A Carta

Era verão, a noite estava escura e no céu os traços de chuva eram visíveis através de raios e trovões. Sofia não temia os terrores noturnos, e do alto de sua janela contemplava o silêncio da rua. Inácio, seu marido, ainda não havia chegado do trabalho, talvez dormisse por lá. Ali sozinha, começou a chorar, as lágrimas desciam por seu rosto realçando a negritude de seus olhos. Neste exato momento alguém adentrou pelo portão sem fazer nem um barulho sequer. Por instantes ela pensou ser Inácio, mas ao aproximar-se da porta de entrada, teve a certeza de que não era. A ação não demorou mais que dois minutos. O vulto olhou para cima e envolto numa capa preta, sabia que Sofia estava ali, olhando-o. Apenas cobriu rapidamente os cabelos com o capuz e nesta hora ouviu-se um estrondo ensurdecedor que varou o céu. Então, Sofia pode ver em um dos dedos da figura abaixo de si um anel que luziu. Desceu as escadas rapidamente, acendeu todas as luzes da casa, abriu a porta principal e nada. Ele ou ela já havia desaparecido na penumbra da noite.

Sofia ao fechar a porta viu debaixo de seus pés um envelope preto e rapidamente o pegou. Com as mãos trêmulas o abriu e não acreditava no que ali estava escrito: “SOFIA, EU SEI TUDO SOBRE VOCÊ.” Sentiu que o chão lhe faltava naquele instante, se não houvesse uma poltrona por perto com certeza cairia no chão. Ficou imóvel por alguns segundos, lendo e relendo a carta, que foi escrita com recortes de jornais.

Ainda trêmula nem percebeu que Inácio estava chegando e ao ver a casa aberta e as luzes todas acesas saiu correndo ao seu encontro.

__ Sofia, meu amor, o que houve?

__ Não sei Inácio, alguém deixou isso debaixo da porta. __ E entregou a carta a Inácio que a leu sem dar muita importância.

__ Só pode ser uma brincadeira de muito mau gosto. Não se preocupe. Vamos subir.

__ Inácio e se alguém realmente souber de tudo? Viemos para o interior do interior a fim de esquecermos tudo e recomeçarmos do zero. Agora isso. Não sei se poderei suportar.

__ Sofia você realmente se importa?

__ Por você sim, meu amor. Somente por você.

__ Sofia, sei o quanto sofre e ao vê-la assim não sabe o quanto me angustia.

Não disse mais nenhuma palavra e tomando-a pelas mãos levou-a para o quarto. Ficou abraçado a ela até que conseguisse enfim dormir. Por alguns instantes ficou com a carta no pensamento e sentiu um grande ódio de quem fez aquilo. Era inadmissível pensar que alguém pudesse ferir as pessoas assim, sendo capaz de destruir a felicidade de outrem. Enquanto isso lá fora a tempestade caia fortemente.

Ao despertar naquela manhã de sábado, Inácio notou que Sofia já havia acordado, levantou-se rapidamente e foi procurá-la pela casa. Observou que não havia vestígios da terrível tempestade e que um sol tímido se sobrepunha por entre as nuvens. Foi à cozinha e dirigiu a palavra a Joana sua emprega de confiança:

__ Joana onde está Sofia?

__ Senhor Inácio, ela pediu que o avisasse que foi à Igreja conversar com padre Olavo. __Obrigado Joana.

Intrigado Inácio, resolveu ir atrás de Sofia. Ao encontrá-la com Padre Olavo sentiu um aperto no coração. Aproximou-se de ambos e lhe deu um beijo na face. Em seguida cumprimentou o padre:

__ Bom dia padre Olavo! Como vai o senhor?

Padre Olavo o olhou e lhe respondeu prontamente:

__ Graças ao bom e soberano Deus, vou bem meu filho.

Depois Inácio se dirigiu a Sofia:

__ E você Sofia? Por que não me disse que viria aqui?

__ Desculpe-me Inácio, não quis acordá-lo.

Ele a olhou com seus olhos verdes penetrantes e fez com que ela se sentisse encabulada.

__ Padre Olavo, já disse a Sofia para não se preocupar com isso? Eu a amo e é o que realmente importa.

__ Eu sei meu filho e ela também sabe, não é minha filha? __ Padre Olavo disse estas palavras olhando-a fixamente. Ela por sua vez respondeu evasiva:

__ Sim padre Olavo, eu sei.

Padre Olavo continuou:

__ Não se intimide por pequenas coisas, Sofia. Procure viver bem com Inácio. Deus na sua infinita bondade e misericórdia já a perdoou por tudo. Cabe a você agora se perdoar também caso contrário nunca será feliz. É preciso que enterre o passado.

__ Tem razão padre. O senhor sempre tem razão. __ Disse isso olhando para as mãos.

Depois da conversa matinal, Inácio e Sofia foram para casa, dispostos a esquecer o fato ocorrido na noite anterior. Qual não foi a surpresa que os esperavam? Outra carta, desta vez em um envelope vermelho e os dizeres eram ainda mais agressivos que a primeira: “SOFIA, EU SEI TUDO SOBRE VOCÊ, O SEU PASSADO É NEGRO. A QUEM VOCÊ PENSA QUE ENGANA COM ESSA CARA DE ANJO?”

