmo. Municiado destes itens retornei e os entreguei a Miguel.
-- Faça o seguinte, vá e durma na rodoviária! Se alguém lhe aborrecer por lá peça para ligar para mim que eu resolvo. De manhã eu saio às 7 horas, volte aqui que já terei arranjado o dinheiro para sua passagem de volta a sua cidade.
Ele me agradeceu muito e antes de ir me contou que adquirira AIDS em rodinhas de amigos, ao se utilizarem de drogas, mas que eu não me preocupasse, pois estava “limpo” há muito tempo.
-- E a sua família sabe?
-- Ficou sabendo há pouco tempo atrás, assim como eu mesmo, mas aceitou bem! Sempre trabalhei como garçom, a vida toda, lá na minha cidade por ser turística esse é um dos empregos mais comuns. E estava para ser promovido e para isso tive que fazer uns exames e surgiu essa doença presa ao meu sangue. Fui despedido sem dó nem piedade! E o senhor sabe como é em cidade pequena do interior, essas coisas se espalham que nem fogo em mato seco, principalmente entre os comerciantes. Então ninguém me dá mais emprego de jeito nenhum e muitas pessoas que eu conhecia passaram a me ignorar. Estava passando necessidade lá, foi por isso que fui tentar a sorte em São Paulo e acabei sendo burro demais.
Depois disso foi embora e voltou de manhã, como eu havia pedido. Coloquei-o num ônibus com destino a Campos do Jordão, depois de lhe dar o telefone do meu serviço e o informar em que dia estaria trabalhando para que Miguel me ligasse dizendo se estava tudo bem. Ele queria o número de minha conta corrente para me pagar pela ajuda, disse que tinha algum dinheiro na poupança, bem pouco, mas ficaria feliz em devolver o dinheiro.
-- Deixa pra lá! – eu lhe disse.
Ele me deu um abraço, me desejou Feliz Ano Novo e partiu com o ônibus.
Como diria minha mãe: fiz o bem sem pensar a quem!
Nesse momento eu posso dizer que minha história tem dois finais. O primeiro poderia ser este:
No meu próximo plantão ele me ligou e me agradeceu muito pela ajuda e que Deus iria me retribuir de alguma forma pela generosidade com o que o tratara.
Fiquei feliz ao receber um retorno do agora considerado por mim amigo Miguel. Mandei lembranças para sua família e pedi que ele procurasse uma assistente social dentro do seu município para procurar ajuda e com isso retirar os documentos perdidos. Disse também que ele podia requerer um auxílio-doença e quem sabe fazer algum tipo de trabalho autônomo e que parasse de ficar arriscando a vida em locais que não conhecia direito.
Novamente ele me agradeceu, mas antes que pudesse dizer adeus a ligação caiu.
Fiquei com o barulho da ligação interrompida por algum tempo no ouvido e falei para um ouvinte invisível.
-- Deus já me dá alegrias todos os dias só pela família que eu tenho! Sei que Ele vai ser Generoso contigo também, meu amigo!
E desliguei.
O segundo final creio que ficaria assim:
Meu próximo plantão chegou e outros vieram, mas nunca mais soube nada de Miguel. Não ligou, não deu sinal de vida ou de morte.
Pode ser que eu tenha caído no conto de um pilantra, que se aproveitara de minha bondade e com certeza rira muito da minha cara.
Mas sinceramente não estava preocupado com isso, o ajudara de coração, sem segundas intenções e ainda assim sendo espero que esteja bem em algum lugar aquecido.
Que o Bom Deus levasse luz se trevas existissem em seus olhos!
E tratei de esquecer deste fato, não foi fácil, mas creio que consegui...
... Ou assim eu penso!
Deixo a cargo de quem ler essas linhas escolher o final que melhor crer que se encaixa nessa história.
Eu por mim tenho o meu próprio final, escrito com as tintas do tempo em minha mente.
Sei que o amigo Miguel se encontra bem, cercado de pessoas que o amam.
