Tic, tac.

Tic, tac; tic, tac - O relógio na parede fazia sua música na cozinha. A garota adormecida sobre a mesa.

Tic, Tac; tic, tac - O fio de baba continuava molhando o rosto dela.

Bzzzz - O farfalhar de asas do pernilongo perturbava a cozinha.

Ding, dong - A campainha tocou. A garota, num pulo, saiu correndo como uma louca desvairada pela casa, até chegar à porta da frente e, ao abri-la, não encontrar ninguém.

Ploft - Um passo a frente, para verificar, foi o suficiente para rolar pela calçada, numa queda feia que doía. Claro, mais na menina do que em mim, que estive só esperando o tempo todo, todo o tempo. Afinal, é isso que faço, apenas esperar. Ok, talvez eu não tenha sentido nada, foi só força de expressão.

Tic, tac; tic, tac - O relógio da cozinha ainda fazia enquanto a garota olhava para o grande motivo do tombo. Um cesto enorme, que carregava uma manta branca, enrolada. Ao lado dela, um pássaro grande, com um bico papudo. A garota teve o vislumbre de que era doida ao ver o pássaro acenar com a cabeça para ela, num gesto que a esquisita raça humana usa para cumprimentos.

Fuf, fuf - O pássaro bateu as asas e alçou vôo, deixando aquela enorme cesta na entrada. A menina colocou-se de pé, limpou o fio de baba do rosto - resquício do cochilo - e andou até o cesto.

Tuc, tuc - Ela cutucou com o indicador o pacote roliço do cesto. Ele se mexeu. Um passo para trás de medo. De novo, mais dois cutucões. O pacote, dessa vez, ganhou duas protuberâncias. Antes que mais alguém pudesse ver aquela aberração, a garota pegou o cesto pesado e correu para dentro da casa.

Quift - O cesto pousou na mesa. Mais alguns cutucões menos cautelosos. O pacote ganhou braços salsichudos, roliços e avermelhados.

Claf, claf - O sapato de Mãe fazia pelo corredor. Ao ver o cesto em cima da mesa, um grito de excitação. Afastou a filha do cesto e pegou o pacote branco com dois braços. Dele, saiu o pesadelo mais fedido, barulhento e gordo que a garota já vira.

Buahhhhh - O invasor nos braços de mãe começou a fazer estardalhaço. Os tímpanos da menina queriam estourar. O que era aquilo, afinal? Um monstrinho tão barulhento e fedido, que tomara completamente a atenção de mãe.

Tic, tac; tic, tac - O relógio da cozinha ainda cantava. Os dias foram passando, e o monstrengo ficava mais fedido, gordo e barulhento. O invasor foi colocado no quarto de mãe e de pai para dormir, e não havia o que impedisse aquele crescimento desenfreado. Para completar, o monstrengo ainda parecia ter um dispositivo para chamar a atenção só para ele. Todos os dias ele chamava mais e mais gente para dentro de casa. Tias, tios, avós. Todos olhavam para o fedido e faziam cara de deslumbre.

Ohhhh, aahhhh - Eles faziam. A garota sabia que a situação era grave, porque todos pareciam hipnotizados pela coisa, a exceção dela, apenas. O que faria.

Tic, tac; tic... Buaaaaah - O relógio cantava e o invasor também.

Claf, claf - Os sapatos da garota faziam no piso da cozinha, enquanto ela andava em círculos procurando uma solução para o problema. Quantas perguntas na cabeça. Ela não conseguia resposta para nenhuma. É, então, que, pela primeira vez ela fala comigo.

Blábláblá - ela diz.

Tic, tac; tic, tac - O relógio da cozinha insistia. Por minha sugestão, ela verá o invasor novamente, para desligar o dispositivo de hipnotizar.

Tuc, tuc - Ela cutuca. Ele olha para ela com os dois olhos enormes, o corpo pequeno e roliço e dá um sorriso feio e banguela. O invasor estava tentando usar seus truques com a garota, mas falhara.

Arrgg - Ela sai do quarto batendo o pé, morrendo de raiva. Aquela coisa, feia, fedida, roliça e... Errr... Feia estava roubando toda a atenção com aquilo.

Tic, tac; tic, tac - O relógio ainda fazia na cozinha. Através dos meses, até chegar a hora de ele ser libertado de sua jaula de segurança para o mundo.

Ahhh, Uhhh - Ele se comunicava com os humanos da casa, quase do mesmo jeito que eles se comunicavam com ele. A menina se sentava na poltrona da sala, de braços cruzados, olhando com cara feia do invasor enquanto ele soltava seu veneno viscoso, meio esbranquiçado, pela boca. Ele mordia tudo o que encontrava. Toda a vez que mãe se distanciava, ela tinha que olhar o monstrengo. Ele só mordia, emitia sons ininteligíveis e chacoalhava as mãos. Um perfeito predador perigoso, prestes a agir.

Blablabla - A mãe grita da cozinha. A garota recebera ordens. Ela tinha de se aproximar do invasor, para brincar com ele. Cautelosa e morrendo de nojo, ela junta-se a ele no chão.

Ahhhh, uhh - Ele sorri para ela de novo e estica uma rosquinha colorida e macia, encharcada de veneno na direção da garota. Ele abre um sorriso enorme, novamente, tentando persuadi-la. Ele solta a rosquinha no colo da garota e pega um cubo azul de borracha, cheio de veneno e ergue na direção da garota novamente. Ele o deixa no colo dela novamente e ri.

Tic, tac; tic, tac - Eu insisto que o tempo está passando com o meu canto na cozinha. Aparentemente cedendo ao veneno, a garota agarra o cubo e faz o mesmo gesto com o invasor, arrancando um novo sorriso do rosto redondo e roliço.

Tic, tac; tic, tac - O tempo passou de novo com minha insistência.

Tic, tac; tic, tac - Ela brincou e brigou de novo com o invasor.

Tic, tac; tic, tac - Ele roubou um brinquedo dela, ela quebrou um dele.

Tic, tac; tic, tac - Ela o defendeu hoje.

Tic, tac; tic, tac - Ele gritou com ela hoje.

Tic, tac; tic, tac - Hoje ela aprendeu que o nome dele é algo parecido com "irmão".

Débora Dias
Enviado por Débora Dias em 27/12/2009
Reeditado em 27/12/2009
Código do texto: T1998550
Copyright © 2009. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.