DROGA
Dona Milu morava no apartamento 303. Viúva com um filho adolescente vivia da pensão de Oficial que seu marido deixara e das costuras que fazia como faccionista de uma confecção instalada no bairro seguinte. Durante o dia se podia ouvir o ruído suave da máquina de costura. O mensageiro da fábrica vinha toda quarta feira e todo sábado trazendo dois malotes bem grandes cheios de peças talhadas e levando dois com as peças já costuradas. Aos domingos dona Milu frequentava a igreja presbiteriana. Três vezes por semana ensaiava no coral da igreja.
Baixinha, magra, olhos vivos de um negro profundo ressaltados pelo contraste com a pele muito branca pela falta de sol. O filho Emanuel estudava mecânica de máquinas de costura na escola técnica. Tratava-se de um campo promissor devido ao crescimento do mercado de confecções onde não faltava serviço para os bem preparados. Namorava a filha de outra cantora do coral e se encontravam regularmente por estudarem na mesma escola. Lenira fazia segurança do trabalho. Quando voltava para casa, Emanuel ajudava a mãe na limpeza das peças, cortando linhas ou abrindo as casas dos botões. De vez em quando trazia a namorada para ajudar-lo depois do almoço.
Vidinha tranquila na mais perfeita harmonia até que de um momento para outro houve mudança significativa no comportamento de Emanuel.
Dona Milu comentou com a colega, mãe de Lenira que também tinha notado diferença no comportamento da filha. Estava arredia. Não queria mais auxiliar nas tarefas de casa e mais de uma vez, junto com Emanuel faltaram à escola.
O sinal de alerta foi acionado naquelas duas famílias. Por que dois jovens com 17 e 16 anos que até então seguiam uma vida metódica, dentro dos princípios rígidos da religião, cumprindo todos os deveres, de uma hora para outra adquirem esse comportamento diametralmente oposto. As mães foram falar com o pastor que se prontificou a chamar o casal e ter uma conversa franca com eles.
- Meus filhos, na idade de vocês é muito comum embora não seja certo, ocorrer uma gravidez indesejada. As mães de vocês vieram falar comigo e em virtude de vocês serem órfãos e sendo seu pastor, resolvi falar. Não como pastor, mas como homem e pai de adolescentes como vocês.
Silêncio.
Só o silêncio foi a resposta que obteve.
Os dois sentados no banco da igreja e o pastor num banquinho na frente deles olhando-os de frente. – então, ficaram mudos?
- Que nada pastor! Você tá por fora. É nenhuma! Tá ligado?
O pastor estranhou o palavreado de Lenira.
Aquela mocinha de fala mansa e linguajar rebuscado, incapaz de ofender a quem quer que fosse, responder daquela forma a ele. Realmente algo grave, de muito grave estava acontecendo.
- E você Emanuel, o que tem para me dizer?
- Nada. Eu não tenho nada para lhe contar. Meta-se com sua vida e de seus filhos e deixe a minha em paz. Eu não quero ouvir mais nada – e levantando-se – não volto mais aqui.
- Calma meu filho. Sente-se. Vamos conversar. Qualquer coisa que esteja acontecendo, nós juntos podemos arranjar a solução.
- Solução? Solução de quê? Perguntou Lenira levantando-se. Solução prá quê?
Vá dar solução na sua vida e na dos seus filhos que estão lombrados. Ou você acha que eles estão por fora?
E saiu correndo para junto de Emanuel que já estava descendo os degraus para a calçada.
Não voltaram para casa. Continuaram andando em direção ao parque da cidade.
O pastor acompanhou com o olhar os dois que se distanciavam. Sabia que aqueles dois jamais voltariam a ser como antes. A droga é vereda de mão única, sem ponto de retorno. As palavras da moça reverberando dentro da cabeça, ajoelhou-se e orou pedindo que o braço demoníaco da droga não houvesse alcançado seus filhos, que ele e os seus estivessem livres daquele flagelo.
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Molambo era um traficante de drogas conhecido por todos.
Fazia ponto nas escolas para aliciar menores para o consumo.
Era amigo de todo mundo.
Intitulava-se canabista.
Gostava de futebol e andava sempre com a camisa oficial do Sport Club do Recife.