Ele não ligou mesmo, é fato, pelo menos comigo não falou! Mas pode ter ligado num plantão errado e não me deram o recado, como pode não ter tido nem dinheiro para fazer um interurbano.
Qualquer dia desses eu vou encontra-lo por aí e aí eu já o que irei fazer. Vou dar-lhe um tapa nas costas e dizer – Ué! Esqueceu de mim?
Depois disso vou levá-lo, a ele e a sua família, para conhecer a minha e vamos rir muito desse episódio.
Pode até ser que isso demore um pouco, eu sei! Mas sabe que de repente me deu uma vontade de subir a serra e passar um frio danado em Campos do Jordão!
Vou buscar minha jaqueta de couro...
===============================================
Essa história foi baseada num fato real!
Aproveito para desejar para todos os meus mais sinceros votos de um Feliz Ano Novo!
Felicidades!
Eu estava acostumado a virar noites em claro. Trabalhava nesse ramo de segurança há uns bons 15 anos e já me acostumara a essa rotina.
Caia uma leve chuva, mas os relâmpagos e trovões indicavam que havia ainda muita água para cair.
Pensei em minha esposa e filha em casa dormindo sozinhas, bem nesse primeiro dia do Ano Novo. Senti pena, mas sabia que elas compreendiam que o meu ofício era assim. Não havia sábados, domingos ou feriados livres, qualquer data poderia ser um simples dia de trabalho.
A rua de minha base de operações possuía boa iluminação e eu tinha o costume de deixar todas as luzes internas apagadas, o que favorecia a visão através do vidro especial que era espelhado por fora.
Nesta noite em questão as nuvens carregadas tornavam o ambiente mais escuro que o normal. Por volta das três da manhã me distraía assistindo a programação local na TV e vez por outra ficava um tempo observando um outro aparelho, que exibia imagens recebidas das câmeras de segurança, estrategicamente instaladas em torno da base.
A luz que entrava pela janela criava um arco todo iluminado na parede que ficava às minhas costas e com o canto do olho pareceu-me ver uma sombra passar rapidamente dentro deste arco de luz e desaparecer na escuridão.
Não tive dúvidas!
Tirei a pistola carregada e iniciei uma saída cautelosa pela porta lateral da base, não sem antes verificar se as imagens das câmeras de segurança denunciavam um possível invasor e constatar que se tal indivíduo existia, devia se encontrar num ponto cego.
Antes de sair completamente falei com minha voz grave:
-- Quem está aí?
Não obtive nenhuma resposta!
Continuei saindo e avistei um homem de costas em pé, encostado numa parede entre duas árvores.
Levantei minha arma numa posição de segurança.
-- O senhor deseja alguma coisa?
O homem virou somente o rosto para me olhar, já com os braços levantados.
-- Desculpa seu guarda, não sou bandido não! Só estou cansado de andar, parei para descansar...
Ele fez menção de se virar e novamente agi por puro instinto, apontando a pistola para o sujeito.
-- Pare onde está! Fique aí mesmo!
Ele continuou se virando com os braços ainda levantados.
-- Desculpa de novo seu guarda, não vou a lugar nenhum, só quero me sentar um pouco.
E dizendo isso se sentou e a expressão em seu rosto condizia com o cansaço que ele afirmara.
Pareceu-me a distância um rapaz, vestido de forma comum, e não parecia estar sob efeito de álcool ou drogas. Devia ter uns 25 anos aproximadamente. Depois descobri que errara por três, tinha 28.
Engrenei uma conversa com ele, puramente investigativa.
-- O que o senhor está fazendo a esta hora na rua?
Ele levantou o rosto.
-- Venho andando por muito tempo seu guarda, sem comer ou beber, preciso de ajuda!
-- Quero ver seus documentos!
-- Não tenho não, seu guarda, quero dizer, não tenho aqui comigo, desculpa, estou meio atrapalhado! Saí para trabalhar em São Paulo, sou do interior, de Campos do Jordão e nunca havia saído de lá! Na estação do Tietê deixei minha mala com tudo que eu tinha num canto e fui pedir informações num guichê e quando voltei vi que tinha sido roubado.
