Meu nome é Mabel - parte 2

Nota: Este conto está sujeito a alterações. Nada que mude o rumo da história, mas com o passar do tempo posso revisar o texto e fazer algumas mudanças que tornem a leitura mais fluida. Escrever e publicar com pressa geralmente não dá em boa coisa, é preciso corrigir. Boa leitura.

E não custa recomendar o óbvio: Leia a parte 1.

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Meu nome é Mabel, e eu já não tenho vinte e dois anos faz tempo. Não tenho problemas de saúde, sempre tive salários razoáveis e nunca passei por grandes dificuldades pra conseguir namorados.

Hm.

Claro que é tudo mentira. Ninguém na face da Terra teve sempre salários razoáveis. Não alguém que mereça respeito. Com homens eu realmente não passei por grandes problemas. Fui rejeitada algumas vezes, mas tenho a sorte de não sofrer tanto nesses casos, sou meio arrogante, orgulhosa, engano fácil a mim mesma e esqueço que um dia algum homem já mereceu minha atenção.

O caso é que do jeito que surpreendi o Paulo me traindo peguei raiva dos homens definitivamente. E considerando que ele me traiu com a minha chefa, aproveitei pra pegar raiva de trabalho também. Mas não definitivamente; dinheiro é fundamental, homem não. Estava livre de preocupações por um tempo, sem namorado e sem compromissos profissionais.

Eu e Paulo morávamos juntos há quase um ano, então quando terminei com ele passei automaticamente de comprometida, funcionária da melhor agência de publicidade do Estado e moradora de um excelente apartamento para desempregada, solteira e sem-teto.

Ao menos eu poderia resolver a questão da moradia. Minha família estava fora da cidade. Minha avó morrera há alguns dias, e acho que eu fui a única que não compareceu ao enterro. Aconteceu que, no dia em que ela passou, eu ainda tinha um emprego e uma reunião inadiável com a Coca-Cola.

Meu pai deixara comigo a chave da casa deles pra que eu alimentasse os canários caso eles demorassem mais de dois dias. Quer dizer, eu estava sem abrigo e tinha comigo a chave de um casarão; minha avó não poderia ter morrido em melhor hora. Eu não fiquei feliz com a morte da minha avó, absolutamente. Mas todos da família estavam preparados. Ela andava muito mal das pernas, da cabeça, de todo o corpo. Não havia mais esperanças; no hospital ela era monitorada para que morresse com o mínimo possível de dor. Enfim, ela era uma boa velhinha e eu tinha uma casa inteira pra sofrer sozinha por alguns dias.

Matematicamente, se pra cada parente morto se resolvesse um problema, talvez bastasse que morressem mais dois pra eu conhecer um bom homem e receber uma proposta de emprego tão boa quando a anterior. Fora isso, eu estava sem opções.

Resolvida questão habitacional, precisava recuperar ao menos minhas roupas. Não tive coragem de voltar ao meu antigo apartamento, o máximo que consegui foi deixar um bilhete para Paulo.

Cheguei ao balcão da portaria exausta, toda vermelha e inchada. Parei por um instante, pensando no que escrever. Estava a ponto de cair no choro novamente quando o porteiro começou a me azucrinar com perguntas.

— Dona Mabel, precisa de alguma coisa?

— Papel e caneta, por favor.

— Quer que eu chame seu marido?

— Eu. Não tenho. Marido. — Mais uma pergunta e ele ultrapassaria a linha que separa educação de intromissão.

Eu não sabia como me dirigir a Paulo. E ele poderia entrar ou sair do prédio a qualquer momento; eu me mataria ali mesmo se cruzasse com ele.

Fungando, comecei a escrever. O porteiro não se conteve, fez questão de me interromper bem no meio do bilhete:

— Dona Mabel, o que a senhora tem? — Eu estava desolada, mas ainda era eu. Parei e olhei-o fixamente.

— Câncer.

Pronto. Não ouvi mais sua voz.

Terminei o bilhete calmamente, e passei a ele com recomendações de que fosse entregue somente a Paulo e mais ninguém. Com certeza meu ex namorado não foi o único a saber do meu ódio. O porteiro leu o bilhete tão logo eu pisei na calçada.

“Paulo, mande minhas coisas para a casa dos meus pais e depois pode se foder.”

Talvez eu devesse ter assinado. Ora, se ele tinha a habilidade de me trair com a minha própria chefe bem no meu nariz, era bem capaz de eu dividir o apartamento com alguma vagabunda e nenhuma de nós, nem eu nem ela, notarmos a presença uma da outra. Seria possível manter duas amantes num mesmo apartamento? Tudo indicava que ele devia ter outra. Ou outras. Ou outros! Não.

Apósdeixar o bilhete para Paulo, dirigi até minha nova casa provisória, estacionei na garagem e entrei. Larguei no carro as rosas que Paulo mandara, não as devolveria de jeito nenhum. Era um buquê caríssimo, ele teria de conviver com o prejuízo.

Enquanto isso, na portaria do meu ex prédio, meu ex namorado recebia do porteiro o bilhete.

— Boa tarde seu Paulo. E o Corinthians? — porteiros precisam começar diálogos de alguma forma.

— Opa! — Namorados filhos da puta precisam continuar diálogos de alguma forma.

— Seu Paulo, dona Mabel esteve aqui mais cedo e deixou um bilhete pro senhor.

— Ah é?!! — Paulo arregalou os olhos do tamanho de duas jacas.

— Parece que a coisa não ta muito boa pro seu lado, heim doutor. — o porteiro nunca perdia uma oportunidade.

Sem responder, Paulo saiu em direção ao elevador, quando foi chamado de volta pelo porteiro.

— E ela disse que ta doente.

Daí em diante foi ladeira abaixo, Paulo desesperado e uma vingança em potencial.