Inácio prontamente a segurou firme e lhe disse convicto:

__ Minha querida não se preocupe, eu estou do seu lado. Eu a amo.

__ Inácio aconteça o que acontecer saiba que nunca deixarei de amá-lo.

__ O que você pensa que irá fazer?

__ Por enquanto nada. _ E desabou a chorar no ombro de Inácio que a levou para a sala e a beijou demoradamente. Ficaram em silêncio por alguns instantes. Ele quebrou o silêncio:

__ Sabe de uma coisa, é melhor que todos saibam da verdade. Assim você não precisa ficar aqui enclausurada e nem temendo o amanhã. Já está mais que na hora.

__ Inácio não fale dessa maneira. Até parece que sou uma prisioneira nesta casa. Eu sou sua esposa e amiga, cúmplice de tudo.

__ Tem alguém batendo a porta. É você Joana?

__ Sim senhor Inácio. É que chegou um envelope aqui para a dona Sofia. _ Inácio abriu a porta e rapidamente pegou o envelope dourado das mãos de Joana.

__ Outro? Abra-o Inácio e leia o que diz.

__ Vá lá: “SOFIA, SEI TUDO SOBRE VOCÊ, O SEU PASSADO É NEGRO. A MIM VOCÊ NUNCA ENGANOU. NÃO QUERO SEU DINHEIRO. QUERO É TIRAR SUA PAZ. ENCONTRE-ME ÀS 14 HORAS NA IGREJA.”

__ Inácio, isto está ficando perigoso. O que faço? Vou a este encontro.

__ Não Sofia, você não vai.

__ Vou sim Inácio, como você mesmo disse é chegada a hora.

__ Pode ser um psicopata querendo te atacar. Eu irei com você.

__ Não. Eu tenho que enfrentar meus fantasmas sozinha.

Às duas horas da tarde Sofia já estava na Igreja. Se achegou a ela um garoto e lhe entregou um outro envelope azul com uma carta que dizia: “ATÉ QUE EM FIM VOCÊ VEIO. PENSEI QUE NÃO TIVESSE CORAGEM. SUA SAGA ESTÁ CHEGANDO AO FIM. ESPERE MAIS UM POUCO.” Sofia começou a chorar e a chorar, quase que em gritos, parecia histérica. Pôs-se de joelhos, balbuciava palavras desconexas quando sentiu um frio percorrendo-lhe a espinha e de súbito olhou para trás.

__ Você! __ Exclamou Sofia quase que aos berros. ¬__ Por que está fazendo isto comigo?

__ Sofia, tudo o que eu queria era poder te ver exatamente assim, desequilibrada, alquebrada por seus erros.

__ Me perdoe, Anita. Me perdoe. Não posso mais viver sem o seu perdão.

__ Sofia, não entendi nada, como pôde fazer isso comigo? Sou sua irmã. Você era a pessoa a quem confiei tudo. Toda a minha vida. Desde que nossos pais morreram naquele fatídico acidente éramos somente nós duas. Você traiu a minha confiança.

Sofia se aproximou de Anita, a olhou nos olhos e viu o ódio crescente da irmã e lhe falou:

__ Anita, realmente eu errei. Pensei que fugindo de tudo e principalmente de você eu seria feliz. Me enganei, hoje me vejo amargurada e diante das frustrações da vida nunca tive coragem de voltar e de te enfrentar.

__ Você não faz ideia de como sofri, nestes últimos meses. No início pensei que ficaria louca. Não comia, não dormia, só chorava. Não sei como conseguia trabalhar. Todos no trabalho se compadeciam de mim. Principalmente por ser vítima de minha irmã e de meu noivo, no dia que seria o dia mais feliz de minha, meu casamento. Pois bem minha cara, nunca mais irei precisar disto. __E arremessou com as duas mãos seu vestido de noiva no chão.

__ Seu vestido de noiva? Anita, oh como pude? __ Sofia não conseguia parar de chorar e caiu de joelhos em cima do vestido.

Inácio chegou correndo na igreja e adentrou sem perceber o que realmente acontecia. Foi logo ao encontro de Sofia e sem querer se esbarrou em Anita. Ao perceber quem era apenas a olhou nos olhos e ela lhe dirigiu a palavra.

__ Inácio, você planejou tudo com minha irmã não é mesmo?

Calado e sem saber o que dizer Inácio tentou erguer Sofia que chorava compulsivamente deitada sobre o vestido.

Anita por sua vez não perde a oportunidade de confrontar os dois:

__ Sabe de uma coisa, vocês formam o casal perfeito. Só queria vê-los e dizer que o melhor ficou comigo. Você me abandonou Inácio, no entanto estou grávida. Não quero nada de você muito menos de Sofia. Só queria que soubessem.

Anita ao dizer estas palavras, estava quase que na porta da igreja, porém não foi difícil sair correndo, alcançar a rua e entrar em um táxi rumando para o desconhecido.

Inácio ficou imóvel e sem dizer nada estendeu a mão a Sofia, esta por sua vez segurou firme levando consigo o vestido e juntos saíram da igreja.

O tempo se passou, Inácio tentou em vão localizar Anita e o filho que ela esperava. Sofia por sua vez, ficou levemente perturbada e quando em noites tempestivas era comum vê-la vestida de noiva do alto de sua janela.

Vania Morais
Enviado por Vania Morais em 24/12/2009
Reeditado em 12/06/2013
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