Quanta ingenuidade! – Pensei, mas tirei essa idéia da cabeça ao me recordar que isso não era um fato tão incomum assim.
-- Mas como é seu nome e numero do documento?
Disse ele se chamar Miguel de Almeida e forneceu o número da sua cédula de identidade. Com as informações em mãos retornei a base, tranquei a porta e confirmei seus dados através da central. O rapaz não tinha antecedentes criminais e esse era o dado mais importante que eu precisava para poder liberá-lo
Saí novamente e ele se encontrava na mesma posição, parecendo que dormia.
-- Há quantos dias isso aconteceu?
-- Três dias seu guarda! – Respondeu ele sem abrir os olhos – E já faz tempo que não coloco um prato de comida na boca, o senhor não poderia me arranjar?
Não tinha comida qualquer ali, a refeição fora antecipada para a meia-noite. Mesmo assim busquei alguns pedaços de pão com manteiga e um copo de café com leite para que ele pudesse disfarçar a fome.
Depois que ele comeu voltamos a dialogar.
Contou-me ele que saíra de sua cidade natal para trabalhar em São Paulo, por motivos pessoais que vim a ficar sabendo depois, deixando para trás uma mãe acamada, sua esposa e filha.
Nesse ponto já me compadeci do cidadão que tinha uma família parecida com a minha, com diferença apenas na minha mãe, graças a Deus muito saudável e que eu encontrara uma semana atrás, durante suas novenas de Natal. Foi inspirado em minha mãe que resolvi ajudá-lo no que minha restrita posição e situação deixassem, afinal não era rico e estava preso a um posto de trabalho fixo.
Enquanto contava a sua história Miguel me pediu dinheiro para a passagem de ida para sua cidade. Vou ser sincero, não tinha o suficiente, apesar de ser pouco.
Ele falou que retornara a pé de São Paulo e nem sabia direito se estava no caminho certo, ninguém queria ajudá-lo e nem conseguir contato com sua família pode. Pensei em ajudá-lo nesse ponto, mas uma ligação na madrugada do Ano Novo às três horas da manhã não me pareceu sensato.
Disse também que chegou a ir numa igreja onde o padre lhe ofereceu uma cesta básica.
-- Mas padre, eu quero comida! Ou se não dinheiro para ir embora para minha casa, o que eu vou fazer com uma cesta básica?
-- Venda ela para arranjar dinheiro! – Dissera o padre.
-- Não padre, dê essa cesta para quem precisa, eu preciso de outras coisas agora. Obrigado e até logo.
Nessa altura do campeonato a chuva começou a cair forte e eu lhe disse para que fosse dormir na rodoviária da cidade.
-- Olha seu guarda, eu não posso dormir lá em qualquer lugar gelado ou úmido, posso pegar uma pneumonia e eu sou soro-positivo, vou acabar morrendo! O que vai ser da minha família?
Não podia abrigá-lo na base, mas nem tão pouco poderia deixá-lo para morrer.
Entrei novamente na base e consegui no vestiário encontrar um fino colchão velho e uma blusa mais velha ainda que alguém esquecera por lá ou abandonara mesmo. Municiado destes itens retornei e os entreguei a Miguel.
-- Faça o seguinte, vá e durma na rodoviária! Se alguém lhe aborrecer por lá peça para ligar para mim que eu resolvo. De manhã eu saio às 7 horas, volte aqui que já terei arranjado o dinheiro para sua passagem de volta a sua cidade.
Ele me agradeceu muito e antes de ir me contou que adquirira AIDS em rodinhas de amigos, ao se utilizarem de drogas, mas que eu não me preocupasse, pois estava “limpo” há muito tempo.
-- E a sua família sabe?