Pela manhã Molambo fazia ponto na escola técnica e foi através dele que Lenira e Emanuel conheceram o poder devastador da Cannabis sativa.
- Vai rapaz! Não é homem não, cabra frouxo? Todo mundo gosta, tá ligado?
- Sei não. E se viciar? E se sentirem o cheiro?
- Vicia nada. Tua namorada, tá ligado? Já fuma e tu nunca sentisses nada, tá ligado? Tá vendo eu? Fumo desde dez anos e nunca viciei, tá ligado?
O primeiro trago foi horrível. A náusea. A ânsia de vômito. O zumbido nos dois ouvidos. A visão turva. Emanuel cuspiu. Fechou os olhos botou as mãos na cabeça. Segurou no ombro de Molambo quase sem fôlego.
- Vai, dá outro trago que passa tá ligado? Vai porra, dá outro trago logo.
Mecanicamente Emanuel obedeceu.
- Segura a fumaça dentro, tá ligado?
O mal estar foi cedendo aos poucos. Depois rapidamente, a tontura passou como por encanto. Emanuel tragou sofrergamente todo o cigarro.
O dia ficou mais radioso.
As cores adquiriram mais brilho e as coisas pareciam flutuar.
Uma sensação gostosa de euforia foi tomando o corpo inteiro.
Já não podia mais ficar parado, andava de um lado para outro e falava, falava muito, coisas sem nexo e ria.
A boca secara de vez. (Para onde teria ido a saliva?). Por que a boca estava tão seca? Fome.
Sentiu fome.
Uma fome irresistível.
O canabinol havia sido metabolizado. Agora com a configuração de canabidiol ocupava todos os sítios do sistema nervoso central.
Emanuel estava drogado e permaneceria assim por muito tempo, sem controle sobre suas ações, andando, sentindo a boca seca, sentindo fome até que em dado momento tudo se foi.
Agora a depressão, a inércia.
Sem vontade sequer de levantar-se do banco onde estava sentindo o peso do mundo em seus ombros.
Quando chegou à casa, olhou-se no espelho. Os olhos estavam vermelhos e havia palidez em seu rosto.
Prometeu a si que não tornaria a fumar maconha. Prometeu em voz alta. Prometeu, mas não cumpriu.
Molambo era persistente e a sensação de euforia e bem estar que a droga provoca, justificavam o consumo.
Antes esporadicamente, depois foi aumentando a frequência até que passou a ser diária e a qualquer momento.
Bastava ter dinheiro para comprar. Suas economias viraram fumaça. Passou a praticar pequenos furtos dentro de casa e por onde passasse.
Lenira também se viciara e os dois já deviam bastante a Molambo que agora vivia ameaçando “fazer uma desgraça” caso não pagassem.
- Eu conheço uma mulher que pode dar um jeito de vocês descolarem dinheiro, tá ligado?
Eu levo vocês lá, tá ligado?
Ela arranja serviço com os fregueses dela, tá ligado?
Sem alternativa em vista, precisando de dinheiro para comprar mais droga e pagar a Molambo, os dois foram levados como gado é levado para o matadouro.
Madame Terezinha arregalou os olhos de cobiça quando soube da virgindade de Lenira, antevendo o lucro que teria com a venda em leilão daquela virgem.
- Eu pago a conta de vocês. Empresto o dinheiro agora. Tirou do bolso o talão de cheques e virando-se para Molambo, quanto é a conta dos dois? Não se preocupem, vocês me pagam com serviço, hoje mesmo.
- Que tipo de serviço? Madame. - quiseram saber.
- Ora meninos, sexo. Vocês vão fazer sexo com os clientes. E você menina talvez nem seja hoje. Vou preparar um evento para tirar seu cabaço (e riu um sorriso amarelo pelos muitos cigarros fumados compulsivamente).
- Você meu rapaz vai agora mesmo para a casa do Dr. Madeira. Ele gosta de rapazes bem dotados e com muito vigor. Ele vai lhe dar banho na banheira. (e sorrindo da cara de espanto dos dois) Não vá broxar. Faça ele se sentir a mulher mais amada do mundo e eu tenho certeza que você não vai se arrepender...
Chame-o de Olga. É assim que ele gosta de ser chamado...