-- Ficou sabendo há pouco tempo atrás, assim como eu mesmo, mas aceitou bem! Sempre trabalhei como garçom, a vida toda, lá na minha cidade por ser turística esse é um dos empregos mais comuns. E estava para ser promovido e para isso tive que fazer uns exames e surgiu essa doença presa ao meu sangue. Fui despedido sem dó nem piedade! E o senhor sabe como é em cidade pequena do interior, essas coisas se espalham que nem fogo em mato seco, principalmente entre os comerciantes. Então ninguém me dá mais emprego de jeito nenhum e muitas pessoas que eu conhecia passaram a me ignorar. Estava passando necessidade lá, foi por isso que fui tentar a sorte em São Paulo e acabei sendo burro demais.
Depois disso foi embora e voltou de manhã, como eu havia pedido. Coloquei-o num ônibus com destino a Campos do Jordão, depois de lhe dar o telefone do meu serviço e o informar em que dia estaria trabalhando para que Miguel me ligasse dizendo se estava tudo bem. Ele queria o número de minha conta corrente para me pagar pela ajuda, disse que tinha algum dinheiro na poupança, bem pouco, mas ficaria feliz em devolver o dinheiro.
-- Deixa pra lá! – eu lhe disse.
Ele me deu um abraço, me desejou Feliz Ano Novo e partiu com o ônibus.
Como diria minha mãe: fiz o bem sem pensar a quem!
Nesse momento eu posso dizer que minha história tem dois finais. O primeiro poderia ser este:
No meu próximo plantão ele me ligou e me agradeceu muito pela ajuda e que Deus iria me retribuir de alguma forma pela generosidade com o que o tratara.
Fiquei feliz ao receber um retorno do agora considerado por mim amigo Miguel. Mandei lembranças para sua família e pedi que ele procurasse uma assistente social dentro do seu município para procurar ajuda e com isso retirar os documentos perdidos. Disse também que ele podia requerer um auxílio-doença e quem sabe fazer algum tipo de trabalho autônomo e que parasse de ficar arriscando a vida em locais que não conhecia direito.
Novamente ele me agradeceu, mas antes que pudesse dizer adeus a ligação caiu.
Fiquei com o barulho da ligação interrompida por algum tempo no ouvido e falei para um ouvinte invisível.
-- Deus já me dá alegrias todos os dias só pela família que eu tenho! Sei que Ele vai ser Generoso contigo também, meu amigo!
E desliguei.
O segundo final creio que ficaria assim:
Meu próximo plantão chegou e outros vieram, mas nunca mais soube nada de Miguel. Não ligou, não deu sinal de vida ou de morte.
Pode ser que eu tenha caído no conto de um pilantra, que se aproveitara de minha bondade e com certeza rira muito da minha cara.
Mas sinceramente não estava preocupado com isso, o ajudara de coração, sem segundas intenções e ainda assim sendo espero que esteja bem em algum lugar aquecido.
Que o Bom Deus levasse luz se trevas existissem em seus olhos!
E tratei de esquecer deste fato, não foi fácil, mas creio que consegui...
... Ou assim eu penso!
Deixo a cargo de quem ler essas linhas escolher o final que melhor crer que se encaixa nessa história.
Eu por mim tenho o meu próprio final, escrito com as tintas do tempo em minha mente.
Sei que o amigo Miguel se encontra bem, cercado de pessoas que o amam.
Ele não ligou mesmo, é fato, pelo menos comigo não falou! Mas pode ter ligado num plantão errado e não me deram o recado, como pode não ter tido nem dinheiro para fazer um interurbano.
Qualquer dia desses eu vou encontra-lo por aí e aí eu já o que irei fazer. Vou dar-lhe um tapa nas costas e dizer – Ué! Esqueceu de mim?
Depois disso vou levá-lo, a ele e a sua família, para conhecer a minha e vamos rir muito desse episódio.
Pode até ser que isso demore um pouco, eu sei! Mas sabe que de repente me deu uma vontade de subir a serra e passar um frio danado em Campos do Jordão!
Vou buscar minha jaqueta de couro...
===============================================
Essa história foi baseada num fato real!
Aproveito para desejar para todos os meus mais sinceros votos de um Feliz Ano Novo!
Felicidades!